O manguito ou cuff de um tubo endotraqueal sela as vias aéreas para facilitar a ventilação com pressão positiva e reduzir a aspiração de secreção subglótica. Entretanto, o aumento ou diminuição da pressão intracuff do tubo endotraqueal pode levar a muitas morbidades.
ObjetivoInvestigar o efeito de diferentes posições da cabeça e pescoço da pressão intracuff do tubo endotraqueal durante cirurgias de orelha e cabeça e pescoço.
MétodoParticiparam do estudo 90 pacientes submetidos à cirurgia eletiva na orelha direita (Grupo 1: n=30), orelha esquerda (Grupo 2: n=30) ou cabeça e pescoço (Grupo 3: n=30). Um anestésico geral padronizado foi administrado e o tubo endotraqueal com cuff foi colocado em todos os pacientes através de videolaringoscopia. O balão‐piloto de cada tubo endotraqueal foi conectado ao transdutor de pressão e o monitoramento‐padrão da pressão invasiva foi estabelecido para medir continuamente os valores da pressão intracuff. O primeiro valor de pressão intracuff foi ajustado para 18,4mmHg (25cm H2O) na posição supina e neutra do pescoço. Em seguida, os pacientes foram colocados nas posições cirúrgicas apropriadas de cabeça e pescoço antes do início da cirurgia. Essas posições foram rotação esquerda, rotação direita e extensão por rotação esquerda/direita com almofada sob o ombro, para os grupos 1, 2 e 3, respectivamente. As pressões intracuff s foram medidas e anotadas após cada posição, aos 15, 30, 60, 90 minutos e antes da extubação. Se a pressão intracuff saísse do valor desejado de 20 ∼ 30cm H2O a qualquer momento, ela era definida em 25cm H2O novamente.
ResultadosOs valores de pressão intracuff aumentaram de 25 para 26,73 (25‐28,61) cm H2O após a rotação do pescoço para a esquerda (p=0,009) e de 25 a 27,20 (25,52‐28,67) cm H2O após rotação do pescoço para a direita (p=0,012) nos grupos 1 e 2, respectivamente. No Grupo 3, os valores da pressão intracuff na posição neutra, após extensão com almofada sob o ombro e rotação para a esquerda ou direita, foram 25, 29,41 (27,02‐36,94) e 34,55 (28,43‐37,31) cm H2O, respectivamente. Houve diferenças significativas entre a posição neutra e a extensão com almofada sob o ombro (p <0,001) e também entre a posição neutra e a rotação após a extensão (p <0,001). Entretanto, não houve aumento estatisticamente significante da pressão intracuff entre extensão com almofada sob o ombro e rotação do pescoço após as posições de extensão (p=0,033).
ConclusãoAs medições contínuas do valor da pressão intracuff antes e durante cirurgias de orelha e cabeça e pescoço são benéficas para evitar possíveis efeitos adversos/complicações de alterações de pressão relacionadas à posição cirúrgica.
Intubação com tubo endotraqueal (TET) com manguito ou cuff é usada com frequência e de maneira segura em pacientes submetidos a anestesia geral para proteger as vias aéreas. Os cuffs dos TETs selam a via aérea extraluminal para facilitar a ventilação com pressão positiva e reduzir a aspiração de secreção subglótica. Como o aumento ou a diminuição das pressões intracuff (PIC) dos TETs podem levar a muitas morbidades, o volume do cuff deve ser ajustado com cuidado. De acordo com as diretrizes, a PIC alvo deve ficar entre 20 e 30cm H2O.1,2 A hiperinsuflação do cuff do TET (PIC alta) pode causar laringoespasmo, dor de garganta e estridor no pós‐operatório, danos ao nervo laríngeo, lesão da mucosa traqueal comprometer a perfusão capilar, estenose traqueal, fístula traqueoesofágica, sangramento e ruptura da traqueia.3–6 Por outro lado, a hipoinsuflação do cuff (PIC baixa) pode causar extravazamento de ar, aspiração e pneumonia associada à ventilação.7,8
Durante as cirurgias de orelha e cabeça e pescoço, as posições dos TETs com cuff podem se deslocar e isso pode causar alterações na PIC.9 Através de monitoração contínua peroperatória, os aumentos e as diminuições agudos de PIC podem ser evitados e as morbidades acima mencionadas podem ser reduzidas.
Houve alguns relatos que mostram os efeitos da alteração da posição do pescoço nos valores da PIC da posição inicial para a extensão, flexão e rotação lateral (esquerda/direita).9,10 Esses estudos investigaram principalmente as alterações da PIC em pacientes que receberam assistência médica em unidades de terapia intensiva. Entretanto, os efeitos das combinações de rotina das posições do pescoço na PIC durante as cirurgias de orelha e cabeça e pescoço não foram estudados. Este estudo observacional prospectivo foi desenvolvido para avaliar se diferentes posições de cabeça e pescoço em cirurgias de orelha e cabeça e pescoço afetariam as PIC em diferentes posições e momentos.
Esse estudo é relatado de acordo com as diretrizes Strobe (Strengthening the Reporting of Observational Studies in Epidemiology).11
MétodoEste estudo observacional prospectivo foi aprovado pelo comitê de ética da nossa instituição (Universidade de Istambul, Faculdade de Medicina de Istambul) (2019/156) e registrado no clinicaltrials.gov (NCT04037553). Após a obtenção do consentimento informado por escrito, 90 pacientes com mais de 18 anos com status físico da Sociedade Americana de Anestesiologistas (ASA) I – III, que agendaram uma cirurgia eletiva de orelha ou cabeça e pescoço sob anestesia geral, foram incluídos entre fevereiro de 2019 e maio de 2019, nas salas de cirurgia do Departamento de Cirurgia de Orelha, Nariz e Garganta da Universidade de Istambul, Faculdade de Medicina de Istambul. Considerando o estudo de Lizy et al.,9 planejou‐se um total de 30 pacientes por grupo para serem recrutados para o nosso estudo. Os critérios de exclusão foram obesidade mórbida (índice de massa corporal – IMC>35), movimentos limitados do pescoço, história prévia de radioterapia ou cirurgia na área da cabeça e pescoço, intubação nasotraqueal ou necessidade de traqueotomia no período peroperatório, infecção do trato respiratório e cirurgia planejada para tumores cervicais de linha média.
A monitoração‐padrão da anestesia, inclusive eletrocardiograma (ECG), oximetria de pulso, medida não invasiva de pressão arterial e medida do CO2 expirado (end‐tidal CO2 – ETCO2) foi aplicada a todos os pacientes. Midazolam (0,3mg/kg), fentanil (1 mcg/kg), propofol (2–3mg/kg) e rocurônio (0,6mg/kg) foram administrados a todos os pacientes para indução‐padrão de anestesia geral. A intubação endotraqueal assistida por videolaringoscópio (C‐MAC®, KARL STORZ, Tuttlingen, Alemanha) de todos os pacientes do sexo feminino e masculino foi feita com um TET com cuff (Bıçakçılar AŞ, Istambul, Turquia) com diâmetro interno de 7,5 ou 8mm, de acordo com o sexo. A posição correta do cuff foi confirmada pela visualização de ETCO2 e a auscultação de sons respiratórios bilaterais. O cuff do TET de cada paciente foi inflado com uma seringa de 2mL até que nenhum extravazamento de ar fosse observado. O tubo endotraqueal para intubação de cada paciente foi fixado no lado contralateral da boca, dependeu do local da cirurgia. Os pacientes foram ventilados com um volume tidal de 6–8mL/kg com frequência respiratória de 12–14 ciclos/min. A anestesia geral foi mantida com sevoflurano (1% a 3%) em uma mistura de oxigênio (40%) e ar (60%) sem a administração de óxido nitroso (N2O). Os níveis da pressão end‐tidal de CO2 foram mantidos entre 30 e 35mmHg. Em seguida, o balão‐piloto do TET com cuff de cada paciente foi conectado ao conjunto de transdutores de pressão descartáveis e o IPMS (invasive pressure monitoring setup) foi preparado e calibrado para todos os pacientes com o intuito de medir e monitorar a PIC, como relatado por Gopalakrishnan et al.12 como um método validado.
Os pacientes foram alocados em 3 grupos, de acordo com o tipo de cirurgia. Os grupos 1 e 2 incluíram os pacientes submetidos à cirurgia na orelha direita e esquerda, respectivamente. O grupo 3 incluiu todos os pacientes submetidos à cirurgia de cabeça e pescoço sem considerar o sítio cirúrgico.
Todas as cirurgias foram feitas com os pacientes em posição supina. Após a indução da anestesia geral, os pacientes foram colocados em uma posição neutra definida por Komasawa et al.13 para padronizar suas posições iniciais de cabeça e pescoço. Uma almofada de gel (altura: 3cm) foi colocada sob a cabeça dos pacientes e as duas linhas imaginárias (1) entre o canal auditivo externo até a parte superior do ombro e (2) do canal auditivo externo à margem orbital superior foram ajustadas para serem verticais (fig. 1).
Posições iniciais de cabeça e pescoço (neutras) em todos os pacientes enquanto em decúbito dorsal. A almofada de gel (altura: 3cm) foi colocada sob a cabeça dos pacientes e as duas linhas imaginárias (1) entre o canal auditivo externo até a parte superior do ombro e (2) o canal auditivo externo à margem orbital superior foram ajustadas para serem verticais.
A primeira PIC foi medida em posição neutra logo após o tubo ter sido afixado com fita adesiva e o monitoramento dos três ciclos respiratórios consecutivos. Se alta, ela foi reduzida para 18,4mmHg, que é o valor médio das pressões sugeridas (a PIC ideal de 25cm H2O deveria ser obtida pela multiplicação de 18,4mmHg por 1,36).1,2
Após as medidas neutras, as posições apropriadas de cabeça e pescoço foram aplicadas aos pacientes em ordem antes do início da cirurgia. A rotação do pescoço para a esquerda ou direita (aproximadamente 60–70 graus para o lado oposto) foi aplicada ao grupo 1 ou 2, em conformidade com o local da cirurgia na orelha, e o valor da PIC foi documentado após 3 ciclos respiratórios. Além da almofada de gel colocada sob a cabeça, outra com a altura de 4,5cm foi colocada sob os ombros dos pacientes do grupo 3 para estender o pescoço. Depois de aguardar 3 ciclos respiratórios, a PIC foi registrada. Em seguida, a rotação do pescoço para o lado direito ou esquerdo foi aplicada, dependeu do local da cirurgia (aproximadamente 60 a 70 graus para o lado oposto). Após 3 ciclos respiratórios, a PIC foi registrada novamente. Além disso, os valores da PIC foram monitorados continuamente em todos os pacientes durante as cirurgias e registrados aos 15, 30, 60 e 90 minutos nas posições relacionadas e imediatamente antes da extubação na posição neutra. A qualquer momento, se o valor da PIC caísse abaixo de 14,7mmHg (20cm H2O) ou aumentasse acima de 22mmHg (30cm H2O), a PIC era ajustada novamente para 18,4mmHg (25cm H2O).
Análise estatísticaA análise de potência foi calculada com G*Power.14 O tamanho da amostra foi calculado separadamente para diferentes posições do pescoço, com base nos resultados de um estudo anterior.9 As diferenças nos valores médios da PIC entre a posição neutra e a rotação para a esquerda, rotação para a direita e extensão foram de 4,5, 6,5 e 9,1cm H2O, enquanto as diferenças no desvio‐padrão entre as posições foram de 4,8, 9 e 9,5, respectivamente. Para atingir uma potência de 0,95 e um α de 0,05 com teste bicaudal, os números de pacientes necessários foram 17, 27 e 17 para rotações e extensão à esquerda e à direita, respectivamente. Decidimos recrutar 30 pacientes para cada grupo para compensar as possíveis desistências.
O software Statistical Package for the Social Sciences (SPSS), versão 22 (IBM Corp., Armonk, NY, EUA) foi usado para fazer análises estatísticas adicionais. Um valor de p <0,05 foi considerado estatisticamente significante. A análise descritiva foi feita para relatar dados demográficos. O teste de Shapiro‐Wilk foi usado para avaliar a normalidade dos dados. O valor de p das PICs médias na posição neutra foi <0,001 para todos os três grupos, os quais apresentaram distribuição anormal dos dados. Como definimos todas as pressões de cuff para 25cm H2O de propósito, foi um resultado esperado. Portanto, escolhemos testes não paramétricos para análise posterior. O teste de postos sinalizados de Wilcoxon de amostras relacionadas não paramétricas foi usado para comparar a PIC média na posição neutra com a posição definida nos pacientes submetidos à cirurgia de orelha. A análise de variância bidirecional de Friedman de amostras relacionadas não paramétricas foi testada para mostrar diferenças do valor médio da PIC entre a posição neutra e as posições definidas em pacientes submetidos à cirurgia de cabeça e pescoço. Então, a análise post hoc foi feita com o teste de postos sinalizados de Wilcoxon para avaliar onde a diferença realmente ocorreu. A análise post hoc com os testes de postos sinalizados de Wilcoxon foi feita com a correção de Bonferroni, resultou em um nível de significância estabelecido em p <0,017.
ResultadosForam considerados elegíveis 90 pacientes agendados para cirurgia eletiva de orelha ou cabeça e pescoço alocados em um dos 3 grupos de acordo com o tipo de cirurgia. Nenhum dos pacientes foi excluído do estudo. Trinta pacientes em cada grupo completaram o estudo (fig. 2).
Diagrama Strobe (Strengthening the Reporting of Observational Studies in Epidemiology) dos grupos 1, 2 and 3. grupo 1: pacientes submetidos à cirurgia na orelha direita; grupo 2: pacientes submetidos à cirurgia na orelha esquerda; grupo 3: pacientes submetidos à cirurgia de cabeça e pescoço.
Os dados demográficos, anestésicos e cirúrgicos de todos os pacientes, as medidas da PIC do TET e suas alterações relacionadas à posição são mostradas na tabela 1.
Dados demográficos dos pacientes, tipos de cirurgia, medidas da pressão intracuff (PIC) do tubo endotraqueal (TET), durações das cirurgias e anestesias
Grupo 1 | Grupo 2 | Grupo 3 | |
---|---|---|---|
Idade (anos)a | 42,80±12,92 | 36,43±12,25 | 46,97±16 |
IMC (kg/m2)a | 25,70±3,71 | 25,94±4,40 | 26,89±4,25 |
Sexo (F/M) | 18/12 | 18/12 | 16/14 |
Tipos de cirurgia | |||
Timpanoplastia | |||
Mastoidectomia | 13 | 17 | |
Cirurgia do estribo | 8 | 4 | |
Aticotomia | 4 | 4 | |
Acesso pela fossa Infratemporal | 4 | 2 | |
Inserção do tubo de ventilação | 1 | ||
Implante coclear | 2 | ||
Biópsia de linfadenopatia cervical | 1 | 11 | |
Parotidectomia | 10 | ||
Excisão do glomo carótico | 3 | ||
Excisão de cisto branquial | 3 | ||
Esvaziamento cervical | 1 | ||
Excisão de glândula submandibular | 1 | ||
Excisão de lipoma | 1 | ||
PICs do TET (cm H2O)b | |||
Posição neutra | 25,00 | 25,00 | 25,00 |
Rotação à esquerda | 26,73 (25–28,61) | ||
Rotação à direita | 27,20 (25,52–28,67) | ||
Extensão do pescoço | 29,41 (27,02–36,94) | ||
Rotação lateral após extensão | 34,55 (28,43–37,31) | ||
Duração da cirurgia (min)b | 100 (70–141,25) | 97,5 (73,75–130) | 55 (45‐115) |
Duração da anestesia (min)b | 127,5 (90–165) | 120 (88,75–150) | 75 (60–137,5) |
Grupo 1: pacientes submetidos à cirurgia na orelha direita; grupo 2: pacientes submetidos à cirurgia na orelha esquerda; grupo 3: pacientes submetidos à cirurgia de cabeça e pescoço.
IMC, índice de massa corporal; F, sexo feminino; M, sexo masculino.
As PICs do tubo endotraqueal nos grupos 1 e 2 nas posições neutra (N), rotação (R) à esquerda (grupo 1) ou direita (grupo 2) após 3 ciclos respiratórios, aos 15, 30, 60, 90 minutos e imediatamente antes da extubação (final) na posição neutra são mostradas nas figuras 3A e 3B.
A mediana do valor da PIC aumentou de 25 para 26,73 (25–28,61) cm H2O quando a posição de rotação do pescoço à esquerda foi aplicada aos pacientes do grupo 1 (p=0,009) (tabela 1, fig. 3A). Dentre os 30 pacientes, as PICs de 22 deles estavam aumentadas. O número de pacientes cujos valores de PIC diminuíram foi 6. Os valores de PIC de dois pacientes permaneceram os mesmos. Em seis pacientes, os valores da PIC ficaram fora do intervalo‐alvo. Cinco deles estavam acima de 30cm H2O e um estava abaixo de 20cm H2O (17,65cm H2O). O valor máximo de PIC medido nesse grupo foi de 33,80cm H2O. O valor da mediana da PIC aumentou de 25 para 27,20 (25,52±28,67) cm H2O quando a posição de rotação do pescoço à direita foi aplicada aos pacientes do grupo 2 (p=0,012) (tabela 1, fig. 3B). Os valores de PIC de 23 pacientes aumentaram, enquanto valores de PIC diminuídos foram obtidos de 6 pacientes. A PIC permaneceu a mesma em apenas um paciente. Após as rotações do pescoço à direita, os valores da PIC estavam acima de 30cm H2O em 6 pacientes e abaixo de 20cm H2O em 2 pacientes. O valor máximo de PIC atingiu 61,76cm H2O, enquanto a PIC mínima obtida foi de 11,76cm H2O nesse grupo.
Medidas da pressão intracuff (PIC) do tubo endotraqueal (TET) (em cm H2O): A, grupo 1: posição neutra (N), rotação (R) do pescoço para a esquerda após 3 ciclos respiratórios, aos 15, 30, 60, 90 minutos e imediatamente antes da extubação (final) na posição neutra. B, grupo 2: na posição neutra (N), rotação (R) do pescoço para a direita após 3 ciclos respiratórios, aos 15, 30, 60, 90 minutos e imediatamente antes da extubação (final) na posição neutra. C, grupo 3: posição neutra (N), extensão (Ext), rotação (R) do pescoço para a esquerda ou direita, depende do local da cirurgia após 3 ciclos respiratórios, aos 15, 30, 60, 90 minutos e imediatamente antes da extubação (final) na posição neutra.
No total, a PIC aumentou em 75% (45/60) dos pacientes submetidos à cirurgia de orelha e excedeu o nível máximo de pressão (30cm H2O) em 18,3% (11/60) dos pacientes após a rotação à esquerda/direita.
A PIC do tubo endotraqueal do grupo 3 nas posições neutra (N), extensão (Ext), rotação (R) do pescoço à esquerda ou direita, a depender do local da cirurgia após 3 ciclos respiratórios, aos 15, 30, 60, 90 minutos e imediatamente antes da extubação (final) na posição neutra são mostrados na figura 3C.
No grupo 3, houve diferença nos valores da PIC, dependeu da posição da cabeça e pescoço durante o preparo para a cirurgia (p <0,001). Os valores medianos de PIC para a posição neutra, extensão com a almofada sob o ombro e rotação após extensão foram 25, 29,41 (27,02–36,94) e 34,55 (28,43–37,31) cm H2O, respectivamente (tabela 1, fig. 3C). Houve diferenças significantes entre a posição neutra e a extensão com a almofada sob o ombro (p <0,001) e também entre a posição neutra e a rotação após a extensão (p <0,001). Entretanto, não houve aumento estatisticamente significante da PIC entre extensão com a almofada sob o ombro e rotação após posições de extensão (p=0,033).
Entre os pacientes do grupo 3, a PIC aumentou em 26 pacientes (86,7%) e diminuiu em 4 após a posição de extensão. Além disso, após a combinação de extensão e rotação do pescoço, houve aumento e diminuição da medida da PIC em 17 (56,7%) e 9 (30%) pacientes, respectivamente. Os valores de PIC de quatro pacientes mantiveram‐se no mesmo nível após rotação adicional do pescoço. As PICs de posição combinada aumentaram em 26 pacientes em comparação às PICs de posição neutra. Entretanto, a PIC diminuiu em 3 pacientes e permaneceu a mesma em um paciente. Em 17 de 26 pacientes, os valores da PIC subiram acima de 30cm H20. O valor máximo medido foi de 53,68cm H2O.
Durante todo o período da anestesia geral (inclusive posição relacionada à cirurgia, duração da cirurgia e extubação), os valores de PIC foram corrigidos 0,6, 1,3 e 1,5 vezes em média com os balões piloto do TET com cuff nos grupos 1, 2 e 3, respectivamente, conforme excediam o nível do intervalo‐alvo de 20 ∼ 30cm H2O.
DiscussãoNossos resultados mostraram que houve diferenças significantes nos valores de PIC entre a posição neutra e cada posição relacionada à cirurgia. Embora alterações incrementais tenham sido observadas em 71/90 (79%) dos pacientes e os valores de PIC tenham excedido o nível máximo de PIC de 30cm H2O em 28/90 (31,1%) dos pacientes após as posições finais, também houve decréscimos.
Na prática clínica diária de otorrinolaringologia, as posições de cabeça e pescoço dos pacientes, como rotações e extensões, são usadas tanto para observar melhor o campo cirúrgico quanto para evitar estruturas anatômicas vitais que podem ser a razão de eventos adversos e complicações cirúrgicas perioperatórias. Durante esses períodos de posicionamento, manter os valores de PIC do TET dentro do intervalo ideal também é vital para evitar possíveis eventos relacionados às vias aéreas.3–8
Variações na PIC devido a fatores ambientais, intervenções e fatores relacionados ao paciente já foram demonstradas na literatura. Fatores ambientais como alta altitude15 (transporte por helicóptero), intervenções como ventilação com pressão positiva16 ou ventilação com óxido nitroso17 e quaisquer variações anatômicas18,19 ou processos patológicos, inclusive constrição das vias aéreas, causam um aumento da PIC. Por outro lado, o uso de agentes relaxantes musculares pode causar uma diminuição da PIC.20 Além disso, foi demonstrado em alguns estudos que várias alterações nas posições da cabeça e pescoço podem afetar significativamente a PIC e, às vezes, levar ao deslocamento do tubo.4,9,10,21
Brimacombe et al.21 determinaram valores aumentados de PIC após posições de rotação, extensão e flexão da cabeça em seus 10 pacientes anestesiados, embora a pressão inicial fosse superior à pressão alvo recomendada (40,8cm H2O). Eles enfatizaram que a rotação causou o maior aumento da pressão no epitélio traqueal do que as outras duas posições. De Godoy et al.22 mostraram aumento da pressão do cuff em 50,7% de suas medidas em pacientes ventilados mecanicamente após a posição semirecumbente a 35° ao posicionamento lateral e de volta, enquanto usavam o intervalo PIC alvo de 24,5±29,9cm H2O. O aumento das pressões foi obtido após a mudança da posição supina para prona e também ocorreu pela flexão e extensão da cabeça nas posições supina e prona demonstrados em estudo feito por Kim et al.4 Outro estudo comparando as PICs de TET com cuff com diferentes propriedades e formas após várias posições mostrou alterações significantes da PIC após a flexão com ambos os tipos de cuff e alterações significantes da PIC após extensão apenas com o cuff de alto volume e baixa pressão (HVLP, do inglês High Volume Low Pressure).13 Além desses aumentos, Lizy et al.9 relataram que 40,6% de suas 192 medidas (após 16 mudanças de posição em seus 12 pacientes) foram superiores ao limite‐alvo superior de 30cm H2O. No que diz respeito a todas essas investigações clínicas, embora as alterações de PIC em diferentes posições tenham sido examinadas, os dados gerais demonstram principalmente o aumento significativo nos valores de PIC após o posicionamento. Em nosso estudo, em comparação à posição neutra, encontramos de maneira similar o aumento da PIC após cada alteração na posição de rotação e extensão do pescoço de um paciente. Além disso, nossos resultados mostraram PICs superiores a 30cm H2O em 11 pacientes após rotações à esquerda e à direita e em 17 pacientes após a combinação de posições de extensão e rotação do pescoço.
Aumentos nas PICs e, especialmente, valores acima de 30cm H2O são comuns e clinicamente importantes, pois podem comprometer a perfusão capilar da mucosa e levar a lesão traqueal, principalmente em casos de longa duração e em unidades de terapia intensiva (UTI).4,9,13,21–26 Esses resultados, inclusive estenose traqueal (incidência estimada de 4% a 12% em 24 dias da intubação) ou formação de fístula podem ocorrer em situações crônicas; no entanto, é importante estar ciente dos efeitos prejudiciais e prevenir lesões agudas.27 Esses riscos estão claramente associados a altas PICs na parede traqueal; no entanto, como anestesistas, médicos da UTI e otorrinolaringologistas, na realidade não seguimos a pressão de cuff dos pacientes continuamente com técnicas confiáveis.
Em contraste com os achados da pressão do cuff acima mencionados, de Godoy et al.22 mostraram diminuição da PIC apenas em 5% dos pacientes e Lizy et al.9 nem sequer relataram medidas inferiores ao limite‐alvo inferior de 20cm H2O. Nossos dados indicam que as PICs diminuíram totalmente em 23,3% dos pacientes e apenas 3 deles estavam abaixo de 20cm H2O somente após rotações do pescoço à esquerda ou à direita. Embora o aumento da PIC seja uma consequência mais esperada das posições de cabeça e pescoço, os médicos também devem estar cientes de que a diminuição da PIC, que resulta em vazamento de ar, aspiração e pneumonia associada à ventilação, também é possível.7,8
Embora nosso estudo tenha excluído pacientes com obesidade mórbida, movimentos limitados do pescoço, história prévia de radioterapia ou cirurgia na área da cabeça e pescoço, infecção do trato respiratório e cirurgia de longa duração planejada para massas cervicais na linha média com/sem esvaziamento cervical para evitar a pressão externa na traqueia, as medidas de PIC excederam o nível do intervalo‐alvo de valores de PIC de 20 a 30cm de H2O algumas vezes em cada grupo e foram corrigidas. Esses resultados indicam a importância das medições contínuas de PIC mais uma vez e enfatizam a necessidade das correções.
Alguns dispositivos automáticos que monitoram e ajustam as PICs excedidas também foram desenvolvidos. Esses dispositivos mantêm a pressão dentro do intervalo de 20 a 30cm de H2O e são especialmente úteis para cirurgias que necessitam diferentes posições de cabeça e pescoço, cirurgias no próprio pescoço, casos de longa duração e pacientes de UTI intubados em longo prazo.28,29
Nosso estudo tem limitações. Em primeiro lugar, dispositivos automáticos poderiam ter sido usados para o monitoramento da PIC. Entretanto, como o nosso dispositivo efetua ajustes automaticamente na PIC, se não estiver dentro do intervalo desejado, preferimos dessa forma não usar esse dispositivo para registrar os valores do PIC. Em segundo lugar, o deslocamento dos TETs não foi avaliado por broncoscopia de fibra óptica após a mudança de posição. Em terceiro lugar, este estudo foi feito em pacientes submetidos a cirurgias eletivas, com duração de 30 minutos a 3 horas, em contraste com os pacientes internados em UTI em longo prazo. Embora estejamos cientes dos aumentos intraoperatórios nos valores da PIC, não acompanhamos os pacientes no pós‐operatório e não avaliamos as consequências clínicas neste estudo.
ConclusãoNossos resultados mostraram aumentos significativos nos níveis da PIC devido às posições de rotação e extensão que são manobras comumente usadas por otorrinolaringologistas. As medidas contínuas do valor da PIC antes e durante as cirurgias de orelha e cabeça e pescoço são benéficas para evitar possíveis efeitos adversos/complicações de alterações de pressão relacionadas à posição cirúrgica de longa duração.
Aprovação do comitê de éticaIstanbul University, Istanbul Faculty of Medicine – n° 2019/156.
ClinicalTrials.gov. número identificador: NCT04037553.
Conflitos de interesseOs autores declaram não haver conflitos de interesse.
Como citar este artigo: Kara H, Hundur D, Doruk C, Buyuk D, Cansever G, Salviz EA, et al. The changes of endotracheal tube intracuff pressures after ear and head and neck surgery‐related positions: a prospective observational study. Braz J Otorhinolaryngol. 2022;88:46–52.
A revisão por pares é da responsabilidade da Associação Brasileira de Otorrinolaringologia e Cirurgia Cérvico‐Facial.