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Vol. 81. Núm. 3.
Páginas 229-230 (Maio 2015)
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Páginas 229-230 (Maio 2015)
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‘‘Até que Mary Ellen segurou a minha mão...’’ A importância vital do toque na medicina
‘‘Until Mary Ellen held my hand…’’ The critical importance of touch in medicine
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M. Eugene Tardy Jr.a
a Otorrinolaringologia e Cirurgia de Cabeça e Pescoço, University of Illinois Medical Center, Chicago, EUA
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Sobre a mesa de meu escritório, e ficando cada vez mais alta, encontra-se uma pilha de cartas – de diferentes tamanhos e formas, escritas à mão e em papéis timbrados de todos os tipos, distinguindo-se pelo tema constante e repetitivo em todas elas: “... Eu estava tão assustado momentos antes de você realizar a minha cirurgia... até que Mary Ellen segurou a minha mão.”

Nos meus primeiros anos da prática da Medicina, concluí que esses depoimentos frequentes eram simplesmente elogios direcionados a uma enfermeira cirúrgica, especial e admirável, minha parceira de longa data no atendimento ao paciente, cujos talentos e interações de cuidados com os pacientes em minha experiência nunca foram igualadas por qualquer outra pessoa. Entretanto, logo percebi que as amabilidades táteis que minha equipe praticava religiosamente com os pacientes – como proporcionar um toque tranquilizador, um aperto suave de mão, e até mesmo um ligeiro abraço – não eram apenas surpreendentemente eficazes na redução da ansiedade do paciente, mas, aos poucos, se tornaram uma grande e esperada equação em nossas relações médico-paciente.

Eu ainda acredito que a maioria dos alunos escolhe estudar Medicina com o intuito de experimentar os vínculos especiais que se desenvolvem entre pacientes e médicos. Nesta época “high-tech” da Medicina, há relatos diários sobre a irritação e a insatisfação dos pacientes com os médicos que evitam o contato visual, passam a maior parte do tempo da consulta inserindo dados do paciente em um iPad, tentam fazer diagnósticos pedindo uma crescente variedade de testes de laboratório e, muito frequentemente, não conseguem examinar, conectar-se e, verdadeiramente, “tocar” o paciente. Meu clínico geral pessoal, uma relíquia de meia-idade de uma época osleriana, quando os estudantes se reuniam em torno da cama de hospital com um mentor que se deleitava com as delícias da força de um pulso em saltos, buscando uma borda palpável do fígado e decifrando um sopro cardíaco típico, inevitavelmente percute em meu peito a cada visita com o “tum-tum-tum” de um dedo e mão experientes. Ele e eu entendemos a improbabilidade de descobrir um problema no peito não revelado por uma radiografia ou sonografia, mas mutuamente apreciamos o toque e o tempo valiosos que isso proporciona para aprofundarmos a anamnese.

No século V a.C., Hipócrates, reconhecido como o pai da Medicina, escreveu: “Médicos experientes acreditam que o calor que escorre das mãos, ao ser aplicado aos doentes, é altamente salutar. Assim tem me parecido muitas vezes, enquanto eu estava confortando meus pacientes, como se houvesse uma propriedade única em minhas mãos que extrai e remove dores e diversas impurezas das partes afetadas, ao colocar a mão sobre o lugar e estendendo meus dedos em direção a elas. Assim, é sabido por alguns dos estudiosos, que a saúde pode ser implantada no doente através de certos gestos, e pelo contato, como algumas doenças podem ser transmitidas de um para outro”.

De forma alguma estou sugerindo que a cura das doenças possa derivar consideravelmente do toque das mãos, mas a experiência ensina que um toque suave durante o exame e a interação com pacientes resultam, no mínimo, em um bem-estar emocional.

Otorrinolaringologistas, em particular, têm a oportunidade, com cada exame da cabeça e pescoço dos pacientes, de colocar em prática manobras de toque suaves. Um otoscópio seguro habilmente nas pontas dos dedos, paralelo ao chão, oferece um vislumbre do canal auditivo e do tímpano de forma muito mais suave do que quando o instrumento é agarrado como um martelo ameaçador. O depressor de língua, que explora e proporciona acesso à cavidade oral, serve melhor ao seu propósito quando um esforço consciente é feito para desviar suavemente a língua e os lábios. Tanto a laringoscopia como a nasofaringoscopia indiretas por espelho têm o potencial para causar desconforto se a língua for apreendida com força demasiada. Os pacientes estão bastante conscientes de que há uma grande diferença entre a manipulação e a palpação grosseiras do pescoço e a exploração hábil com as pontas dos dedos, à procura de nódulos, glândulas e pulsos. Essas manipulações são toques de avaliação, ao contrário de toques tranquilizadores.

O contato com o olhar, o ouvir, o tocar e o observar são os principais atributos da Medicina tradicional, e estabelecem a grande diferença entre o “prestador de cuidados de saúde” e o médico.

O toque, afinal, é um medicamento eficaz, barato e facilmente administrado, que pode ser utilizado em indivíduos que estão doentes e naqueles que simplesmente temem as interações com médicos.

Alguns anos atrás, eu perdi um irmão mais novo para a devastação do câncer metastático, apesar dos melhores cuidados dados por um lendário oncologista. Quando o meu irmão chegou ao final de sua corajosa batalha contra uma doença incurável, com toda a família reunida ao seu redor, seu médico sentou-se na cama, tomou o paciente entre os braços, e murmurou: “Eu sinto muito por não ter sido capaz de fazer mais por você.” Mais do que um toque, aquele gesto singular demonstrou, de maneira inequívoca, as qualidades humanitárias de um médico afetuoso.

Pacientes desejam, esperam e se beneficiam do toque delicado e tranquilizador de seus médicos. Ele representa uma ferramenta poderosa, essencial na maleta do médico.

E que no início da carreira, todo médico ou médica possa descobrir uma Mary Ellen como parte valiosa e essencial de sua equipe médica.

Conflitos de interesse

O autor declara não haver conflitos de interesse.


DOI se refere ao artigo: http://dx.doi.org/10.1016/j.bjorl.2015.03.001

Como citar este artigo: Tardy Jr. ME. ‘‘Until Mary Ellen heldmy hand...’’ The critical importance of touch in medicine. Braz J Otorhinolaryngol. 2015;81:229-30.

E-mail: GTardy@aol.com

Idiomas
Brazilian Journal of Otorhinolaryngology
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