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Vol. 82. Núm. 1.
Páginas 116-120 (Janeiro 2016)
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Aritenoidectomia subtotal para o tratamento de estridor laríngeo na atrofia de múltiplos sistemas: resultados na fonação e deglutição
Subtotal arytenoidectomy for the treatment of laryngeal stridor in multiple system atrophy: phonatory and swallowing results
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Francesco Stomeoa, Vittorio Rispolib, Mariachiara Sensib, Antonio Pastorea, Nicola Malaguttia, Stefano Pelucchia
a Departamento de Cirurgia Especializada, Unidade de Fonocirurgia, Arcispedale S. Anna, Cona, Itália
b Departamento de Neurociências, Unidade de Transtornos do Movimento, Arcispedale S. Anna, Cona, Itália
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Introdução

Atrofia de Múltiplos Sistemas (AMS), de acordo com o Segundo Consenso sobre AMS, é um transtorno neurológico caracterizado por uma combinação de insuficiência autonômica e parkinsonismo e/ou ataxia cerebelar.1 Entre as manifestações de AMS, o estridor inspiratório diurno e noturno, em associação com a apneia do sono, pode ajudar no diagnóstico clínico, e sua explicação mais adotada é a de disfunção dos abdutores das pregas vocais. Uma possível complicação dessa situação é a morte noturna súbita. Conforme está descrito na literatura, o uso de CPAP e traqueotomia são os procedimentos terapêuticos mais comumente propostos para o tratamento da disfunção laríngea.2 Alternativamente, foram propostas laterofixação de prega vocal segundo Ejnell3 ou a aritenoidectomia por laser. Nesse artigo, apresentamos um caso de estridor inspiratório noturno em um paciente com AMS tratado com aritenoidectomia subtotal com laser de CO2, com particular atenção para os resultados da fonação e deglutição.

Relato de caso

Descrevemos o caso de um homem com 60 anos, com história de cinco anos de síndrome acinética rígida, desequilíbrio, leve hipotensão ortostática e transtorno do comportamento REM. Há dois anos o paciente apresentou cornagem, cansaço significativo e dispneia durante a noite e durante o dia em repouso. Foram realizadas investigações pneumológicas e cardiológicas, sem que se chegasse a qualquer diagnóstico evidente; os testes cognitivos não revelaram qualquer tipo de comprometimento. Diante disso, foi proposto um diagnóstico de possível AMS-P. Durante o seguimento do paciente, emergiram algumas características clínicas; em particular, o paciente demonstrou uma deterioração leve e lenta dos sintomas motores e não motores. O paciente permaneceu independente nas suas atividades do dia a dia (ADD) e nas atividades instrumentais do dia a dia (iADD). O achado representativo de maior risco à vida do paciente foi a história de dois anos de roncos e apneia do sono, com estridor noturno referido e ocasional estridor durante as horas de vigília. Em fevereiro de 2013, uma avaliação endoscópica da laringe demonstrou redução na abdução das pregas vocais durante a inspiração, com redução do espaço respiratório. A adução das pregas vocais estava normal, e o paciente não exibia alteração na voz. Foi ordenada uma eletromiografia da laringe, tanto no músculo tireoaritenóideo como no músculo cricoaritenóideo: não foi observada atividade de denervação, mas observamos alteração do recrutamento máximo durante a fonação e respiração profunda. A polissonografia desvendou uma síndrome da apneia obstrutiva do sono (SAOS) de grau leve, índice de apneia-hipopneia (IAH) = 9,2 com a mais baixa SpO2 em 88%. A deglutição, avaliada pela anamnese e por um estudo dinâmico endoscópio e radiológico, estava normal. Foi também realizada uma endoscopia do sono induzido por droga (ESID) com uso de baixa dose de propofol (0,01 mg/ kg), seguida por titulação desse agente (3 mg/kg/hora). A endoscopia revelou movimento paradoxal da adução durante a inspiração (fig. 1), com significativo estridor inspiratório, enquanto havia conservação do movimento expiratório de abdução das pregas vocais.

Figura 1 Endoscopia realizada durante o sono evidencia o movimento paradoxal de adução durante a inspiração.

Consideramos o tratamento cirúrgico da glote, porque o paciente recusou a hipótese de CPAP e de qualquer futura traqueotomia. A avaliação perceptiva da voz, de acordo com a escala GIRBAS,4 evidenciou leve alteração da voz (G1R0B1A0S0); o exame espectrográfico com o sistema de análise da voz CSL modelo 4500 B (Kay Elemetrics Corp.) por meio de um filtro de banda estreita das vogais prolongadas “a” e da palavra italiana “aiuole” foi classificado na segunda classe, segundo a classificação de Yanagihara; finalmente, um exame com o programa multidimensional de análise vocal (MDVP) por Kay Elemetrics demonstrou alteração da perturbação da frequência (Jitt = 1,564; RAP = 0,924; vF0 = 2,366), além de perturbações da amplitude (ShdB = 0,562; Shim = 6,246; vAm = 17,635) com leve alteração na proporção ruído-harmônico (noise-to-harmonic ratio, NHR = 0,156) (fig. 2). O tempo fonatório máximo (TFM) foi de 11 segundos. Foi proposta ao paciente uma autoavaliação da voz com o índice de desvantagem da voz (voice handicap index, VHI),5 com a finalidade de mensurar as queixas físicas, emocionais e funcionais da disfonia; o escore pré-operatório foi de 5 (alteração leve). Em seguida, foi realizada uma aritenoidectomia subtotal com uso do laser de CO2, 6-10 watts em modo contínuo, segundo a técnica de Remacle.6 Na operação, o corpo aritenoide foi resseccionado, com preservação de uma pequena concha posterior dessa cartilagem. A endoscopia de controle após dois meses (fig. 3) evidenciou bom aumento no espaço respiratório glótico. Após a cirurgia, a avaliação perceptiva da voz permaneceu boa (G1R0B2A0S0 − alteração leve) e o exame espectrográfico (fig. 4) revelou leve agravamento da NHR e disfonia. Na avaliação com o sistema MDVP, todos os valores acima mencionados tinham piorado levemente (fig. 5), mas não foi percebida modificação na qualidade da voz pelo paciente; e o VHI pós-operatório teve um escore de 8 (alteração leve). TFM permaneceu inalterado (11 segundos). A deglutição avaliada pela PAS (penetration/aspiration scale) demonstrou não haver sinais de penetração/ aspiração. Foi observada melhora definida do estridor noturno e da dispneia. Transcorridos dois anos, o paciente continua estável, sem alteração na respiração e deglutição.

Figura 2 Programa multidimensional de análise vocal (MDVP) enfatiza as perturbações pré-operatórias em frequência e amplitude.

Figura 3 Endoscopia de controle executada dois meses após a cirurgia, revelando um bom aumento do espaço respiratório da glote.

Figura 4 Exame espectrográfico executado no pós-operatório indica a presença de ruído entre os harmônicos e de diplofonia.

Figura 5 Programa multidimensional de análise vocal (MDVP) evidencia o leve agravamento pós-operatório das perturbações na frequência e amplitude.

Discussão

Atrofia de Múltiplos Sistemas (AMS) é um transtorno neurodegenerativo esporádico e de rápida progressão, com surgimento no adulto, caracterizado por insuficiência autonômica em associação com aspectos de parkinsonismo e/ou ataxia cerebelar e com ampla variedade de outros achados clínicos, raramente apresentando predominância de transtornos respiratórios (insuficiência respiratória ou estridor).1 Na literatura, são poucos os casos de AMS com longa duração (mais de 15 anos),7 mas não ficou esclarecido qual o sintoma no início da doença − entre disautonomia e parkinsonismo − tem correlação com a progressão mais lenta.7 O envolvimento polissistêmico inicial, ou a curta latência entre o estágio de doença monossistêmica para polissistêmica, foi identificado como preditor sombrio para progressão da doença e sobrevida.7 Em nosso paciente, os sintomas motores e disautonômicos tiveram início simultaneamente, enquanto que o estridor surgiu mais tarde. Durante os primeiros cinco anos de seguimento, não houve necessidade de tratamento dopaminérgico, graças ao leve envolvimento motor. Estridor é definido como um som inspiratório áspero e forçado com altura de som de 260-330 Hz, mais intenso que o ronco. O estridor ocorre durante a inspiração, refletindo uma obstrução nas vias aéreas superiores, causada por insuficiência parcial ou completa da abdução das cordas vocais. O estridor − que é considerado como um sinal de alerta para AMS, tem prevalência de 34-41% em pacientes com AMS e representa o achado inicial em 4% dos casos. É considerado como condição com risco à vida do paciente, acarretando episódios subagudos de uma dramática insuficiência respiratória e morte.7 Duas teorias tentam explicar a etiopatogênese do estridor: a primeira, a teoria da “lesão ao centro respiratório”, atribui o processo neurodegenerativo da AMS a emissões anormais provenientes da rede respiratória, indutoras de uma paralisia seletiva dos abdutores, com relativa preservação das funções dos adutores. A segunda teoria, “teoria reflexa”, propõe uma ativação paradoxal do reflexo de fechamento da laringe, que normalmente protege o espaço subglótico contra fortes pressões negativas. AMS-estridor resultaria não apenas de um estreitamento passivo da glote (atribuído tanto à paralisia dos abdutores como ao efeito Bernoulli), mas, em concordância com a teoria do reflexo, também de um estreitamento ativo da prega vocal. A hiperativação do reflexo de fechamento da laringe é deflagrada pela crescente queda de pressão durante a inspiração voluntária. Em pacientes com AMS, o espaço glótico fica reduzido por forças passivas; com isso, o reflexo de fechamento da laringe constrói um ciclo vicioso que promove estreitamento ativo das pregas vocais e, em seguida, estridor. Com efeito, tão logo a inspiração voluntária e a pressão negativa nas vias aéreas são suprimidas (por meio de uma traqueotomia ou CPAP), o estridor desaparece.2 O estridor e a disfunção da laringe ocorrem durante o curso da doença: nos primeiros estágios, durante as horas de vigília, ficam evidenciados apenas ligeiro comprometimento da abdução das cordas vocais ou movimentos tremulantes ou atáxicos das cordas vocais, e podem estar presentes também aduções ou abduções involuntárias, periódicas ou persistentes, das cordas vocais2; nos estágios intermediários ou tardios, ocorrem restrição da glote e paralisia dos abdutores, causando estridor diurno.2 O estridor associado à redução na sobrevida é o único fator preditivo independente de sobrevida, mas não é a única causa de morte súbita em síndromes parkinsonianas. CPAP e traqueotomia aumentam os percentuais de sobrevida, embora tenham sido publicados alguns relatos de morte súbita mesmo após esses tratamentos, provavelmente em decorrência da apneia do sono central. O tratamento por laser da glote posterior em casos de paralisia bilateral das pregas vocais em adução pode ser uma forma apropriada de solucionar o problema respiratório, por preservar a função fonatória, com penalização da glote posterior, cuja principal função é a respiratória e cuja influência não é determinante para a qualidade da voz.8 Entre as técnicas com laser, a aritenoidectomia subtotal de Remacle, embora aumente o espaço respiratório da glote, é certeza de um bom resultado fonatório e, com uma boa fixação da região aritenoide, minimiza o risco de aspiração. Em casos selecionados de AMS com um padrão subtotal glótico de restrição,9 acreditamos que, se o paciente demonstrar estridor respiratório durante as horas de vigília e se não tolerar CPAP e recusarse a uma possível traqueotomia, será possível realizar uma aritenoidectomia subtotal com laser, objetivando restaurar um fluxo aéreo adequado através da glote. Até onde vai nosso conhecimento, na literatura, apenas dois autores9,10 investigaram as opções cirúrgicas para o tratamento de obstruções glóticas em pacientes com AMS, mas esses autores propuseram a remoção completa da cartilagem aritenoide, com sacrifício parcial do músculo tireoaritenóideo, ou a técnica de Ejnell.3 A avaliação da qualidade da voz por esses autores foi limitada − em um caso, se limitou à escala GIRBAS, e no outro, a parâmetros de voz limitados. Nossa avaliação, fundamentada na autopercepção (VHI), avaliação perceptiva da qualidade da voz (escala GIRBAS), análise espectral dos resultados fonatórios e também na avaliação da deglutição, demonstra que a técnica de Remacle é eficaz e resulta tão somente em leve agravamento da qualidade da voz. Ao mesmo tempo, fica assegurado menor impacto na deglutição, em comparação com as propostas precedentes.

Conclusão

Recomendamos a aritenoidectomia subtotal com laser em pacientes com AMS afetados por estridor noturno, causado por um movimento inspiratório paradoxal em adução. É mandatório que se faça uma seleção dos pacientes, com especial atenção para a disfagia: se estiverem presentes alterações no processo normal de deglutição, deverão ser evitados procedimentos cirúrgicos que venham a alterar o plano glótico.

Financiamento

Esse estudo não recebeu qualquer bolsa específica de qualquer agência financiadora nos setores público, comercial ou sem fins lucrativos.

Conflitos de interesse

Os autores declaram não haver conflitos de interesse.


Recebido em 27 de março de 2015;

aceito em 31 de março de 2015

* Autor para correspondência.

E-mail:stmfnc@unife.it (F. Stomeo).

DOI se refere ao artigo: http://dx.doi.org/10.1016/j.bjorl.2015.03.016

Como citar este artigo: Stomeo F, Rispoli V, Sensi M, Pastore A, Malagutti N, Pelucchi S. Subtotal arytenoidectomy for the treatment of laryngeal stridor in multiple system atrophy: phonatory and swallowing results. Braz J Otorhinolaryngol. 2016;82:124-8.

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Brazilian Journal of Otorhinolaryngology
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