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Vol. 86. Núm. S1.
Páginas 55-60 (Dezembro 2020)
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Vol. 86. Núm. S1.
Páginas 55-60 (Dezembro 2020)
Relato de caso
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Different cochleovestibular manifestations and outcomes in patients diagnosed with dengue
Diferentes manifestações cocleovestibulares e desfechos em pacientes com diagnóstico de dengue
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8004
Isabella Marques Pereira Rahmea,
Autor para correspondência
isa_marquess@hotmail.com

Autor para correspondência.
, Geraldo Majela Pereirab, Tanit Ganz Sanchezc,d
a Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Belo Horizonte, MG, Brasil
b Otorrino Clínica, Itaúna, MG, Brasil
c Universidade de São Paulo (USP), Faculdade de Medicina, Departamento de Otorrinolaringologia, São Paulo, SP, Brasil
d Instituto Ganz Sanchez, São Paulo, SP, Brasil
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Tabela 1. Combinação de sintomas cocleovestibulares em pacientes com infecção por dengue confirmada por via sorológica e seus desfechos
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Introdução

A dengue é a doença arboviral humana mais importante e uma preocupação global de saúde pública em regiões tropicais/subtropicais. De 50 milhões a 100 milhões de indivíduos contraíram dengue em todo o mundo e 500.000 apresentaram a forma grave com necessidade de hospitalização.1 O mosquito Aedes aegypti transmite quatro sorotipos de vírus, cujos movimentos simultâneos determinaram a hiperendemicidade da dengue.

Os sintomas incluem início rápido da febre, dor de cabeça, dores distintas e erupções cutâneas. Casos graves (febre hemorrágica da dengue e síndrome de choque da dengue) apresentam trombocitopenia, edema importante e hemorragia devido a disfunção de células endoteliais e extravasamento vascular.2 O choque ocorre em três a quatro dias.

Os sintomas otorrinolaringológicos comuns observados na dengue são semelhantes aos de outras infecções virais.2 No entanto, sintomas cocleovestibulares são raramente relatados.

Este estudo descreve quatro pacientes que apresentaram infecção por dengue confirmada por sorologia e manifestações cocleovestibulares, que apresentaram evoluções heterogêneas.

Relatos de casoCaso 1

ACRC, do sexo masculino, 56 anos, relatou o primeiro episódio de vertigem intensa cinco dias após o início da infecção por dengue (abril de 2016). O exame físico foi normal. O teste do impulso cefálico (vHIT) foi de 0,78 (orelha direita) e 0,16 (orelha esquerda), que caracterizou a disfunção vestibular unilateral esquerda (fig. 1). O vHIT possibilita a visualização do reflexo vestíbulo‐ocular e demonstra distúrbios dos canais semicirculares. Representa a proporção da área sob as curvas do movimento ocular em relação à cabeça (ajustado pelo dispositivo). Resultados < 0,6 são considerados anormais.3

Figura 1.

Primeiro vHIT do paciente após a dengue: movimentos sacádicos no fim de cada rotação da cabeça (traços azuis).

(0,28MB).

O paciente foi tratado com prednisolona mais meclizina via oral por cinco dias e reabilitação vestibular (protocolo de Cawthorne e Cooksey). Após 11 dias, ele estava assintomático e o vHIT normal (fig. 2).

Figura 2.

Segundo vHIT do paciente (após o tratamento) com ganho normal bilateral. A figura sobrepõe os registros do estímulo da velocidade cefálica (traços negros) e das respostas da velocidade ocular da fase lenta (traços azul e vermelho) a breves movimentos cefálicos imprevisíveis na direção do canal semicircular horizontal. Pequenos movimentos sacádicos de catch‐up abertos são normais em indivíduos saudáveis.

(0,29MB).
Caso 2

MNFM, do sexo feminino, 63 anos, relatou perda súbita de audição, zumbido e vertigem quatro dias após o início da infecção por dengue (abril de 2016). O exame físico foi normal. A audiometria mostrou perda auditiva neurossensorial profunda esquerda. A ressonância magnética do cérebro/orelha foi normal. Após 12 dias, o zumbido e a vertigem melhoraram espontaneamente, mas a surdez esquerda permaneceu.

Caso 3

GPNN, do sexo masculino, 63 anos, relatou perda súbita de audição e zumbido de frequência alta na orelha esquerda cerca de uma semana após o início da infecção por dengue (maio de 2007). Lesões vesiculares dolorosas foram detectadas no pavilhão auricular esquerdo e coinfecção pelo vírus do herpes zoster oticus (síndrome HZO ou Ramsay Hunt) foi suspeitada como uma possível complicação. Não foram relatados paralisias faciais ou distúrbios de equilíbrio. A audiometria mostrou perda auditiva profunda esquerda (fig. 3). Foi prescrito corticosteroide e aciclovir por dez dias. Após um mês, o exame físico foi normal e ele relatou melhoria parcial da perda auditiva e zumbido. A segunda audiometria mostrou perda auditiva neurossensorial moderada e o limiar de recepção de fala (LRF) foi de 64% (monossílabos) e 80% (dissílabos) na orelha esquerda (fig. 3). O desconforto com a perda auditiva e o zumbido diminuiu de 7 e 8 para 3 e 3, pela escala numérica 0‐10. O paciente perdeu o seguimento até abril de 2016, quando tinha 72 anos. Nesse intervalo de nove anos ele permaneceu estável. Sua terceira audiometria mostrou estabilidade da perda auditiva, com LRF = 72% (monossílabos). O timbre e intensidade do zumbido mostraram ser de 3 dBNA a 8000Hz (fig. 4).

Figura 3.

Primeira audiometria do paciente (esquerda) após a percepção da perda auditiva súbita e zumbido (maio de 2007) e segunda audiometria (direita) após o tratamento, com melhora parcial da perda auditiva e zumbido (junho de 2007).

(0,74MB).
Figura 4.

Terceira audiometria do paciente após um intervalo de nove anos (abril de 2016) apresenta perda auditiva estável e zumbido de baixa intensidade.

(0,47MB).
Caso 4

MFD, do sexo feminino, 38, apresentou dois episódios de dengue. No primeiro (maio de 2006), relatou febre alta com dor intensa generalizada. Ela apresentou boa recuperação. No segundo episódio (abril de 2015), a dor foi mais intensa, mais restrita aos pulsos e tornozelos, associada a febre, intensa fadiga e pioria na queda de plaquetas. Além disso, ela relatou zumbido bilateral e hiperacusia (desconforto com a intensidade dos sons diários), cujo desconforto foi definido como 8 e 6, respectivamente. Quando a infecção por dengue melhorou, os sintomas em ambas as orelhas desapareceram. Ela veio à consulta assintomática. O audiograma se apresentou normal bilateralmente. Após dois anos, um acompanhamento feito por telefone indicou que não houve recorrência.

Discussão

Os destaques deste estudo são os seguintes:

  • 1

    A presença de combinações variáveis de sintomas cocleovestibulares em pacientes com infecção por dengue confirmada por sorologia (tabela 1): zumbido (n = 3), vertigem (n = 2), perda súbita de audição (n = 2), intolerância ao som (n = 1). Nenhum paciente havia relatado esses sintomas previamente.

    Tabela 1.

    Combinação de sintomas cocleovestibulares em pacientes com infecção por dengue confirmada por via sorológica e seus desfechos

      Vertigem  Perda auditiva  Zumbido  Hiperacusia  Desfecho 
    ACRC ♀ 56  Presente  Ausente  Ausente  Ausente  Melhoria completa após o tratamento 
    MNFM ♀ 63  Presente  Presente  Presente  Ausente  Melhoria parcial espontânea 
    GPNN ♂ 73  Ausente  Presente  Presente  Ausente  Melhoria parcial após o tratamento 
    MFD ♀ 38  Ausente  Ausente  Presente  Presente  Melhoria espontânea completa 
  • 2

    Os resultados heterogêneos: a vertigem apresentou melhoria completa após o tratamento de ACRC (Caso 1); zumbido e intolerância ao som (MFD) (Caso 2) desapareceram espontaneamente quando a dengue melhorou; a perda súbita de audição acompanhada de zumbido teve recuperação parcial após o tratamento (GPNN) (Caso 3), mas não houve recuperação em MNFM (Caso 2), embora ela tenha apresentado uma melhoria parcial do zumbido e da vertigem (tabela 1).

A perda auditiva neurossensorial (PANS) súbita está associada a infecção viral, fatores vasculares ou imunológicos. Pode apresentar‐se com zumbido e vertigem4, como na paciente MNFM (Caso 2), cujos zumbido e vertigem melhoraram espontaneamente, mas a PANS permaneceu inalterada. Três mecanismos justificam a PANS: 1) invasão viral dos fluídos cocleares/nervo coclear por via hematogênica/líquido cefalorraquidiano ou orelha média; 2) reativação do vírus neurotrópico latente no nervo coclear; 3) infecção viral sistêmica/distante que desencadeia resposta imunomediada na orelha interna.2,4

Especificamente na síndrome de Ramsay Hunt ou herpes zoster oticus (HZO), os pacientes geralmente apresentam dor de orelha unilateral, lesões vesiculares no pavilhão e paresia/paralisia facial. A perda auditiva, o zumbido e a vertigem ocorrem em apenas 20% e acontecem de forma súbita, porque o vírus do herpes zoster causa uma intensa reação inflamatória aguda nos nervos cranianos VII/VIII.5 Entre 81 pacientes com HZO, fraqueza facial, perda auditiva e vertigem foram os principais sintomas. A paresia facial ipsilateral esteve presente em 62/81 casos e a interação entre vertigem e perda de audição é interessante: quase todos os pacientes com vertigem também apresentaram perda auditiva (28/30) e pacientes sem perda auditiva não apresentaram vertigem (19/21).6 O paciente GPNN apresentou lesões vesiculares típicas na orelha externa, PANS e zumbido, sem vertigem/paralisia facial. A melhoria parcial da perda auditiva e do zumbido manteve‐se estável por nove anos.

O paciente ACRC (Caso 1) desenvolveu vertigem intensa durante a dengue. A principal hipótese foi a neurite vestibular, que envolve a reativação da infecção latente do gânglio vestibular pelo vírus herpes simples tipo I e leva à disfunção vestibular unilateral. Os sintomas incluem oscilopsia e náuseas, nistagmo espontâneo rotatório horizontalmente para o lado não afetado, desvio de marcha e tendência a cair no lado afetado, que persiste por muitos dias.3 O vHIT mostra função prejudicada do reflexo vestíbulo‐ocular quando o paciente se volta para a orelha afetada. O primeiro resultado do paciente caracterizou a disfunção vestibular esquerda. Pergunta‐se se a neurite vestibular estaria associada ao vírus da dengue ou à reativação do vírus herpes simples tipo I latente ou se uma reação imunomediada poderia estar envolvida.2,4 O paciente ACRC (Caso 1) ficou assintomático após o tratamento, enquanto o paciente MNFM (Caso 2) apresentou vertigem que desapareceu espontaneamente após 12 dias, antes da consulta médica.

Quanto ao zumbido, a percepção do som na ausência de fontes externas reduz a qualidade de vida para milhões de pessoas em todo o mundo.7 É uma condição multifatorial e a associação com perda auditiva no audiograma é evidente. Além disso, 25%‐40% dos pacientes também apresenta hipersensibilidade aos sons (hiperacusia). Ambos os sintomas podem significar danos sinápticos a fibras nervosas auditivas de alto limiar que não são detectadas pelo audiograma (“perda auditiva escondida”).8 Em estudos com animais, esse dano é induzido por trauma de ruído9 e induz mudanças compensatórias nas vias auditivas centrais, que aumentam as respostas comportamentais aos estímulos sonoros.10 Entretanto, não foi encontrado relato de perda auditiva oculta em associação com o vírus da dengue. Três pacientes apresentaram zumbido durante a dengue com melhoria parcial ou total: MNFM (Caso 2) e GPNN (Caso 3), que também tiveram perda auditiva, e MFD (Caso 4), que também apresentou hiperacusia.

Todos os casos tinham confirmação sorológica prévia da dengue, a qual pode ser feita através de: a) Teste molecular, que detecta o vírus da dengue no sangue na primeira semana após o aparecimento da febre (o resultado positivo é muito conclusivo); B) Testes de anticorpos: a presença de anticorpos IgM significa que a pessoa foi recentemente infectada pelo vírus da dengue. Pode haver uma reação cruzada com o vírus chikungunya. Em seguida, um segundo teste (teste de neutralização de redução de plaquetas) confirma a presença de anticorpos contra o vírus da dengue e exclui outras infecções virais.

Como os sintomas cocleovestibulares não são frequentemente descritos durante a dengue, nos perguntamos se eles podem estar presentes em outros arbovírus, como zika, chikungunya e febre amarela.

Conclusão

Pacientes com infecção por dengue, confirmada por sorologia, podem apresentar sintomas cocleovestibulares concomitantes que se manifestam pela primeira vez. Seus desfechos são heterogêneos. Como as manifestações cocleovestibulares são escassamente descritas na literatura sobre dengue, chamamos a atenção dos profissionais de saúde para uma possível maior prevalência do que a estimada nessa e em outras arboviroses.

Conflitos de interesse

Os autores declaram não haver conflitos de interesse

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A revisão por pares é da responsabilidade da Associação Brasileira de Otorrinolaringologia e Cirurgia Cérvico‐Facial.

Como citar este artigo: Rahme IM, Pereira GM, Sanchez TG. Different cochleovestibular manifestations and outcomes in patients diagnosed with dengue. Braz J Otorhinolaryngol. 2020;86:S55–S60.

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