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Vol. 87. Núm. 3.
Páginas 326-332 (Maio - Junho 2021)
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Vol. 87. Núm. 3.
Páginas 326-332 (Maio - Junho 2021)
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Efeito dos corticosteroides tópicos na patência nasal após exposição aguda à pressão positiva nas vias aéreas
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Leonardo Balsalobrea, Aline Bruno Figueiredob, Rogério Pezatoa,
Autor para correspondência
leo_balsalobre@uol.com.br

Autor para correspondência.
, Reginaldo Raimundo Fujitaa
a Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), Departamento de Otorrinolaringologia/ Cirurgia de Cabeça e Pescoço, São Paulo, Brasil
b Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), São Paulo, SP, Brasil
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Tabelas (3)
Tabela 1. Escala Nasal Obstruction Symptom Evaluation (NOSE)
Tabela 2. Estatística descritiva em 10 indivíduos (uso pré vs. pós‐corticosteroide na pré‐exposição à pressão positiva)a
Tabela 3. Estatística descritiva em 10 indivíduos (pré vs. pós‐uso de corticosteroide na pós‐exposição à pressão positiva)a
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Resumo
Introdução

Congestão e obstrução nasais são relatadas na maioria dos usuários de pressão positiva contínua nas vias aéreas e são frequentemente mencionadas como razões para a falta de aderência. A inflamação basal devida à rinite alérgica pode aumentar ou agravar o efeito inflamatório do alto fluxo de ar na cavidade nasal como resultado da pressão positiva contínua nas vias aéreas e aumentar a intolerância à mesma. Nesse cenário, espera‐se que os esteróides intranasais neutralizem a inflamação nasal causada pela rinite alérgica e/ou pela pressão positiva contínua nas vias aéreas.

Objetivo

Avaliar os efeitos do uso tópico de corticosteroides na patência nasal após exposição aguda à pressão positiva.

Métodos

Dez indivíduos com rinite alérgica foram expostos a uma hora de pressão contínua nas vias aéreas (15cm H2O) na cavidade nasal, fornecida por um dispositivo de pressão positiva contínua nas vias aéreas. A escala visual analógica, a escala Nasal Obstruction Symptom Evaluation, rinometria acústica e pico de fluxo inspiratório nasal foram aplicados antes e após a intervenção. Após 4 semanas de aplicação tópica de esteroide nasal (budesonida), a exposição positiva à pressão foi repetida, bem como as primeiras avaliações.

Resultados

Os pacientes relataram uma melhoria estatisticamente significante tanto na escala visual analógica (p=0,013) quanto na escala Nasal Obstruction Symptom Evaluation (p<0,01). Além disso, as medidas objetivas também foram melhoradas, com aumento do volume da cavidade nasal na rinometria acústica (p=0,02) e aumento do pico de fluxo inspiratório nasal (p=0,012), após o tratamento com corticosteroide.

Conclusão

Em pacientes com rinite alérgica, a terapia com corticosteroide intranasal melhorou os parâmetros objetivos e subjetivos da patência nasal após exposição aguda da cavidade nasal à pressão positiva.

Palavras‐chave:
Nariz
CPAP
Obstrução nasal
Rinite alérgica
Corticosteroide tópico
Texto Completo
Introdução

A apneia obstrutiva do sono (AOS) é um distúrbio altamente prevalente. Em um grande estudo epidemiológico feito em uma metrópole brasileira, verificou‐se que afetava 32,8% da população adulta.1 A AOS é caracterizada por episódios recorrentes de obstrução das vias aéreas superiores ocorrendo durante o sono,2 em combinação com ciclos recorrentes de dessaturação e reoxigenação, hiperatividade simpática e alterações da pressão intratorácica, fragmentação do sono, diminuição da qualidade de vida (QV), comprometimento funcional significativo, aumento do risco de acidentes de trânsito e comorbidades médicas (particularmente cardiovasculares). O tratamento de primeira linha da AOS é a pressão positiva contínua nas vias aéreas (CPAP, Continuous Positive Airway Pressure), que demonstrou reduzir os riscos das complicações mencionadas, melhorar a QV e diminuir a taxa de acidentes automotivos.3 A variação na adesão à terapia, no entanto, limita sua eficácia geral; 46% a 83% dos pacientes apresentam falta de aderência.4 A interface usuário‐máscara, desconforto com a pressão necessária do ar, obstrução e ressecamento nasal e fatores psicológicos e sociais levam à baixa aceitação e não adesão.5

A rinite alérgica (RA) é uma inflamação crônica da mucosa com prevalência de até 25% nos países europeus6 e pode ser um dos fatores responsáveis pelo desconforto relacionado à CPAP em pacientes com AOS. Embora a rinite alérgica e a AOS estejam intimamente associadas, e cada condição possa ser prejudicial à outra,7 ainda não há consenso sobre os efeitos reais da CPAP na cavidade nasal de pacientes com RA. Um artigo publicado recentemente comparou indivíduos com e sem rinite e demonstrou uma diferença nas alterações fisiológicas e biológicas na mucosa nasal dos indivíduos com AOS, mas não encontrou exacerbação dos sintomas nasais.8 Por outro lado, em um estudo anterior, nosso grupo mostrou que indivíduos expostos à pressão positiva contínua na cavidade nasal via CPAP sofreram uma pioria dos parâmetros nasais, principalmente em relação à obstrução nasal. Além disso, em indivíduos com sintomas nasais alérgicos, a pioria é mais grave do que em pacientes sem esses sintomas.9 Portanto, vale a pena considerar que a inflamação basal causada pela RA pode aumentar ou exacerbar o efeito inflamatório do alto fluxo aéreo na cavidade nasal como resultado da CPAP e levar a uma maior intolerância à mesma.

O tratamento com corticosteroides intranasais é fortemente recomendado para pacientes com diagnóstico clínico de RA e sintomas que interferem em sua vida diária.10 Como as queixas nasais são um problema significativo em pacientes com AOS que usam CPAP, avaliar e tratar essas queixas é fundamental para o manejo adequado desses pacientes.8 Nesse cenário, seria esperado que os esteroides intranasais neutralizassem a inflamação nasal causada pela RA e/ou CPAP.

Nesse contexto, o objetivo do presente estudo é avaliar os efeitos do uso tópico de corticosteroides na patência nasal após exposição aguda à pressão positiva.

Método

Este estudo foi feito de janeiro a março de 2018 no Departamento de Otorrinolaringologia e Cirurgia de Cabeça e Pescoço da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), Brasil. O comitê institucional de tica em pesquisa da Unifesp aprovou o projeto sob o número de protocolo 897.279 em 3 de dezembro de 2015. Todos os participantes participaram do estudo voluntariamente e forneceram seu consentimento informado por escrito.

A amostra incluiu indivíduos saudáveis, entre 18 e 30 anos, sem diagnóstico ou histórico de tratamento para distúrbios respiratórios do sono. Todos foram recrutados através de anúncios publicados em todo o campus da Unifesp. Após a triagem, cada participante foi entrevistado para excluir aqueles com fatores que poderiam influenciar a patência nasal:

  • Uso de medicamentos tais como anti‐histamínicos, anti‐hipertensivos, vasoconstritores tópicos, vasodilatadores sistêmicos e corticosteroides tópicos e sistêmicos no mês anterior;

  • Infeção e/ou inflamação nasosinusal no mês anterior;

  • Histórico de tumores e/ou cirurgia nasosinusal anterior;

  • Uso de fumo ou drogas ilícitas; e

  • População indígena.

Os participantes também foram perguntados se apresentavam algum sintoma de alergia nasal, como prurido, espirro ou secreção nasal. Aqueles que responderam positivamente foram submetidos ao teste cutâneo de alergia. Os participantes com teste cutâneo negativo foram excluídos de análises posteriores.

Teste cutâneo de alergia

Os testes cutâneos de alergia foram feitos por inoculação de antígeno no antebraço direito de manhã e a leitura foi feita após 15 minutos. Uma agulha distinta foi usada para cada antígeno em cada paciente.

Todos os extratos de alérgenos tinham a mesma proveniência (padronizada) e as seguintes alergias foram testadas: histamina, Dermatophagoides pteronyssinus,

Dermatophagoides farinae, Blomia tropicalis, Penicillium notatum, Alternaria alternata, Aspergillus fumigatus, cão, gato, Blattella germânica, Periplaneta americana.

A histamina serviu como controle positivo. O teste foi considerado positivo quando um alérgeno resultava no aparecimento de uma pápula com 3mm ou maior; a reação era maior ou igual à causada pela histamina; e o paciente não tinha reação à solução fisiológica.

Exposição à pressão positiva contínua nas vias aéreas

Todos os indivíduos foram expostos a uma hora de pressão positiva contínua nas vias aéreas (15cm H2O) na cavidade nasal, fornecida por um dispositivo de CPAP (F&P Icon, Fisher&Paykel Healthcare Ltd., Auckland, Nova Zelândia) acoplado a uma máscara nasal (Meridian Nasal Mask, ResMed Ltd., Bella Vista, Austrália), com o paciente acordado, na posição sentada. Nenhum medicamento tópico foi colocado no nariz antes ou após a intervenção eescape de ar através da máscara foi descartado.

Os seguintes testes foram feitos e/ou administrados em todos os participantes imediatamente antes e após o uso do equipamento de CPAP:

  • Escala analógica visual (EVA) de obstrução nasal;

  • Escala modificada Nasal Obstruction Symptom Evaluation (NOSE);

  • Rinometria acústica (RAC);

  • Medida do pico do fluxo inspiratório nasal (PFIN).

Escala Visual Analógica (EVA)

Para avaliar a obstrução nasal, foi solicitado a cada participante que pontuasse sua obstrução nasal em uma escala de 0 a 10, com 0=ausência de obstrução nasal e 10=obstrução nasal total (fig. 1).

Figura 1.

Escala Visual Analógica (EVA) de obstrução nasal.

(0,11MB).
Escala modificada Nasal Obstruction Symptom Evaluation (NOSE)

Também aplicamos uma versão adaptada da escala NOSE, na qual os itens referentes à obstrução nasal durante o sono e o exercício foram removidos, pois os indivíduos não faziam atividade física e não dormiam após a exposição à CPAP. Para cada uma das três perguntas, os escores podem variar de 0 a 4, para um escore máximo de 12 pontos (tabela 1).

Tabela 1.

Escala Nasal Obstruction Symptom Evaluation (NOSE)

  Não é um problema  Problema muito leve  Problema moderado  Problema razoavelmente ruim  Problema grave 
1. Congestão nasal ou entupimento nasal 
2. Bloqueio ou obstrução nasal 
3. Dificuldade em respirar pelo nariz 
4. Dificuldade de dormer 
5. Incapaz de obter ar suficiente pelo nariz durante exercício ou esforço 
Rinometria acústica (RAC)

Para avaliação objetiva da patência nasal, os participantes foram submetidos à medida de RAC e PFIN.

A RAC foi feita sem administração de vasoconstritor. O teste foi feito em uma sala tratada acusticamente com todos os fatores necessários para garantir a precisão do procedimento, conforme padronizado pelo International Standardization Committee on the Objective Assessment of the Nasal Airway: cada participante permaneceu 30 minutos em uma sala com ar condicionado (temperatura ajustada a 21°C antes da medida) e a umidade do ambiente foi mantida na faixa de 50% a 60%; a cabeça de cada participante foi estabilizada para garantir o posicionamento adequado do tubo do rinômetro; vaselina foi usada para evitar escape de ar; e os participantes foram instruídos a controlar a respiração. Para garantir a precisão do teste, pelo menos três curvas foram plotadas para cada narina. Após cada medição, a peça nasal era removida da narina, reconectada e uma nova medição era obtida. Os resultados eram considerados adequados se o coeficiente de variabilidade fosse inferior a 10%. As curvas registradas foram usadas para obter uma curva média para cada narina. Os valores dessas curvas médias foram então analisados. O mesmo investigador fez todos os exames. A área da seção transversal entre as distâncias de 0 e 5cm, expressa em cm2, foi uszada para comparação objetiva dos achados.

Pico de fluxo inspiratório nasal (PFIN)

A medida do PFIN foi feita com um medidor de fluxo inspiratório nasal In‐Check (ClementClarke International, Harlow, Reino Unido), equipado com uma máscara facial com almofada de ar. O dispositivo consiste em uma pequena máscara facial conectada a um cilindro de plástico através do qual o ar flui durante uma inspiração forçada. O PFIN foi medido três vezes consecutivas com intervalo de um minuto entre as medições, todas adquiridas com o participante em pé. Os resultados são obtidos imediatamente, como nos medidores de pico de fluxo expiratório usados rotineiramente em pneumologia para avaliar a capacidade expiratória dos pulmões. A maior medida obtida foi usada para análise.

Uso de corticosteroides intranasais

Depois que todas as avaliações basais foram concluídas, todos os pacientes receberam quatro frascos de budesonida 100 mcg e foram instruídos a administrar um spray em cada narina de manhã e à noite. Todos os participantes foram orientados a aplicar o spray adequadamente.

Após 28 dias de administração de budesonida, os participantes foram reexpostos à CPAP. Antes e depois dessa exposição, as escalas EVA e NOSE foram readministradas e as medidas de RAC e PFIN foram feitas novamente, exatamente como antes.

O desenho do estudo é demonstrado na figura 2.

Figura 2.

Desenho do estudo. CE, corticosteroide; EVA, escala visual analógica; NOSE, Nasal Obstruction Symptom Evaluation; PFIN, pico de fluxo inspiratório nasal; RAC, rinometria acústica.

(0,17MB).
Análise estatística

Os dados foram tabulados e analisados com os softwares SPSS v. 22 (IBM Corp., Nova York, NY, EUA) e Prism v. 7 (GraphPad Software Inc., La Jolla, CA, EUA). O teste não paramétrico de Wilcoxon foi usado para avaliar diferenças intragrupo antes e depois da exposição à CPAP. Em todos os casos, os valores de p<0,05 (IC95%) foram considerados estatisticamente significantes.

Resultados

A amostra original era composta por 20 indivíduos; 10 foram excluídos por não atenderaos critérios de inclusão e exclusão. Assim, a amostra final era composta por 10 indivíduos. A média era de 23,5 anos, foram 7 do sexo masculino e 3 do feminino.

Efeito da administração tópica de corticosteroide antes da exposição à pressão positiva

Os resultados das escalas EVA e NOSE, do PFIN e da RAC antes e depois do uso de corticosteroides tópicos, todos antes da exposição à CPAP (amarelo na fig. 2), foram comparados.

Na avaliação subjetiva dos sintomas nasais (escalas EVA e NOSE), os participantes apresentaram melhoria significante após 28 dias de uso tópico de corticosteroide (p=0,02 e p=0,016, respectivamente). Por outro lado, não houve melhoria nos parâmetros objetivos (PFIN e RAC) após a terapia com corticosteroides (p=0,681 e p=0,445, respectivamente) (tabela 2).

Tabela 2.

Estatística descritiva em 10 indivíduos (uso pré vs. pós‐corticosteroide na pré‐exposição à pressão positiva)a

  Pré‐corticosteroide(D0)  Pós‐corticosteroide(D28)  pb 
Escala Visual Analógica  3,7±2,66 (0–8)  1,8±2,25 (0–7)  0,02 
Pico de fluxo inspiratório nasal  113±27,10 (70–60)  121,5 ± 40,69 (50–80)  0,681 
Rinometria acústica  26,37 ± 9,16 (9,22–41,1)  28,78 ± 14,96 (10,51–60,59)  0,445 
Escala NOSE  4,5 ± 3,50 (0–8)  0,9 ± 1,19 (0–4)  0,016 

NOSE, Nasal Obstruction Symptom Evaluation; DP, desvio‐padrão.

a

Valores são expressos em média ± DP (mínimo–máximo).

b

Teste de Wilcoxon.

Efeito do corticosteroide tópico após exposição à pressão positiva

Comparações separadas dos resultados das escalas EVA e NOSE, do PFIN e da RAC antes e depois do uso tópico de corticosteroide, mas após a exposição à CPAP (vermelho na fig. 2), foram feitas.

Após 4 semanas de tratamento tópico com corticosteroides, os pacientes relataram melhoria tanto na EVA (fig. 3) quanto na escala NOSE (fig. 4). Além disso, as medidas objetivas também apresentaram melhoria, com aumento do volume da cavidade nasal na RAC (fig. 5) e aumento do PFIN (fig. 6) (tabela 3).

Figura 3.

Comparação entre os escores da escala visual analógica (EVA) antes e após o uso de esteroide nasal, após exposição à pressão positiva.

(0,09MB).
Figura 4.

Comparação entre os escores da escala NOSE antes e após o uso de esteroide nasal, após exposição à pressão positiva.

(0,1MB).
Figura 5.

Comparação entre os valores de PFIN antes e após o uso de esteroides nasais, após exposição à pressão positiva.

(0,09MB).
Figura 6.

Comparação entre os achados de RAC antes e após o uso de esteroides nasais, após exposição à pressão positiva.

(0,09MB).
Tabela 3.

Estatística descritiva em 10 indivíduos (pré vs. pós‐uso de corticosteroide na pós‐exposição à pressão positiva)a

  Pré‐corticosteroide (D0)  Pós‐corticosteroide (D28)  pb 
Escala Visual Analógica  5,1 ± 3,38 (0–10)  2,4 ± 2,11 (0–6)  0,013 
Pico de fluxo inspiratório nasal  82 ± 35,76 (50–150)  114,5 ± 41,66 (50–160)  0,012 
Rinometria acústica  18,45 ± 8,82 (7,06–31,81)  26,5 ± 12 (11,59–50,17)  0,022 
Escala NOSE  6,3 ± 4,47 (0–12)  1,1 ± 1,66 (0–5)  0,007 

NOSE, Nasal Obstruction Symptom Evaluation; DP, desvio‐padrão.

a

Valores são expressos em média ± DP (mínimo–máximo).

b

Teste de Wilcoxon.

Discussão

O presente estudo demonstrou que o uso de corticosteroides tópicos por indivíduos com RA levou a uma melhoria na patência nasal (medida objetiva e subjetivamente) após exposição aguda à pressão positiva na cavidade nasal.

A RA é uma condição inflamatória crônica da mucosa nasal. Estudos demonstraram que a exposição da mucosa nasal de pacientes alérgicos e não alérgicos à CPAP leva a um aumento nos níveis de neutrófilos nasais.8,11 Um estudo recente de nosso grupo mostrou que a exposição da cavidade nasal à CPAP levou à pioria dos parâmetros nasais, especialmente a patência nasal. Essa deterioração foi ainda pior em indivíduos com sintomas nasais alérgicos.9 Isso nos leva a crer que a CPAP pode exacerbar um estado inflamatório basal da mucosa nasal em pacientes com RA, o que, por sua vez, pode potencializar os efeitos colaterais usuais da terapia com CPAP. Alguns estudos, no entanto, sustentam que a própria CPAP produz uma inflamação nasal subclínica porque, apesar de um aumento detectado de neutrófilos na citologia nasal de usuários de CPAP, não houve pioria dos sintomas nasais em pacientes com RA.8 É digno de nota que esses resultados contraditórios podem ser atribuídos a diferenças na metodologia. Tanto o presente estudo como o estudo anterior do nosso grupo9 avaliaram os parâmetros nasais imediatamente antes e após a exposição à CPAP, enquanto o estudo citológico mencionado anteriormente8 avaliou alterações fisiológicas e biológicas específicas na mucosa nasal de pacientes com AOS após o uso crônico de CPAP, em vez de imediatamente após a exposição à CPAP. Uma hipótese é que o potencial efeito irritativo da pressão contínua na mucosa nasal, principalmente em indivíduos com RA, seja mais intenso durante a terapia com CPAP e, consequentemente, imediatamente após seu uso, pode se tornar menos sintomático algumas horas após a exposição.

Os corticosteroides tópicos são a terapia de escolha de primeira linha para a RA. Esses fármacos atuam localmente na mucosa nasal, principalmente através da regulação da síntese proteica, levam à inibição da produção de várias citocinas pró‐inflamatórias,12 consequentemente reduzem a congestão nasal. Um recente estudo randomizado, controlado por placebo, mostrou uma melhoria significativa na obstrução nasal e no IAH em pacientes com AOS após o tratamento por um mês com fluticasona intranasal.13 Embora nosso estudo não tenha incluído pacientes diagnosticados com AOS, apenas indivíduos com RA, nossa avaliação inicial do efeito de um tratamento de 28 dias de budesonida intranasal mostrou uma melhoria significativa na obstrução nasal subjetiva (EVA e NOSE), corroborou esses achados. Vale ressaltar que não houve melhoria estatisticamente significante na comparação pós‐ e pré‐tratamento desses indivíduos através de parâmetros objetivos (RAC e PFIN).

Entretanto, ao comparar os escores de obstrução nasal – tanto subjetivos (EVA e NOSE) quanto objetivos (RAC e PFIN) – antes e após o uso de corticosteroides tópicos, mas após exposição aguda à pressão positiva via CPAP, foi observada melhoria estatisticamente significante em todos esses parâmetros. Isso nos leva a crer que a exposição aguda à pressão positiva, na verdade, potencializa a irritação crônica da mucosa nasal, o que por sua vez foi atenuada pela terapia tópica com corticosteroides; isso pode até explicar a melhoria nas medidas objetivas da patência nasal, o que não foi observado na comparação anterior sem exposição ao CPAP.

Dois ensaios clínicos randomizados, controlados por placebo,14,15 avaliaram os efeitos da terapia com corticosteroide nasal tópico (fluticasona) na adesão à CPAP. A fluticasona foi associada a algum benefício na duração média do uso de CPAP por noite, mas não houve significância estatística. Ambos os estudos recrutaram grupos não selecionados de pacientes com AOS, sem foco específico em rinite preexistente ou sintomas nasais. Sabe‐se que a resposta clínica aos esteroides nasais é melhor em pacientes com RA do que naqueles sem RA.16 Consequentemente, uma revisão sistemática e uma metanálise deste assunto sugeriram que os esteroides nasais podem melhorar a adesão ao uso da CPAP a uma maior extensão em pacientes com RA do que naqueles com rinite não alérgica.17 O presente estudo mostrou que os corticosteroides nasais tópicos foram eficazes para atenuar os efeitos agudos da pressão positiva na cavidade nasal de indivíduos com RA, principalmente obstrução nasal. É importante notar que os dois estudos citados acima14,15 avaliaram o efeito de esteroides nasais tópicos na adesão à CPAP, enquanto o presente estudo consistiu em avaliações objetivas e subjetivas dos efeitos da exposição aguda à pressão positiva na cavidade nasal antes e após o uso de budesonida tópica.

Uma das limitações deste estudo foi o pequeno número de pacientes. No entanto, deve‐se levar em consideração que a rinite alérgica afeta 10% a 25% da população em geral; portanto, tivemos que recrutar voluntários que estavam dispostos a passar por uma bateria exaustiva de questionários e testes, que tiveram um resultado positivo no teste cutâneo e foram submetidos a dois testes com CPAP. Isso constitui outra limitação: os participantes não tinham apneia do sono e sua exposição à CPAP (por apenas uma hora, enquanto acordados, na posição vertical) diferiu substancialmente da exposição típica de um paciente com AOS (pressão positiva por até 8 horas, dormindo e em decúbito dorsal). Finalmente, a duração da terapia com esteroides intranasais (4 semanas) pode ser considerada outro potencial ponto fraco deste estudo. No entanto, obtivemos resultados significantes.

Conclusão

Em pacientes com rinite alérgica, a terapia com corticosteroide intranasal melhora os parâmetros objetivos e subjetivos da patência nasal após exposição aguda da cavidade nasal à pressão positiva.

Conflitos de interesse

Os autores declaram não haver conflitos de interesse.

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Como citar este artigo: Balsalobre L, Figueiredo AB, Pezato R, Fujita RR. Effect of topical corticosteroids on nasal patency after acute positive airway pressure exposure. Braz J Otorhinolaryngol. 2021;87:326–32.

A revisão por pares é da responsabilidade da Associação Brasileira de Otorrinolaringologia e Cirurgia Cérvico‐Facial.

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