Os schwannomas são tumores benignos das células de Schwann da bainha neural e constituem 8% das neoplasias primárias intracranianas. A origem mais comum ocorre no nervo vestibular1 localizado no ângulo ponto‐cerebelar, corresponde a 51% de todos os tumores de bainha neural. O segundo tipo mais frequente tem sua origem no nervo trigêmeo, pode corresponder a até 8% de todos os schwannomas.
Os schwannomas do nervo vidiano são lesões extremamente raras, com apenas sete casos relatados na literatura.1–6
Os sintomas de schwannomas vidianos podem resultar de compressão de estruturas adjacentes, podem causar dores de cabeça, dor e parestesia facial. A disfunção do próprio nervo vidiano pode provocar ressecamento nasal e diminuição do lacrimejamento.
Conhecimentos sobre esse tipo de tumor e sua apresentação clínica são importantes para o diagnóstico diferencial e o planejamento cirúrgico de tumores da base do crânio, mais precisamente na região da fossa pterigopalatina.
Relato de casoPaciente de 60 anos, sexo feminino, previamente hígida, procurou nosso serviço com queixa de dois meses de redução de sensibilidade na face, à esquerda. Ao exame, apresentava hipoestesia em território dos ramos maxilar (V2) e mandibular (V3) do nervo trigêmeo. Não apresentava outras queixas ou alterações no exame físico. A investigação radiológica com tomografia computadorizada e ressonância magnética de crânio evidenciou uma lesão expansiva ventral e paramediana na base do crânio, à esquerda, de aspecto sólido‐cística, com realce heterogêneo por meio de contraste e extensão intra e extracraniana através do canal do nervo vidiano, que se encontrava alargado (fig. 1).
A e B, Imagens axiais pré‐operatórias de RM T1 com gadolíneo; C e D, Imagens coronais pré‐operatórias de RM T1 com gadolíneo; E e F, Imagens axiais pós‐operatórias de RM T1 com gadolíneo; G e H, Imagens coronais pós‐operatórias de RM T1 com gadolíneo; I, Imagem da neuronavegação intraoperatória, na qual se pode observar o alargamento do canal do nervo vidiano (coronal); J, Imagem da neuronavegação intraoperatória, na qual se pode observar o alcance posterior após a ressecção da lesão.
Optou‐se pelo tratamento cirúrgico endoscópico via endonasal com o objetivo de reduzir o efeito expansivo da lesão e confirmar o diagnóstico. O acesso transpterigoideo foi feito à esquerda, foram possíveis a preservação do pedículo vascular e a confecção de retalho nasosseptal ipsilateral. O tumor podia ser visualizado no seio esfenoidal e na fossa pterigopalatina e distorcia a anatomia local. Deslocava medialmente o segmento paraclival da artéria carótida interna e lateralmente o nervo trigêmeo e o gânglio de Gasser. Após abertura da pseudocápsula do tumor, foi feito o esvaziamento do centro da lesão com uso de aspirador. Uma vez descomprimido, técnica microcirúrgica endoscópica foi usda para dissecção do tumor. Durante o procedimento, identificaram‐se V2 e V3 livres de tumor e a lesão totalmente extradural, com a dura‐máter da fossa média íntegra. Posteriormente, foi identificada e removida a extensão do tumor acima e abaixo da porção petrosa (horizontal) da artéria carótida interna.
A paciente permaneceu com tamponamento nasal durante 48 horas. No quarto dia pós‐operatório, recebeu alta hospitalar sem intercorrências. No décimo dia retornou ao ambulatório com melhoria da hipoestesia facial. A análise histopatológica confirmou o diagnóstico de schwannoma. A RNM feita três meses após a cirurgia evidenciou a ressecção completa da lesão.
DiscussãoSchwannoma do nervo vidiano é um tumor extremamente raro. Com esta descrição, somam‐se oito casos relatados na literatura.
O nervo vidiano, ou nervo do canal pterigoideo, é constituído por fibras parassimpáticas provenientes do nervo petroso superficial maior e por fibras simpáticas originadas do nervo petroso profundo, o qual inervará as glândulas lacrimais e a mucosa do trato aerodigestivo superior.3,4
Anatomicamente, o canal do nervo vidiano se localiza no assoalho do seio esfenoidal, lateralmente ao canal palato‐vaginal, e se estende da fossa pterigopalatina até a foramen lacerum. Em tumores pequenos, essa anatomia pode ser apreciada. No entanto, tumores do canal do nervo vidiano tendem a ser volumosos no diagnóstico e frequentemente a anatomia da região se encontra distorcida.
Dos casos descritos na literatura, a queixa mais comum foi cefaleia e apenas um paciente apresentou sintoma relacionado à função do nervo vidiano, que foi a sensação de ressecamento do palato duro e mole. Nenhum caso apresentou anormalidades lacrimais ou de secreção nasal, que correspondem às principais funções do nervo vidiano. Dois dos seis casos relatados foram achados incidentais e um caso se apresentou como schwannoma bilateral do nervo vidiano.1 Nossa paciente apresentava hipoestesia em território de V2 e V3 por efeito compressivo do tumor, o que foi confirmado no intraoperatório.
A hipótese diagnóstica de schwannoma pôde ser presumida pelas características radiológicas da lesão, que incluem padrão de captação de contraste, remodelamento ósseo e alargamento do canal do nervo vidiano. A ressecção cirúrgica por meio de cirurgia endoscópica endonasal foi a abordagem preferida, conforme a literatura.2,4,5 A cirurgia é considerada o tratamento de escolha de lesões sintomáticas e padrão ouro para o diagnóstico. A conduta expectante ou tratamento com radioterapia podem ser considerados, dependendo do tamanho da lesão e dos sintomas do paciente.
ConclusãoApresentamos um caso raro que deve ser considerado como diagnóstico diferencial em lesões ventrais da base do crânio em que, conforme os demais casos descritos na literatura, a clínica não foi compatível com a função do nervo vidiano. O tratamento cirúrgico endoscópico via transnasal permitiu remoção completa da lesão, com mínima morbidade.
Conflitos de interesseOs autores declaram não haver conflitos de interesse.
Como citar este artigo: Fortes B, Beer‐Furlan A, Balsalobre L, Vellutini E, Stamm A. Endoscopic endonasal access for the treatment of Vidian nerve schwannoma: a case report. Braz J Otorhinolaryngol. 2019;85:670–2.
A revisão por pares é da responsabilidade da Associação Brasileira de Otorrinolaringologia e Cirurgia Cérvico‐Facial.