Compartilhar
Informação da revista
Vol. 86. Núm. 6.
Páginas 669-675 (Novembro - Dezembro 2020)
Compartilhar
Compartilhar
Baixar PDF
Mais opções do artigo
Visitas
4043
Vol. 86. Núm. 6.
Páginas 669-675 (Novembro - Dezembro 2020)
Artigo original
Open Access
Difficulty producing high‐pitched sounds in singing: correlations with laryngostroboscopy and electromyographic findings
Dificuldade na produção de sons agudos no canto: correlações com a laringoestroboscopia e achados eletromiográficos
Visitas
4043
Gustavo Polacow Korna,
Autor para correspondência
gustavokorn@uol.com.br

Autor para correspondência.
, Renata Rangel Azevedob, Juliana Ceglio Monteiroa, Denise Spinola Pinheiroc, Sung Woo Parka, Noemi Grigoletto de Biasea
a Universidade Federal São Paulo, Departamento de Otorrinolaringologia e Cirurgia de Cabeça e Pescoço, São Paulo, SP, Brasil
b Universidade Federal São Paulo, Departamento de Fonoaudiologia, São Paulo, SP, Brasil
c Universidade Federal São Paulo, Departamento de Neurofisiologia, São Paulo, SP, Brasil
Este item recebeu

Under a Creative Commons license
Informação do artigo
Resume
Texto Completo
Bibliografia
Baixar PDF
Estatísticas
Tabelas (3)
Tabela 1. Análise dos parâmetros acústicos
Tabela 2. Achados laringoestroboscópicos
Tabela 3. Resultados da eletromiografia laríngea do músculo cricotireóideo de acordo com o sexo
Mostrar maisMostrar menos
Abstract
Introduction

Difficulties or limitations in producing high‐pitched sounds while singing may be due to the vocal technique used or organic factor. The observation of such difficulty or limitation by singing teachers is one of the main reasons affected individuals are referred to otolaryngologists.

Objective

To evaluate the laryngostroboscopic and electromyographic changes in the cricothyroid muscles of singers with difficulties or limitations producing high‐pitched sounds.

Methods

This is a cross‐sectional study. Ten singers with difficulty producing high‐pitched sounds underwent voice, laryngostroboscopic, and electromyographic evaluations.

Results

None of the evaluated singers presented signs of impairment of the superior laryngeal nerve on laryngostroboscopy. The electromyographic findings for the cricothyroid muscle were normal for all singers. Six singers presented vocal fold lesions, seven had signs suggestive of laryngopharyngeal reflux, and two presented vascular changes.

Conclusion

No signs suggestive of superior laryngeal nerve paresis or paralysis were observed on laryngostroboscopy and electromyography of the cricothyroid muscle in singers with difficulties or limitations producing high‐pitched sounds. The presence of vocal fold lesions should be investigated in this population.

Keywords:
Singing
Laryngoscopy
Stroboscopy
Electromyography
Resumo
Introdução

Dificuldades ou limitações na produção de sons agudos durante o canto podem ser decorrentes da técnica vocal utilizada ou de fatores orgânicos. A observação dessa dificuldade ou limitação pelos professores de canto é uma das principais razões pelas quais os indivíduos afetados são encaminhados aos otorrinolaringologistas.

Objetivo

Avaliar as alterações laringoestroboscópicas e eletromiográficas no músculo cricotireóideo de cantores com dificuldades ou limitações na produção de sons agudos.

Método

Estudo de coorte transversal. Dez cantores com dificuldade de produzir sons agudos foram submetidos a avaliações de voz, laringoestroboscópicas e eletromiográficas.

Resultados

Nenhum dos cantores avaliados apresentou sinais de comprometimento do nervo laríngeo superior na laringoestroboscopia. Os achados eletromiográficos para o músculo cricotireóideo foram normais para todos os cantores. Seis cantores apresentaram lesões nas pregas vocais, sete apresentaram sinais sugestivos de refluxo laringofaríngeo e dois apresentaram alterações vasculares.

Conclusão

Não foram observados sinais sugestivos de paresia ou paralisia do nervo laríngeo superior na laringoestroboscopia e eletromiografia do músculo cricotireóideo em cantores com dificuldades ou limitações na produção de sons agudos. A presença de lesões nas pregas vocais deve ser investigada nessa população.

Palavras‐chave:
Canto
Laringoscopia
Estroboscopia
Eletromiografia
Texto Completo
Introdução

Dificuldades ou limitações na produção de sons agudos durante o canto podem ser decorrentes da técnica vocal usada; entretanto, alterações orgânicas podem ser um fator contribuinte ou causador.1 A observação dessa dificuldade ou limitação pelos professores de canto é uma das principais razões pelas quais os indivíduos afetados são encaminhados aos otorrinolaringologistas.

Estudos prévios demonstraram paresia do nervo laríngeo superior (NLS) em estudantes de canto que afetava o funcionamento adequado do músculo cricotireóideo (CT) e resultava em dificuldade para cantar.1,2 Paresia ou paralisia do NLS pode levar a diminuição no pitch e desempenho vocal prejudicado, especialmente nos sons agudos.1 O diagnóstico é “difícil”1 e “desafiador”;3,4 consequentemente, essa condição é frequentemente negligenciada5 ou diagnosticada erroneamente como disfonia funcional.6 As alterações de voz resultantes podem ser graves em profisssionais que usam a voz, particularmente em cantores.4,6

O comprometimento do complexo NLS/CT pode ser analisado por avaliação vocal, avaliação laringoestroboscópica do movimento laríngeo e eletromiografia.

Em termos de avaliação vocal, os parâmetros perceptivo‐auditivos e aerodinâmicos e as consequências acústicas das lesões do NLS ainda não foram determinados com precisão.4 Eckley et al.2 observaram que o alcance vocal e a tessitura são parâmetros úteis para analisar os efeitos da paralisia ou paresia do NLS na voz. Além das limitações na produção de sons agudos, Dursun et al., em um estudo com uma coorte pré‐selecionada de pacientes com suspeita de lesão no NLS (cantores e não cantores), verificaram que essa condição pode levar à rouquidão, fadiga vocal, perda de volume, perda de projeção e soprosidade.1 Vale ressaltar que a maioria desses pacientes apresentava neurite.1,2 Roy et al.,7 em um estudo de simulação que usou lidocaína para bloquear o músculo CT unilateralmente em homens saudáveis, constataram que pacientes com lesões no NLS apresentavam uma diminuição na faixa de frequência fonatória com a compressão de ambas as regiões superior e mais inferior da faixa de pitch.

Alguns sinais laringoscópicos sugerem paresia ou paralisia unilateral do NLS, inclusive a rotação da parte posterior da laringe para o lado comprometido, o que leva a uma glote oblíqua,5,8–10 encurtamento da prega vocal afetada,1,10 movimento mais lento da prega vocal afetada, 1 desvio do pecíolo da epiglote para o lado afetado durante a produção de sons agudos,4 arqueamento da prega vocal afetada,10–12 desalinhamento das pregas vocais durante a produção de sons agudos (o nível superior12,13 ou inferior1 da dobra pode ser afetada, o que pode explicar a assimetria de fase),13 assimetria de amplitude (reduzida no lado afetado) e fechamento glótico incompleto.14 Além disso, a constrição anteroposterior e a hiperadução glótica podem se manifestar para compensar a disfonia secundária à tensão muscular.1

Entretanto, a ausência de sinais como encurtamento e espessamento das pregas vocais com glote oblíqua e rotação da laringe não exclui a paralisia do NLS.1,11,15–17 Além disso, não há consenso sobre qual achado laríngeo deve ser considerado patognomônico.

A eletromiografia da laringe (EMGL) é um exame minimamente invasivo bem tolerado, de fácil execução, que permite a avaliação da inervação laríngea, como o NLS, bem como o músculo CT e outros músculos.18 Além disso, com essa técnica, o músculo CT é facilmente acessível.9 Em casos de paresia, o exame pode revelar unidades polifásicas com diminuição do recrutamento e sinais de denervação parcial com regeneração. A paralisia do NLS pode incluir a ausência de recrutamento e a presença de fibrilação e ondas positivas.1,19,20 Esses são sinais inequívocos de disfunção neuromuscular, especialmente nos casos em que os achados para o músculo contralateral são normais.19

Nenhum estudo na literatura correlacionou limitações ou dificuldade de produzir sons agudos em estudantes de canto como o único sintoma com alterações na inervação e função do músculo CT.

Portanto, investigações da atividade eletrofisiológica do músculo CT podem contribuir para a avaliação multidisciplinar de cantores com dificuldade de alcançar notas agudas. A combinação de achados eletrofisiológicos e laringoestroboscópicos permite avaliar a presença de lesões e sinais sugestivos de paresia ou paralisia do NLS. Alguns achados laringoscópicos, como edema de pregas vocais ou lesão na prega vocal média‐membranosa, podem justificar essa dificuldade em cantores.

Algumas questões podem ser levantadas. O EMGL é necessário para cantores com dificuldade de atingir notas altas como único sintoma? O comprometimento do NLS seria um achado comum em cantores com dificuldade de atingir notas altas como único sintoma? Em caso de ausência de sinais de comprometimento do NLS, pela EMGL ou por avaliação laringoestroboscópica, qual poderia ser a explicação para esse sintoma único? Há lesões ou alterações na prega vocal média‐membranosa mesmo sem outros sintomas? Ou até mesmo inflamação causada pelo refluxo laringofaríngeo? Devido ao possível efeito do fumo na voz cantada, os fumantes não devem fazer parte da amostra.

O objetivo deste estudo foi avaliar as possíveis causas de dificuldade ou limitações na produção de sons agudos em cantores através de alterações laringoestroboscópicas e eletromiográficas nos músculos CT.

Método

Este estudo prospectivo foi aprovado pelo comitê de ética em pesquisa da Universidade Federal de São Paulo sob o Parecer n° 1.156.506.

A amostra foi constituída por dez cantores (selecionados por seus professores de canto) que apresentavam dificuldade ou limitações na produção de sons agudos e que foram recrutados entre julho de 2015 e julho de 2016. Foi solicitado a todos os participantes que assinassem o termo de consentimento livre e esclarecido aprovado pelo comitê de ética em pesquisa institucional antes da inclusão. Esses participantes representam uma amostra piloto, pois não há dados sobre a prevalência das alterações avaliadas disponíveis na literatura científica.

Dificuldades ou limitações na produção de sons agudos foram avaliadas apenas pelo professor de cada cantor, e não pelo próprio cantor. Cada professor de canto observou dificuldades ou limitações na produção de sons agudos, mesmo depois de trabalhar com técnicas de canto.

Foram incluídos cantores de ambos os sexos que atenderam aos seguintes critérios: (1) Participação em aulas de canto por pelo menos três meses; (2) Dificuldade de produzir sons agudos como única queixa e (3) idade de 18 a 60 anos.

Os critérios de exclusão foram: (1) Histórico de rouquidão nos últimos 12 meses; (2) Histórico de tratamento prévio para rouquidão; (3) Doenças crônicas, como doenças da tireoide e diabetes mellitus; (4) Uso de medicamentos psicotrópicos; (5) Ser fumante; (6) Doenças pulmonares; (7) Uso de anticoagulantes ou diagnóstico de coagulopatia e (8) Idade <18 ou>60 anos, devido aos possíveis efeitos da presbifonia e da alterações na voz.

A amostra do estudo foi composta por seis mulheres e quatro homens. A média da idade foi de 32±8 anos entre as mulheres e 35±17,5 anos entre os homens, sem diferença significante entre os dois grupos (p=0,831).

Os cantores foram avaliados em três fases – avaliação vocal, videolaringoestroboscopia e eletromiografia laríngea – e em diferentes datas. A voz de cada participante foi avaliada por dois fonoaudiólogos com mais de dez anos de experiência em distúrbios da voz. Os resultados da laringoestroboscopia foram avaliados por dois examinadores com mais de 10 anos de prática.

Em casos de discordância, o vídeo do exame foi repetido e discutido até que um consenso fosse alcançado. A eletromiografia foi feita por um otorrinolaringologista e um neurofisiologista, sendo este último cego para os achados laringoestroboscópicos.

Durante as avaliações de voz, as vozes dos cantores foram gravadas durante a produção de sons de vogais. As amostras de voz foram analisadas acusticamente com o programa Voice Laboratory (Praat),21 considerando os seguintes parâmetros acústicos: frequência fundamental (F0), jitter e shimmer, relação harmônico‐ruído (HNR), frequências de voz mínima e máxima e faixa de frequência em semitons. A avaliação de voz foi feita apenas para descrever nossa amostra.

A laringoscopia foi feita com um laringoscópio de voz (Wolf 70°) e um nasofibrolaringoscópio (Pentax) conectado a uma fonte de luz e vídeo. A estroboscopia foi feita com um sistema padrão (Ecleris, Argentina). O paciente permaneceu sentado durante o exame e, durante a videolaringoscopia, a língua foi protraída para fora e mantida nessa posição pelo examinador com uma compressa de gaze. As seguintes tarefas foram feitas: produção confortável de /e/, /i/ agudo e produção alternada de “i” e “sniff”. Os seguintes parâmetros foram avaliados na laringoestroboscopia: (1) Presença de lesões estruturais mínimas na mucosa da prega vocal; (2) Presença de lesões nas pregas vocais; (3) Alterações na mobilidade das pregas vocais durante a produção alternada de “i” e “sniff”; (4) Rotação da laringe com glote oblíqua durante a produção de sons agudos; (5) Suspeita de incompatibilidade de altura da prega vocal; (6) Desvio do pecíolo da epiglote durante a produção de sons agudos; (7) Presença de assimetria de fase ou de amplitude e fechamento glótico na estroboscopia e (8) Presença de sinais sugestivos de refluxo laringofaríngeo, inclusive hiperemia interaritenóidea, edema retrocricoide e pseudo‐sulco.

Na eletromiografia, apenas o músculo CT, responsável pelo aumento da frequência da voz, foi investigado. Usou‐se um dispositivo Nihon Kohden Neuropack 1. O pescoço do(a) cantor(a) permaneceu em extensão e a pele foi limpa com álcool a 70%. Após a identificação da membrana CT, a agulha do eletrodo concêntrico (Spes Medica) foi inserida a aproximadamente 0,5cm da linha média e direcionada lateralmente em um ângulo de 30° a 45°. A agulha atravessou o músculo esterno‐hióideo e atingiu o músculo CT, localizado a uma profundidade de aproximadamente 1cm. Para confirmar a posição do eletrodo, foi solicitado ao paciente que produzisse um som grave /i/ e, em seguida, um som agudo /i/ e um aumento acentuado no sinal de EMG era esperado.22 Anestesia tópica não foi usada, pois pode levar a alterações no sinal elétrico e confundir os resultados.23,24 Os parâmetros neurofisiológicos avaliados incluíram atividade de inserção durante o posicionamento do eletrodo, atividade muscular em repouso e contrações musculares mínimas e máximas durante a produção de um fraco /i/ agudo seguido de um forte /i/ agudo.

A atividade de inserção observada durante a inserção do eletrodo no músculo correspondeu à despolarização mecânica da fibra muscular. Em músculos saudáveis, a atividade de inserção produz pequenos potenciais elétricos que persistem por curtos períodos após a interrupção do movimento do eletrodo. Entretanto, esses potenciais podem ser aumentados ou diminuídos por processos patológicos. A atividade muscular em repouso refere‐se à atividade muscular sem controle voluntário. Esse tipo de atividade não é observado em músculos saudáveis e, quando presente (na forma de fibrilação e ondas agudas positivas), pode ser devida a distúrbios miopáticos ou neurogênicos. A contração muscular mínima é usada para avaliar o potencial de ação de unidades motoras. O padrão de recrutamento de unidades motoras, ou seja, como as unidades motoras são ativadas por um aumento progressivo da força,25 é analisado durante a contração muscular moderada ou máxima.

Os dados foram submetidos à análise descritiva.

Resultados

Os resultados da análise dos parâmetros acústicos estão descritos na tabela 1.

Tabela 1.

Análise dos parâmetros acústicos

Sexo  F0 (Hz)  Jitter (%)  Shimmer (%)  HNR  Min (Hz)  Max (Hz)  Variação F0 (st) 
Feminino182  0,218  2,148  0,004  142  567 
209  0,243  2,671  0,005  156  625 
219  0,185  2,140  0,005  148  555 
197  0,268  2,165  0,005  153  532 
252  0,237  1,944  0,003  156  734 
196  0,166  2,763  0,004  144  854 
Masculino149  0,412  3,914  0,022  85  455 
152  0,335  2,782  0,004  98  380 
129  0,172  3,062  0,006  72  422 
129  0.180  3.212  0.006  77  370 

F0 (em Hz), frequência fundamental; HNR, proporção harmônico‐ruído, Mín (em Hz), frequência mínima; Max (em Hz), frequência máxima; Variação de F0 (st), variação de frequência em semitons.

Os resultados laringoestroboscópicos são apresentados na tabela 2. Nenhum dos cantores avaliados apresentou sinais de comprometimento de mobilidade da prega vocal, rotação da laringe com glote oblíqua durante a produção de sons agudos, incompatibilidade da altura da prega vocal ou desvio do pecíolo da epiglote durante a produção de sons agudos. Seis dos dez pacientes apresentavam lesões nas pregas vocais, sete apresentavam sinais sugestivos de refluxo laringofaríngeo e dois apresentavam alterações vasculares. Os achados estroboscópicos indicaram que três pacientes apresentavam assimetria de fase, um apresentava assimetria de amplitude e quatro apresentavam fechamento glótico incompleto, inclusive dois com uma fenda triangular médio‐posterior e dois com fenda fusiforme anterior.

Tabela 2.

Achados laringoestroboscópicos

Variáveis  N (%) 
Presença de alterações vasculares  2 (20) 
Lesões na prega vocal  6 (60) 
Pólipo pequeno no terço anterior a médio da prega vocal direita 
Espessamento bilateral do terço médio das pregas vocais 
Edema no terço médio da prega vocal esquerda 
Pequenos nódulos de pregas vocais 
Espessamento bilateral entre o terço anterior e médio das pregas vocais 
Sinais de refluxo laringofaríngeo  7 (70) 
Hiperemia interaritenóidea 
Hiperemia interaritenóidea e edema retrocricoide 
Pseudo‐sulco, hiperemia interaritenóidea e edema retrocricoide 
Sinais de comprometimento do NLS
Produção alternada de “i” e “sniff”  0 (0) 
Rotação da laringe  0 (0) 
Incompatibilidade da altura da dobra vocal  0 (0) 
Desvio do pecíolo da epiglote  0 (0) 
Achados estroboscópicos
Periodicidade  9 (90) 
Assimetria de fase  3 (33.3) 
Assimetria de amplitude  1 (11.1) 
Fechamento glotal   
Fechamento glotal preservado  6 (60) 
Fenda fusiforme anterior  2 (20) 
Fenda triangular médio‐posterior  2 (20) 

A eletromiografia não mostrou alterações significativas nos músculos CT dos cantores avaliados (tabela 3).

Tabela 3.

Resultados da eletromiografia laríngea do músculo cricotireóideo de acordo com o sexo

Sexo  Atividade de inserçãodurante o posicionamento do eletrodo  Atividade muscularem repouso  Contração muscular mínima  Contração muscular máxima 
MasculinoNormal  Normal  Normal  Normal 
Normal  Normal  Normal  Normal 
Normal  Normal  Normal  Normal 
Normal  Normal  Normal  Normal 
Normal  Normal  Normal  Normal 
Normal  Normal  Normal  Normal 
FemininoNormal  Normal  Normal  Normal 
Normal  Normal  Normal  Normal 
Normal  Normal  Normal  Normal 
Normal  Normal  Normal  Normal 
Discussão

Embora os cantores da amostra estivessem cientes de sua dificuldade de produzir sons agudos, eles não procuraram atendimento médico. Isso sugere que outros cantores com queixas semelhantes não procuram atendimento médico. As razões para a não procura de atendimento médico podem ser decorrentes de limitações financeiras ou de cobertura de seguro‐saúde.26

Uma das hipóteses deste estudo foi que cantores cuja única queixa vocal é a dificuldade de produzir sons agudos poderiam apresentar sinais de comprometimento do NLS na laringoestroboscopia, eletromiografia ou ambos. Entretanto, os achados laringoestroboscópicos e eletromiográficos indicaram que nenhum dos pacientes avaliados apresentava sinais de comprometimento do NLS.

Como não há um consenso sobre qual achado laríngeo deve ser considerado patognomônico do comprometimento do NLS/CT, a análise da avaliação laringoestroboscópica mais a EMGL é de fundamental importância para a avaliação do complexo NLS/CT.

Alguns estudos diagnosticaram, com laringoestroboscopia e eletromiografia laríngea, pacientes com paresia e paralisia do NLS. Entretanto, nesses estudos, as queixas que levaram os pacientes a procurar atendimento médico não se restringiram à dificuldade de produzir sons agudos. Dursun et al.1 relataram que as principais queixas entre 126 pacientes com paresia ou paralisia do NLS foram fadiga vocal (82,5%), rouquidão (75,4%), alteração do volume (75,4%), perda da modulação (69%) e soprosidade (34,9%). Eckley et al.2 avaliaram 30 cantores com a mesma disfunção e constataram que os sintomas principais eram rouquidão (53,6%), perda da capacidade de produzir sons agudos (46,2%), fadiga vocal (39,3%), soprosidade (30,3%) e alteração do volume. (25%).

Como a dificuldade de produzir sons agudos era a única queixa entre os cantores que não procuraram atendimento médico, levantamos a hipótese de que a paresia era menos provável. Entretanto, outras alterações orgânicas, como lesões nas pregas vocais, podem estar envolvidas.

Neste estudo, a avaliação da voz foi feita apenas para descrever nossa amostra. Infelizmente, não encontramos dados de avaliação de voz para cantores com dificuldade na produção de sons agudos na literatura vigente, para comparar com nossos achados.

Em relação aos achados laringoestroboscópicos, a presença de lesões nas pregas vocais em 60% de nossa amostra poderia justificar a dificuldade de produzir sons agudos. Essa percentagem foi superior à relatada em outros estudos que analisaram cantores saudáveis (6%)27 e estudantes de canto assintomáticos (em termos de lesões nas pregas vocais e edema; 38,6%)28 mas semelhante à porcentagem encontrada em jovens cantores (78,4%) na matrícula em um conservatório de ópera de elite.29

A porcentagem de pacientes com alterações vasculares em nossa amostra (20%) foi semelhante à dos professores de canto saudáveis (18,1%),30 maior do que a de cantores saudáveis (3,0%)27 e menor do que a de jovens cantores (31,4%) avaliados na matrícula em um conservatório de ópera de elite.29

A taxa de fechamento glótico incompleto (40%) é semelhante à relatada para professores de canto saudáveis (34,7%)30 e jovens cantores (46%) na matrícula em um conservatório de ópera de elite,29 mas menor do que a dos estudantes de canto assintomáticos (84,1%).28 A taxa de assimetria de fase em nossa amostra foi de 30%, o que é semelhante à de jovens cantores na matrícula em um conservatório de ópera de elite (26%),29 mas maior do que a de professores de canto saudáveis (9,7%).30 A taxa de assimetria de amplitude foi de 10%, semelhante à encontrada em professores de canto saudáveis (5,6%),30 mas menor do que a de estudantes de canto assintomáticos (38,6%)28 e jovens cantores na matrícula em um conservatório de ópera de elite (36%).29 Infelizmente, não conseguimos encontrar outros estudos que avaliaram cantores cuja única queixa era a dificuldade de produzir sons agudos, o que dificultou os resultados da comparação.

A taxa de refluxo laringofaríngeo foi alta em nossa amostra (70%). Esse achado não é incomum; sinais de refluxo laringofaríngeo foram relatados em 42% dos cantores saudáveis,27 72% de professores de canto saudáveis,30 73,4% dos estudantes de canto assintomáticos28 e 69% de jovens cantores inscritos em um conservatório de ópera de elite.29 Esse tipo de refluxo parece ser comum em cantores e estresse, padrões comportamentais relacionados às demandas de desempenho e aumento da pressão intra‐abdominal podem contribuir para essa complicação. A comparação de jovens cantores avaliados na matrícula em um conservatório de ópera de elite29 e pacientes no acompanhamento indicou que a única mudança significativa foi um aumento nos sinais de refluxo laringofaríngeo.

O comprometimento unilateral ou bilateral da mobilidade das pregas vocais estava ausente em nossa amostra, mas foi observado em 1,5% dos cantores saudáveis,27 15,3% de professores de canto saudáveis30 e 37,7% de jovens cantores na matrícula em um conservatório de ópera de elite.29 Notavelmente, nesses estudos, suspeitas de alterações na mobilidade e de paresia foram avaliadas com apenas a laringoestroboscopia, sem eletromiografia da laringe.

Algumas lesões na prega vocal podem ser acompanhadas de paresia nas pregas vocais. Embora uma paralisia ou paresia seja um diagnóstico incomum, a avaliação da EMGL foi importante para descartar sinais de comprometimento do NLS.

Cantores fumantes não fizeram parte de nossa amostra devido à influência da frequência fundamental na voz falada.31

Uma limitação do nosso estudo foi o recrutamento da amostra, pois a exclusão de cantores que foram recentemente tratados ou submetidos a tratamento e cantores com outras queixas vocais reduziu o tamanho da amostra em potencial. Outra limitação foi a não adesão dos voluntários, o que pode ter ocorrido por motivos sociais. Além disso, nossa amostra foi constituída por cantores encaminhados por seu (sua) professor(a) de canto, que observaram dificuldade de atingir notas altas, e não por uma avaliação específica da técnica de canto.

Atualmente, pouco se sabe sobre a epidemiologia dos distúrbios vocais, particularmente em profissionais da voz (Phyland et al., 1999).32 Mais estudos são necessários para melhor compreender os cantores como população e oferecer melhores orientações quanto à necessidade de cuidados médicos.

Com base em nossos achados, sugerimos que todos os cantores com dificuldade de produzir sons agudos devam ser submetidos a exames médicos para o diagnóstico precoce e tratamento oportuno da causa, principalmente nos casos de lesões nas pregas vocais e refluxo laringofaríngeo.

Conclusão

Não foram encontrados sinais sugestivos de paresia ou paralisia do NLS na laringoestroboscopia e eletromiografia do músculo CT em cantores com dificuldade de produzir sons agudos. Lesões de prega vocal e refluxo laringofaríngeo foram os achados mais comuns nessa população.

Conflitos de interesse

Os autores declaram não haver conflitos de interesse.

Referências
[1]
G. Dursun, R.T. Sataloff, J.R. Spiegel, S. Mandel, R.J. Heuer, D.C. Rosen.
Superior laryngeal nerve paresis and paralysis.
[2]
C.A. Eckley, R.T. Sataloff, M. Hawkshaw, J.R. Spiegel, S. Mandel.
Voice range in superior laryngeal nerve paresis and paralysis.
[3]
L. Sulica.
The superior laryngeal nerve: function and dysfunction.
Otolaryngol Clin North Am, 37 (2004), pp. 183-201
[4]
N. Roy.
Denervation of the external branch of the superior laryngeal nerve: laryngeal and phonatory features.
Curr Opin Otolaryngol Head Neck Surg, 19 (2011), pp. 182-187
[5]
P.H. Ward, G. Berci, T.C. Calcaterra.
Superior laryngeal nerve paralysis an often overlooked entity.
Trans Sect Otolaryngol Am Acad Ophthalmol Otolaryngol, 84 (1977), pp. 78-89
[6]
AE Aronson, DM. Bless.
Neurologic voice disorders.
Clinical voice disorders, 4th ed., Thieme, (2009), pp. 71-110
[7]
N. Roy, M.E. Smith, C. Dromey, J. Redd, S. Neff, D. Grennan.
Exploring the phonatory effects of external superior laryngeal nerve paralysis: an in vivo model.
Laryngoscope, 119 (2009), pp. 816-826
[8]
K.K. Adour, G.D. Schneider, R.L. Hilsinger Jr..
Acute superior laryngeal nerve palsy: analysis of 78 cases.
Otolaryngol Head Neck Surg, 88 (1980), pp. 418-424
[9]
K. Bevan, M.V. Griffiths, M.H. Morgan.
Cricothyroid muscle paralysis: its recognition and diagnosis.
J Laryngol Otol, 103 (1989), pp. 191-195
[10]
S. Tanaka, M. Hirano, H. Umeno.
Laryngeal behavior in unilateral superior laryngeal nerve paralysis.
Ann Otol Rhinol Laryngol, 103 (1994), pp. 93-97
[11]
A.D. Rubin, R.T. Sataloff.
Vocal fold paresis and paralysis.
Otolaryngol Clin North Am, 40 (2007), pp. 1109-1131
[12]
V. Tsai, A. Celmer, G.S. Berke, D.K. Chhetri.
Videostroboscopic findings in unilateral superior laryngeal nerve paralysis and paresis.
Otolaryngol Head Neck Surg, 136 (2007), pp. 660-662
[13]
A.H. Mendelsohn, M.W. Sung, G.S. Berke, D.K. Chhetri.
Strobokymographic and videostroboscopic analysis of vocal fold motion in unilateral superior laryngeal nerve paralysis.
Ann Otol Rhinol Laryngol, 116 (2007), pp. 85-91
[14]
D.K. Chhetri, J. Neubauer, J.L. Bergeron, E. Sofer, K.A. Peng, N. Jamal.
Effects of asymmetric superior laryngeal nerve stimulation on glottic posture, acoustics, vibration.
Laryngoscope, 123 (2013), pp. 3110-3116
[15]
G.E. Woodson, M.P. Murry, V. Schweizer, A. Hengesteg, N. Chen, D. Yeung.
Unilateral cricothyroid contraction and glottic configuration.
[16]
N. Roy, M.E. Barton, M.E. Smith, C. Dromey, R.M. Merrill, C. Sauder.
An in vivo model of external superior laryngeal nerve paralysis: laryngoscopic findings.
Laryngoscope, 119 (2009), pp. 1017-1032
[17]
N. Roy, M.E. Smith, D.R. Houtz.
Laryngeal features of external superior laryngeal nerve denervation: revisiting a century‐old controversy.
Ann Otol Rhinol Laryngol, 120 (2011), pp. 1-8
[18]
R.T. Sataloff, P. Praneetvatakul, R.J. Heuer, M.J. Hawkshaw, Y.D. Heman-Ackah, S.M. Schneider, et al.
Laryngeal electromyography: clinical application.
[19]
L. Sulica, A. Blitzer.
Electromyography and the immobile vocal fold.
Otolaryngol Clin North Am, 37 (2004), pp. 59-74
[20]
L. Sulica, A. Blitzer.
Vocal fold paresis: evidence and controversies.
Curr Opin Otolaryngol Head Neck Surg, 15 (2007), pp. 159-162
[21]
P. Boersma, D. Weenink.
The Praat program: doing phonetics by computer [Internet].
University of Amsterdam, (2011),
[22]
R.T. Sataloff, S. Mandel, Y. Heman-Ackah, R. Mañon-Espaillat, M. Abaza.
Laryngeal electromyography.
Laryngeal electromyography, 2nd ed., Plural Publishing, (2006), pp. 71-101
[23]
R.T. Sataloff, S. Mandel, Y. Heman-Ackah, R. Mañon-Espaillat, M. Abaza.
Laryngeal electromyography: introduction and overview.
Laryngeal electromyography, 2nd ed., Plural Publishing, (2006), pp. 1-6
[24]
Y.D. Heman-Ackah, S. Mandel, R. Manon-Espaillat, M.M. Abaza, R.T. Sataloff.
Laryngeal electromyography.
Otolaryngol Clin North Am, 40 (2007), pp. 1003-1023
[25]
D. Dumitru, A.A. Amato, M. Zwarts.
Eletrodiagnostic medicine.
2nd ed., Hanley & Belfus Inc., (2002),
[26]
M. Gilman, A.L. Merati, A.M. Klein, E.R. Hapner, M.M. Johns.
Performer's attitudes toward seeking health care for voice issues: understanding the barriers.
J Voice, 23 (2009), pp. 225-228
[27]
M.E. Elias, R.T. Sataloff, D.C. Rosen, R.J. Heuer, J.R. Spiegel.
Normal strobovideolaryngoscopy: variability in healthy singers.
[28]
D.S. Lundy, R.R. Casiano, P.A. Sullivan, S. Roy, J.W. Xue, J. Evans.
Incidence of abnormal laryngeal findings in asymptomatic singing students.
Otolaryngol Head Neck Surg, 121 (1999), pp. 69-77
[29]
C. Myint, J.E. Moore, A. Hu, A.J. Jaworek, R.T. Sataloff.
A comparison of initial and subsequent follow‐up strobovideolaryngoscopic examinations in singers.
[30]
R.T. Sataloff, M.J. Hawkshaw, J.L. Johnson, B. Ruel, A. Wilhelm, D. Lurie.
Prevalence of abnormal laryngeal findings in healthy singing teachers.
[31]
M.R. Ayoub, P. Larrouy-Maestri, D. Morsomme.
The effect of smoking on the fundamental frequency of the speaking voice.
[32]
D.J. Phyland, J. Oates, K.M. Greenwood.
Self‐reported voice problems among three groups of professional singers.

Como citar este artigo: Korn GP, Azevedo RR, Monteiro JC, Pinheiro DS, Park SW, Biase NG. Difficulty producing high‐pitched sounds in singing: correlations with laryngostroboscopy and electromyographic findings. Braz J Otorhinolaryngol. 2020;86:669–75.

A revisão por pares é da responsabilidade da Associação Brasileira de Otorrinolaringologia e Cirurgia Cérvico‐Facial.

Copyright © 2019. Associação Brasileira de Otorrinolaringologia e Cirurgia Cérvico-Facial
Idiomas
Brazilian Journal of Otorhinolaryngology
Opções de artigo
Ferramentas
en pt
Announcement Nota importante
Articles submitted as of May 1, 2022, which are accepted for publication will be subject to a fee (Article Publishing Charge, APC) payment by the author or research funder to cover the costs associated with publication. By submitting the manuscript to this journal, the authors agree to these terms. All manuscripts must be submitted in English.. Os artigos submetidos a partir de 1º de maio de 2022, que forem aceitos para publicação estarão sujeitos a uma taxa (Article Publishing Charge, APC) a ser paga pelo autor para cobrir os custos associados à publicação. Ao submeterem o manuscrito a esta revista, os autores concordam com esses termos. Todos os manuscritos devem ser submetidos em inglês.