A síndrome da apneia obstrutiva do sono é uma desordem de elevada prevalência na população. Estudos constataram possível associação entre obstrução nasal e síndrome da apneia obstrutiva do sono, porém a existência de uma relação entre a intensidade da obstrução nasal e a gravidade da síndrome da apneia obstrutiva do sono ainda não foi comprovada.
ObjetivoAvaliar as dimensões internas nasais de adultos com ronco primário e síndrome da apneia obstrutiva do sono por meio de rinometria acústica e correlacionar os achados com a gravidade da síndrome da apneia obstrutiva do sono.
MétodoForam avaliados 21 indivíduos com queixas de ronco e/ou pausas respiratórias durante o sono, gênero masculino, entre 18 e 60 anos, brancos. Após avaliação clínica, exame físico otorrinolaringológico e nasofaringolaringoscopia flexível, todos foram submetidos à polissonografia tipo III. Os participantes foram divididos em dois grupos de acordo com a gravidade dos sintomas: grupo 1, ronco primário e/ou síndrome da apneia obstrutiva do sono leve (n=9) e grupo 2, síndrome da apneia obstrutiva do sono moderada/grave (n=12). Dimensões internas nasais foram aferidas por rinometria acústica, foram consideradas para análise as áreas de secção transversa mínima e os volumes de três diferentes segmentos nasais.
ResultadosO índice de eventos respiratórios correspondeu a 8,1±4,0 no grupo 1 e 47,5±19,1 no grupo 2. No grupo 1, os valores de área de secção transversa, em cm2, corresponderam a: área de secção transversa 1=1,1±0,4; área de secção transversa 2=2,1±0,9; área de secção transversa 3=3,5±1,8. No grupo 2: área de secção transversa 1=1,2±0,3, área de secção transversa 2=2,0±0,5; áre de secção transversa 3=2,8±0,7. No grupo 1 os valores do volume, em cm3, corresponderam a: volume 1=3,5±1,0; volume 2=9,3±5,0; volume 3=40,2±21,5 e no grupo 2 a: volume 1=3,6±0,5; V2=7,6±1,5; volume 3=31,5±6,7. Os valores de área de secção transversa e volume não diferiram entre os grupos.
ConclusãoNão foram demonstradas diferenças significantes quanto às áreas seccionais transversas e os volumes nasais entre indivíduos com ronco primário e síndrome da apneia obstrutiva do sono leve e síndrome da apneia obstrutiva do sono moderada‐grave. Contrariamente à hipótese levantada, os resultados sugerem não existir relação entre as dimensões internas nasais e o nível de gravidade da síndrome da apneia obstrutiva do sono.
A síndrome da apneia obstrutiva do sono (SAOS) é uma desordem de elevada prevalência na população. Pesquisas como o Sleep Heart Health Study demonstraram que 24% dos homens e 9% das mulheres avaliadas apresentavam SAOS em sua forma moderada.1 O Winsconsin Sleep Study Cohort demonstrou um aumento da prevalência da SAOS em diferentes faixas etárias: 10% dos homens e 3% das mulheres na faixa entre 30 e 49 anos, enquanto 17% dos homens e 9% das mulheres na faixa entre 50 e 70.2 Mais recentemente, um estudo feito na Suíça demonstrou que 50% dos homens e 23% das mulheres avaliadas apresentaram SAOS em sua forma moderada.3 No Brasil, um estudo que avaliou a prevalência da SAOS na população da cidade de São Paulo verificou que 32,8% da população adulta apresentaram critérios polissonográficos compatíveis com o diagnóstico de SAOS.4 Importante frisar que, apesar de grande prevalência, a SAOS ainda é subdiagnosticada. Nos Estados Unidos da América, estima‐se que 82% dos homens e 93% das mulheres com SAOS não têm sua condição adequadamente diagnosticada.5
Pacientes com SAOS tipicamente apresentam sonolência diurna excessiva, queda do desempenho cognitivo, redução da qualidade de vida e maior risco para o desenvolvimento de doenças cardiovasculares.6–8 Idade superior a 60 anos, gênero masculino, obesidade, dismorfismos craniofaciais e hipotireoidismo são fatores de risco para SAOS já bem estabelecidos.1,5,9,10
Estudos também sugerem uma possível associação entre obstrução nasal e SAOS, atribuindo ao fluxo de ar turbulento, resultante da obstrução nasal em diferentes segmentos, a gênese da SAOS. Como as cavidades nasais são a porta das vias aéreas superiores, obstruções decorrentes de patologias nasais, como o desvio septal e a hipertrofia das conchas nasais, podem, teoricamente, contribuir para a geração de fluxo de ar turbulento e, consequentemente, para o desencadeamento da SAOS.11–14 Do ponto de vista teórico, as vias aéreas superiores se comportam de modo semelhante a um resistor de Starling, onde o segmento colapsável é a faringe e as duas extremidades rígidas são as cavidades nasais e a laringe. Quanto maior a resistência ao fluxo aéreo nos segmentos fixos (cavidade nasal e laringe) e maior a flacidez do segmento flexível (faringe), maior o colabamento do segmento colápsável.15,16 Desse modo, a associação entre obstrução nasal e SAOS ganha plausibilidade biológica.
Estudo demonstrou que indivíduos com obstrução nasal crônica apresentam maior sonolência diurna, resultante de uma maior fragmentação do sono, gerada por múltiplos microdespertares e que o tratamento da obstrução nasal melhorou de forma significante os índices de sonolência diurna.17 Em princípio, esses achados reforçam as evidências de que o grau de permeabilidade nasal tem papel relevante na SAOS e em seus sintomas diurnos associados.
A avaliação da patência nasal tem se baseado, historicamente, em impressões clínicas, a partir de dados da anamnese e inspeção visual por rinoscopia e/ou nasofibroscopia. Nos últimos anos, porém, a rinometria acústica, introduzida por Sondhi e Gopinath,18 tem sido usada como avaliação objetiva das dimensões internas nasais que, em última análise, refletem o grau de permeabilidade nasal. Resumidamente, os sinais sonoros emitidos pelo rinômetro são refletidos por estruturas intranasais e nasofaríngeas, são captados e analisados por meio de software que calcula diferentes variáveis, que correspondem a áreas seccionais transversas mínimas e volumes em diferentes segmentos. Atualmente, é amplamente reconhecida a importância da rinometria acústica como teste específico das dimensões internas nasais.19–27 Em indivíduos com obstrução nasal de diferentes etiologias, valores subnormais foram observados.28–31
Apesar de recentes trabalhos terem contribuído para a compreensão da relação entre obstrução nasal e a SAOS,10–14 vários aspectos ainda permanecem controversos, particularmente porque limitações metodológicas impedem a comparação entre os estudos. Em suma, constata‐se que a real influência da obstrução nasal sobre a SAOS não pode ser ainda comprovada com o nível de evidência científica disponível até o presente momento. Assim, o estudo teve por objetivo avaliar as dimensões internas nasais de adultos com ronco primário e SAOS leve, comparativamente a SAOS moderada e grave, por meio da rinometria acústica.
MétodoO presente estudo é derivado de pesquisa de pós‐doutorado e foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa em Seres Humanos da Faculdade de Medicina de Botucatu (Unesp), sob número 4393‐2012, e feito após a assinatura do termo de concordância livre e esclarecido pelo participante.
Como critérios de inclusão, foram selecionados indivíduos adultos, do gênero masculino, com de 18 a 60 anos, brancos, atendidos de forma regular no ambulatório de otorrinolaringologia do Hospital Estadual de Bauru (HEB), que apresentavam como queixa principal roncos ou pausas respiratórias durante o sono.
Como etapa inicial, todos os participantes foram avaliados clinicamente, perguntados a respeito de queixas compatíveis com a SAOS e submetidos ao exame físico com avaliação nasoendoscópica da anatomia nasal e faríngea, que teve como objetivo classificar os desvios septais e excluir lesões obstrutivas da via área superior, de difícil visualização ao exame físico otorrinolaringológico. O grau de hipertrofia dos cornetos inferiores e a classificação e intensidade dos desvios septais foram avaliados pelo investigador principal de forma visual. Os desvios septais foram categorizados da seguinte forma: presença ou ausência; lateralidade predominante (direita ou esquerda); localização predominante (anterior, quando acometia septo membranoso e/ou cartilaginoso, e, posterior, quando acometia predominantemente transição entre septo cartilaginoso e ósseo, lâmina perpendicular do etmoide e ou vômer). A intensidade de desvio septal foi classificada como grau 1, quando obstruía até 25% da fossa nasal acometida pelo desvio, grau 2, quando obstruía entre 25%−50%, grau 3, entre 50%−75% e grau 4, acima de 75% do lúmen da fossa nasal. As conchas inferiores foram classificadas quanto à presença ou ausência de hipertrofia e segmentos acometidos (cabeça, corpo ou cauda). O grau de obstrução dos cornetos seguiu o mesmo critério para os desvios septais.
Foram excluídos do estudo pacientes com histórico de cirurgia e fratura nasal prévia, presença de tumores nasais malignos ou benignos, pólipos nasais, malformação craniofacial, síndromes genéticas, cardiopatias, pneumopatias e outras condições clínicas e mentais que não permitissem a excecução de todas as etapas do estudo, além do não aceite em assinar o TCLE. Adicionalmente, pacientes em uso de medicações tópicas nasais, como corticosteroides, estabilizadores de membrana dos mastócitos, vasoconstrictores tópicos, bem como medicações sistêmicas, como corticosteroides, anti‐histamínicos, antagonistas dos leucotrienos e antibióticos para tratamento de rinossinusopatias, um mês antes da análise rinométrica e polissonografia, não foram incluídos.
Após a avaliação clínica, os participantes foram encaminhados para a realização de poligrafia do sono, a qual foi feita com um polígrafo Star Dust® (PhilipsRespironics), que permite a polissonografia do tipo III, de acordo com a classificação da AASM de 2018.32 Os exames foram feitos nas enfermarias do HEB. Os distúrbios respiratórios do sono, bem como os eventos respiratórios, foram classificados e marcados de acordo manual da American Academy of Sleep Medicine.32 Após a análise das polissonografias, os participantes foram alocados em dois grupos: G1−Grupo Ronco Primário ou SAOS leve, G2−Grupo SAOS moderada ou grave.
Concluída essa etapa, os pacientes foram encaminhados para rinometria acústica no Laboratório de Fisiologia do Hospital de Reabilitação de Anomalias Craniofaciais (USP), onde o exame foi feito na manhã do dia seguinte ao exame polissonográfico. Para a avaliação rinométrica foi usado o sistema Eccovision Acoustic Rhinometer (HOOD laboratories), de acordo com protocolos previamente descritos na literature. Foram avaliadas as áreas seccionais transversas (ASTs) e volumes (V) em três segmentos: a AST1 (área correspondente à válvula nasal), AST2 (área correspondente à porção anterior da concha nasal inferior) e AST3 (área correspondente à cauda da concha nasal inferior), V1 (volume do segmento interno nasal situado entre 10 a 32 mm da narina), V2 (volume do segmento situado entre 33 e 64 mm) e V3 (volume situado após 70 mm). O exame foi feito com o paciente na posição sentada, com o queixo e a testa apoiados em uma armação especialmente desenvolvida para esse fim, de modo a manter a cabeça estável durante o exame.
De modo a garantir reprodutibilidade das curvas rinométricas, o equipamento foi calibrado no início de cada período do dia, segundo instrução do fabricante, o tubo foi posicionado de forma a não provocar deformação da narina e, por consequência, da válvula nasal. As medidas foram feitas sempre na mesma sala, em ambiente com temperatura relativamente estável (entre 22° e 26°C) e nível de ruído controlado (inferior à 60 dB), após um período de adaptação do paciente às condições ambientais de cerca de 30 minutos, no período da manhã. O vedamento entre o adaptador e a cavidade nasal foi feito com gel neutro para eletrocardiograma, com o objetivo de evitar perda sonora. O exame foi feito durante a suspensão voluntária da respiração nasal, no fim de uma expiração, o paciente foi orientado a permanecer com a boca fechada, sem deglutir ou movimentar a língua no momento da aquisição dos dados, que não supera 10 segundos, de modo a evitar interferências nas medidas e na qualidade dos rinogramas.23,30,31,33
Cálculo do tamanho da amostra e análise estatísticaPara o cálculo formal do tamanho da amostra (n) foi escolhida como variável de desfecho primário a área de secção transversa mínima da cavidade nasal (AST1 ou mínima) que corresponde à válvula nasal, foram usados os valores obtidos em adultos sem evidências de obstrução nasal, de faixa etária equivalente ao grupo selecionado no presente estudo, obtidos no Laboratório de Fisiologia do Hospital de Reabilitação de Anomalias Craniofaciais (USP).33 Para a identificação de valores rinométricos indicativos de obstrução nasal, foram usados os resultados de Grymer et al.,28 que obtiveram, em um grupo com obstrução nasal, valores de AST1 ao redor de 0,27 cm2.
Para a variável contínua AST1, assumiu‐se a possibilidade da hipótese alternativa bicaudal, com alfa de 5% e beta de 20% (poder de 80%). Considerando que o valor médio de AST1 encontrado por Gomes et al.33 foi de 0,54±0,13 cm2 e assumindo uma magnitude de efeito clinicamente significante como uma redução em 40% do valor de AST1, com desvio‐padrão dos valores de normalidade ao redor de 20%, chegou‐se a uma magnitude padronizada de efeito igual a 2. Para essa magnitude e desvio‐padrão de±0,13 cm2, o n recomendado foi de 8 indivíduos em cada grupo experimental.34
Para a comparação de dados com distribuição normal usou‐se o teste t para amostras independentes e para dados com distribuição não paramétrica, o teste de Mann Whitney. Foram considerados significativos os valores de p <0,05.
ResultadosA tabela 1 mostra as características demográficas, idade, IMC (índice de massa corpórea) e os principais resultados por grupo analisado. Apesar da idade e do IMC mais elevados no grupo SAOS moderada/grave, essa diferença não foi estatisticamente significativa.
Dados demográficos, polissonográficos e rinométricos de indivíduos com ronco primário/SAOS leve e SAOS moderada/grave. Os resultados estão expressos em média±desvio‐padrão
Dados | Variáveis | Ronco primário/SAOS leve (n=9) | SAOS moderada/grave (n=11) |
---|---|---|---|
Demográficos e antropométricos | Idade | 39±11,2 | 47±7,9 |
IMC | 28±4,4 | 31,5±4,4 | |
Polissonográficos | IER | 8,1±4,0a | 47,5±19a |
IAO | 2,0±1,4b | 32,8±18b | |
IH | 5,6±4,1 | 11,6±9 | |
DM | 19,7±2,8c | 24,2±4c | |
SatO2 média | 96±1,4d | 85±10d | |
IDO | 9,4±6,7e | 45±26e | |
Rinométricos (média fossas nasais direita e esquerda) | AST1 | 1,1±0,4 | 1,2±0,3 |
AST2 | 2,1±0,9 | 2,0±0,5 | |
AST3 | 3,5±1,8 | 2,8±0,7 | |
V1 | 3,5±1,0 | 3,6±0,5 | |
V2 | 9,3±5,0 | 7,6±1,5 | |
V3 | 40,2±21,5 | 35,1±6,7 |
SAOS, Síndrome da apneia obstrutiva do sono; IMC, Índice de massa corpórea; IER, Índice de eventos respiratórios por hora; IAO, Índice de apneia obstrutiva por hora; IH, Índice de hipopneia por hora; DM, Duração média em segundos dos eventos respiratórios; SatO2 média, Saturação da oxihemoglobina média; IDO, Índice de dessaturação da oxihemoglobina por hora; AST, Área seccional transversa; V, Volume; n, número de indivíduos.
*Letras iguais indicam diferença estatística significante (p <0,05).
A tabela 1 mostra, adicionalmente, os principais resultados polissonográficos e rinométricos. Verificou‐se que o índice de eventos respiratórios (IER)32 do grupo ronco primário/SAOS leve (G1) foi de 8,1±4 e no grupo SAOS moderada/grave (G2) de 47,5±19 eventos por hora, a diferença foi estatisticamente significativa. O índice de apneia obstrutiva (IAO) foi de 2,0±1,4 e de 32,8±18 eventos por hora, respectivamente, a diferença também foi estatisticamente significativa. Já o índice de hipopneia (IH) não diferiu entre os grupos. A duração média das apneias obstrutivas foi significativamente menor no grupo G1 (19,7±2,8s) do que no G2 (24,2±4 s). A mesma tabela mostra, também, que a saturação de O2 média foi de 96%±1,4% no grupo ronco primário/SAOS leve e de 85%±10% no grupo SAOS moderada/grave e o índice de dessaturação foi de 9,4±6,7 e de 45±26 eventos por hora, respectivamente, as diferenças foram significativas entre os dois grupos. Os demais dados obtidos nos exames poligráficos foram de caráter exploratório e não foram considerados para análise no presente estudo.
Para análise dos dados rinométricos (áreas seccionais transversas e volumes) foram calculadas as médias dos valores de cada parâmetro obtidos na fossa nasal direita e esquerda, a fim de avaliar o nariz como um todo, e não cada fossa nasal separadamente. Assim, as diferenças nos valores médios de AST do grupo ronco primário/SAOS leve (AST1=1,1±0,4; AST2=2,1±0,9; AST3=3,5±1,8 cm2) e do grupo SAOS moderada/grave (AST1=1,2±0,3; AST2=2,0±0,5; AST3=2,8±0,7 cm2), apesar de apresentaram‐se numericamente reduzidos, especialmente nas regiões anteriores e posteriores das conchas nasais inferiores no grupo SAOS moderada/grave, não foram estatisticamente significativas. O mesmo se verificou para os valores médios dos volumes nasais do Grupo G1 (V1=3,5±1,0; V2=9,3±5,0; V3=40,2±21,5 cm3) e do Grupo G2 (V1=3,6±0,5; V2=7,6±1,5; V3=31,5±6,7 cm3).
DiscussãoO presente estudo teve por objetivo estabelecer uma relação entre dimensões internas nasais e gravidade da SAOS. Para esse fim, foram adotados critérios de inclusão e exclusão rígidos, com o intuito de obter uma amostra homogênea. Estudos prévios demonstraram que indivíduos negros apresentam dimensões internas nasais maiores do que os brancos.35,36 Indivíduos do gênero masculino apresentam dimensões nasais internas maiores do que os do gênero feminino33 e indivíduos adultos apresentam dimensões internas nasais maiores do que crianças e adolescentes.37,38 Dessa forma, a fim de evitar vieses de seleção e aumentar a validade interna do estudo, uma amostra de conveniência com indivíduos brancos, adultos e do gênero masculino foi selecionada e avaliada. Pacientes previamente submetidos a cirurgias nasais ou com fraturas nasais, pólipos, tumores e outras doenças nasofaríngeas não foram incluídos na amostra. Adicionalmente, indivíduos em uso de medicações tópicas nasais e sistêmicas que pudessem interferir nas dimensões internas nasais foram excluídos do estudo. Dessa forma, minimizou‐se a possibilidade de inclusão de pacientes com doenças nasais inflamatórias. Corroborando a homogeneidade das duas amostras, não se constatou diferença significante quanto a idade e o IMC entre os grupos.
Em relação aos critérios de gravidade da SAOS, observou‐se que o grupo SAOS moderada/grave apresentou consistentemente valores de IER, IAO e duração máxima das apneias, maiores do que o grupo ronco primário/SAOS leve. Em adição, os parâmetros relacionados à oximetria, como a saturação média, foram significativamente menores no grupo SAOS moderada/grave e o índice de dessaturação apresentou‐se significantemente maior no grupo SAOS moderada/grave. Em suma, esses resultados reforçam a homogeneidade na seleção dos pacientes e mostram que os dois grupos representavam os extremos do espectro da doença. O uso de outros parâmetros, como Apnea‐Hypopneia Desaturation Index (AHDI), que, segundo Otero et. al.,39 apresenta melhor sensibilidade e especificidade para quantificação da intensidade da SAOS, deve ser o foco de futuros estudos. Como o IER não leva em consideração o tempo decorrido durante os eventos respiratórios, bem como a intensidade e a duração das dessaturações, o AHDI poderia representar melhor o espectro de gravidade da SAOS.39 Do mesmo modo, Bosi M. et. al.40 mostraram que dados polissonográficos distintos do IER podem indicar diferentes fenótipos da SAOS.40 Face a essas constatações, novos estudos que correlacionem diferentes parâmetros polissonográficos com dados rinométricos poderiam fornecer informações adicionais valiosas sobre a fisiopatologia das vias áreas na SAOS e indicar os parâmetros clinicamente relevantes.
A rinometria acústica, método consagrado na literatura, foi usada no presente estudo para avaliar o papel do segmento proximal das vias aéreas superiores (cavidades nasais) na gênese da SAOS. Contrariamente à hipótese inicial, qual seja, “quanto maior a gravidade da SAOS menores as dimensões internas nasais”, não se observaram diferenças significativas entre o grupo com ronco primário/SAOS leve e grupo SAOS moderada/grave em todos os parâmetros avaliados (áreas seccionais transversas e volumes). Ressalta‐se, contudo, que os dados referentes especialmente a AST3, V2 e V3 apontam uma tendência a menores dimensões no grupo SAOS moderada/grave, reduções essas da ordem de 20%, 18% e 22%, respectivamente, o que deve ser explorado em estudos futuros. Especula‐se que, com o aumento da amostra, essas diferenças se tornem mais evidentes. Importante ressaltar, também, que as análises rinométricas foram feitas na posição sentada, usada de rotina nos exames do laboratório, inclusive em todos os estudos previamente desenvolvidos pelo grupo, o que possibilita a comparação com resultados previamente descritos.23,30,31,33,38 A influência de outras posições, como o decúbito supino, será alvo de futuras investigações de nosso grupo.
Os estudos que avaliaram a resistência nasal, por meio de rinomanometria, como os de Blakely & Mohwald41 e Atkins et al.,41 em consonância com nossos achados, não identificaram correlação entre resistência ao fluxo nasal e gravidade da SAOS. Em contrapartida, Lofaso et al.11 identificaram em indivíduos com SAOS moderada/grave valores maiores da resistência nasal em comparação ao grupo com ronco primário. Por regressão logística, identificaram que o aumento da resistência nasal foi fator de risco isolado para gênese da SAOS. Essa divergência entre esses estudos e o presente trabalho pode residir no fato de que a resistência nasal é uma medida fluxo‐dependente, ou seja, depende do esforço respiratório feito pelo paciente no momento da aferição. Na rinometria acústica esse problema não existe, já que se trata de uma medida estática. Assim, a comparação de nossos resultados com os estudos que empregaram a rinomanometria é limitada pelas diferenças entre os grupos estudados e as metodologias aplicadas.
Estudos recentes que avaliaram as dimensões internas nasais de pacientes apneicos por meio da rinometria acústica apresentaram resultados divergentes. Rocha et al.42 identificaram menores áreas seccionais transversas na região da válvula nasal na narina direita em pacientes com SAOS moderada e grave, sem diferenças nos volumes nasais. Diferentemente do presente estudo, os autores analisaram as fossas nasais de maneira independente e o grupo de estudo é predominantemente composto por mulheres, o que dificulta a comparação com nossos resultados. Vidigal et al.,43 com desenho experimental semelhante ao nosso, à exceção do grupo de estudo que incluiu homens e mulheres, também não encontrou diferenças nas dimensões nasais internas entre os grupos com e sem SAOS, aferidas por rinometria acústica.
Face aos presentes achados, a influência das dimensões internas nasais na gênese da SAOS ainda permanece controversa. O presente estudo indica que dimensões internas nasais reduzidas não têm influência na intensidade da SAOS. Estudos futuros que analisem as diferenças entre gêneros, etnias e que incluam grupo controle sem sinais e sintomas de SAOS, confirmados por polissonografia, serão de grande valia. Adicionalmente, estudos em andamento no nosso laboratório, que avaliam o fluxo nasal por meio de análise de dinâmica computacional de fluidos e o impacto da resistência ao fluxo aéreo do segmento distal fixo da via área superior, o bloco laríngeo, que remete ao modelo do resistor de Starling, poderão colaborar na elucidação dessa complexa questão.
ConclusãoAs análises feitas no presente estudo mostraram que roncadores primários e indivíduos com SAOS leve, em comparação a indivíduos com SAOS moderada‐grave, apresentam dimensões internas nasais semelhantes. Os resultados apontam, portanto, para a ausência de uma associação entre as dimensões das áreas seccionais nasais reduzidas e maior gravidade da SAOS.
Conflitos de interesseOs autores declaram não haver conflitos de interesse.
Como citar este artigo: Trindade SH, Trindade IE, Silva AS, Araújo BM, Trindade‐Suedam IK, Sampaio‐Teixeira AC, et al. Are reduced internal nasal dimensions a risk factor for obstructive sleep apnea syndrome? Braz J Otorhinolaryngol. 2022;88:399–405.
A revisão por pares é da responsabilidade da Associação Brasileira de Otorrinolaringologia e Cirurgia Cérvico‐Facial.