Um corpo estranho (CE) esofágico migratório é incomum e a migração de um CE para a glândula tireoide é muito rara.1,2 Que seja de nosso conhecimento, apenas 22 desses casos foram relatados na literatura em língua inglesa.1,3 Devido à sua estrutura fina, linear e afiada, espinhas de peixe tendem a se alojar e penetrar na mucosa esofágica no espaço da glândula tireoide devido ao movimento de deglutição.2,3 Se a condição não for tratada, complicações graves e potencialmente fatais podem se desenvolver, como periesofagite, abscesso periesofágico, mediastinite, fístula aortoesofágica, fístula esofágica inominada e ruptura carotídea.1,4 Um diagnóstico rápido é essencial para o manejo de um CE perfurante.1
Neste relato de caso, a paciente desenvolveu um abscesso devido a presença de CE no nível da glândula tireoide.
Relato de casoUma mulher de 67 anos foi atendida na emergência com queixas de disfagia e dor na região cervical, especialmente do lado esquerdo do pescoço. Os sintomas haviam se iniciado nove dias antes, com progressão dos episódios dolorosos. Ela relatava a ingestão acidental de uma espinha de peixe naquele período, não houve melhoria do quadro com o uso de medicamentos anti‐inflamatórios ou analgésicos. No exame físico, foram observados abaulamento cervical, dispneia leve e ausência de febre; o exame laboratorial mostrava leucocitose. A ultrassonografia cervical mostrava uma imagem linear hiperdensa no interior do lóbulo esquerdo da tireoide, com conteúdo associado a detritos, e uma perfuração no esôfago (fig. 1). A tomografia computadorizada (TC) cervical revelou uma coleção justaposta no lóbulo esquerdo da tireoide com um corpo estranho em seu interior (fig. 2). Uma cervicotomia exploradora foi feita para drenar o abscesso e remover o CE. Fibrose e edema de tecidos moles significativos foram observados. O corpo estranho se encontrava justaposto à traqueia, a 2mm da trajetória usual do nervo laríngeo recorrente ipsilateral (figs. 3 e 4). A paciente permaneceu com um tubo nasoenteral por cinco dias, somente após o qual foi administrada dieta oral. Terapia com antibióticos foi iniciada e mantida por 12 dias. Ela recebeu alta no sétimo dia sem queixas e retornou para o acompanhamento sem sintomas.
Quando espinhas de peixe se alojam, isso geralmente ocorre na tonsila palatina, na base da língua, na valécula, no seio piriforme e no esôfago.5,6 A localização de uma espinha de peixe fora da faringe e a subsequente formação de um abscesso na tireoide são situações extremamente raras.2,5 Quanto mais tempo o CE permanecer no esôfago, maior o risco de perfuração e por isso um diagnóstico imediato é essencial.1,2
A radiografia simples do pescoço é frequentemente útil; no entanto, as imagens do CE e da cartilagem da tireoide às vezes se sobrepõem e, portanto, essa técnica não é suficientemente sensível para a identificação consistente da presença de espinhas de peixe.6,7 A TC oferece uma melhor detecção de corpos estranhos finos, pequenos e minimamente calcificados.4 A investigação pré‐operatória também é essencial, pois confirma que um corpo estranho esofágico migrou.4 Alguns estudos foram publicados sobre a utilidade da TC para casos em que há suspeita da presença de uma espinha de peixe presa na região da faringe‐esôfago.1–3 Em nosso caso, identificamos a presença da espinha com a ultrassonografia e confirmamos sua extensão com a TC.
ConclusãoA presença de uma espinha de peixe na glândula tireoide é um caso raro e difícil de diagnosticar, devido à falta de sintomas graves ou característicos.1,5 Entretanto, é muito importante removê‐lo em tempo hábil. A remoção cirúrgica geralmente é feita, mas a tireoidectomia nem sempre é necessária.5
Conflitos de interesseOs autores declaram não haver conflitos de interesse.
Como citar este artigo: Petrarolha SM, Dedivitis RA, Perruccio FG, Quirino IA. Esophagus foreign body in the thyroid gland. Braz J Otorhinolaryngol. 2020;86:S64–S66.
Estudo conduzido no Departamento de Cirurgia de Cabeça e Pescoço, Hospital Ana Costa, Santos, SP, Brasil.
A revisão por pares é da responsabilidade da Associação Brasileira de Otorrinolaringologia e Cirurgia Cérvico‐Facial.