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Vol. 82. Núm. 1.
Páginas 17-25 (Janeiro 2016)
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Estudo experimental sobre os efeitos do subgalato de bismuto no processo inflamatório e de angiogênese em mucosa bucal
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Eduardo Vieira Coutoa, Carlos Roberto Ballinb, Claudia Paraguaçu Pupo Sampaioc, Carlos Augusto Seije Maedad, Carlos Henrique Balline, Camila Soares Dassie, Lilian Yukari Miurae
a Departamento de Otorrinolaringologia, Hospital Universitário Evangélico de Curitiba (HUEC), Curitiba, PR, Brasil
b Departamento de Cirurgia, Universidade Federal do Paraná (UFPR), Curitiba, PR, Brasil. Departamento de Cirurgia, Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR), Curitiba, PR, Brasil
c Departamento de Cirurgia, Universidade Federal do Paraná (UFPR), Curitiba, PR, Brasil. Departamento de Cirurgia, Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR), Curitiba, PR, Brasil. Rinologia Funcional, Irmandade Santa Casa de Misericórdia de Curitiba, Curitiba, PR, Brasil
d Rinologia Funcional, Irmandade Santa Casa de Misericórdia de Curitiba, Curitiba, PR, Brasil
e Departamento de Otorrinolaringologia, Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR), Curitiba, PR, Brasil
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Tabela 1. Identificação das amostras estudadas com subgalato de bismuto
Tabela 2. Identificação das amostras estudadas do grupo controle
Tabela 3. Comparação em relação ao colágeno maduro. Apresentação dos valores de média, mediana, mínimo, máximo e desvio-padrão. Também são apresentados os valores de p dos testes estatísticos
Tabela 4. Comparação em relação ao colágeno imaturo. Apresentação dos valores de média, mediana, mínimo, máximo e desvio-padrão. Também são apresentados os valores de p dos testes estatísticos
Tabela 5. Comparação em relação ao crescimento células inflamatórias. Apresentação dos valores de mediana, mínimo e máximo. Também são apresentados os valores de p dos testes estatísticos
Tabela 6. Avaliação do valor de p. Apresentação dos valores de p dos testes estatísticos
Tabela 7. Comparação em relação ao número de vasos. Apresentação dos valores de mediana, mínimo e máximo. Também são apresentados os valores de p dos testes estatísticos
Tabela 8. Representação os valores de p dos testes estatísticos
Tabela 9. Comparação em relação à angiogênese. Apresentação dos valores de mediana, mínimo e máximo. Também são apresentados os valores de p dos testes estatísticos
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Introdução: O subgalato de bismuto é um sal derivado de metal pesado. A ideia desta pesquisa é avaliar sua interferência em alguma das fases da cicatrização.

Objetivo: Delinear a ação do subgalato em mucosas. Avaliar a relação entre a utilização do subgalato de bismuto e a neoformação de vasos nas feridas em mucosa oral, para evidenciar o possível benefício resultante do seu uso.

Método: Estudo experimental, prospectivo. Utilizou-se sessenta ratos, que foram divididos igualmente em grupo controle e experimento. Foram submetidos a um procedimento cirúrgico onde foi feito uma lesão na mucosa oral dos animais, após, uma solução de soro fisiológico foi aplicada sobre a lesão do grupo controle e sobre a ferida do grupo experimento foi aplicada uma solução de subgalato de bismuto.

Resultados: o grupo experimento apresentou maior reação inflamatória com crescente proliferação monomórfica. Vasos: houve maior proliferação no grupo controle.

Conclusões: Concluiu-se que o subgalato de bismuto teve uma ação negativa no processo de cicatrização, atrasando a velocidade de formação dos neovasos e a cicatrização ideal da ferida operatória.

Palavras-chave:
Cicatrização
Tonsilectomia
Indutores da angiogênese

Introduction: Bismuth subgallate is a salt derived from heavy metal. The aim of this study was to evaluate the effect of this salt on some phases of healing.

Objectives: To assess the effect of subgallate on mucosa and to evaluate the association between the use of bismuth subgallate and neogenesis of vessels in oral mucosal wounds.

Methods: This was a prospective and experimental study. This study used sixty rats, which were divided into control and experimental groups. The animals were submitted to a surgical procedure, which caused oral mucosal injury. A saline solution was applied on the wound of the control group, and in the experimental group, a solution of bismuth subgallate was administrated.

Results: The experimental group showed greater inflammatory reaction with increasing monomorphic proliferation. There was increased vessel proliferation in the control group.

Conclusion: Bismuth subgallate had a negative influence on the healing process, delaying the rate of new vessel formation and optimal wound healing.

Keywords:
Wound healing
Tonsillectomy
Angiogenesis-inducing agents
Texto Completo

Introdução

O subagalato de bismuto, ou oxigalato de bismuto, é uma substância de coloração amarelada, que se apresenta na forma de pó inodoro e sofre descoloração na presença de luz solar.1 É um sal derivado de metal pesado, pouco adsorvido e com forte poder adstringente.2

O dermatol, outro nome dado ao sal, tem sido cada vez mais utilizado pelos profissionais de otorrinolaringologia e odontologia. Devido às suas propriedades adstringentes e hemostáticas, a substância pode ser utilizada de várias formas; dentre elas estão: tratamento tópico de feridas abertas; tratamento de úlceras gastroduodenais, como antidiarreico; para controle do odor em colostomias; em cirurgias odontológicas; manejo da epistaxe; e, empiricamente, em adenotonsilectomias.

A literatura não é objetiva sobre o benefício do subgalato na hemostasia ou no efeito cicatricional, havendo discordância, e nem trabalha os possíveis efeitos pró-cicatricionais, deixando a desejar em se tratando de grupos comparativos ou controle. Contudo, Arroyo Júnior et al.2 afirmam que o subgalato de bismuto atua na ativação do fator 12, que acelera a via intrínseca na cascata de coagulação, o que contribui para o caráter hemostático desse composto. O autor relata também sobre a possibilidade de o subgalato de bismuto inibir a fibrinólise, aumentando, com isso, a fibrose.

De acordo com Hernández-Paz et al.3 (do serviço de otorrinolaringologia do centro de cirurgia ambulatorial de ISSSTE, no México, DF), atualmente estão sendo investigados métodos com o objetivo de diminuir ou evitar a hemorragia trans ou pós-operatória em adenoamigdalectomias. Por este motivo, vários meios têm sido comparados, como o laser, a eletrodissecção, a ablação a frio, o uso de bisturi harmônico ou a radiofrequência. No entanto, nenhuma destas técnicas apresentou 100% de eficácia. Dentro dessa procura por um método ideal, têm sido relatadas duas substâncias derivadas do bismuto (subgalato e subsalicilato de bismuto), as quais apresentam efeitos hemostáticos que ativam o fator XII através da via intrínseca da coagulação. Quando aplicadas topicamente na ferida operatória, logo após a extração do tecido, diminuem significativamente o sangramento.

Padilla et al.4 (do serviço de otorrinolaringologia do Centro Médico Nacional La Raza, IMSS, México, DF) descrevem o subgalato de bismuto como um metal pesado que acelera a formação do coágulo e melhora a hemostasia. Apontam também que alguns autores têm sugerido apenas a adrenalina como princípio ativo que ajuda na hemostasia por seu efeito vasoconstritor. De acordo com Padilla et al., existem poucos estudos que utilizam o subgalato de bismuto sozinho (sem a adrenalina) para demonstrar seu efeito hemostático; tendo isso em vista, propuseram um ensaio clínico comparando o efeito hemostático do subgalato em adenotonsilectomia em relação a um grupo controle em que foi utilizado apenas gaze seca. No presente trabalho, o subgalato de bismuto não demonstrou atividade como agente hemostático para diminuir o sangramento transoperatório.

A ideia desta pesquisa foi avaliar se o subgalato de bismuto promove interferência em alguma das fases da cicatrização, pois, sendo um material de fácil manejo (pó) e de custo reduzido, o seu uso poderia beneficiar a população do ponto de vista cicatricional, caso os estudos indiquem essa correlação.

Muitos serviços de otorrinolaringologia não utilizam o subgalato de bismuto, alegando que o resultado pós-operatório imediato do seu uso não revela benefício, enquanto outros referem grande facilidade no controle de sangramento, quando do uso do mesmo. Os trabalhos, de uma forma geral, enfocam seu uso referindo controle imediato de sangramento pós-operatório.

A cicatrização de ferida ocorre em processos simultâneos, na qual não é possível distinguir o início ou o final de cada um deles; porém, para fins didáticos, divide-se em etapas: coagulação, inflamação, proliferação, contração e remodelação.1 A fase da proliferação é subdividida em reepitelização, fibroplasia e angiogênese.

Uma vez que a angiogênese é uma das importantes fases cicatricionais, se o subgalato de bismuto induzir a uma maior atividade angiogênica, espera-se ter neovasos de forma precoce e maior em termos quantitativos, os quais culminariam com a otimização do processo cicatricional.

A angiogênese ocorre a partir de vasos preexistentes, no soro e na matriz extracelular. Esses novos vasos auxiliam na formação de tecido de granulação, bem como na oferta de nutrientes e oxigênio para os tecidos, tornando-se, então, um processo fundamental para a cicatrização, em que corresponde a 60% do tecido de reparo.5,6

A formação de neovasos é fundamental para a regeneração do tecido, e, para tanto, desenvolvem-se concomitante fatores locais, mediadores químicos, matriz extracelular e gradientes metabólicos.7

Dentre os objetivos deste trabalho, constam como geral o delineamento e a ação do subgalato em mucosas, e como específicos a avaliação da relação entre a utilização do subgalato de bismuto e a neoformação de vasos nas feridas em mucosa oral, possibilitando, assim, evidenciar o possível benefício resultante do seu uso, podendo, por fim, inserir novos protocolos nos serviços de otorrinolaringologia envolvendo o uso do sal, principalmente em cirurgias de cavidade oral.

Método

Procedimento cirúrgico

Os experimentos foram realizados no período de 24 de setembro a 1 de outubro de 2012. Foram utilizados 60 ratos machos (Rattus norvegiccus albinus) da linhagem Wistar, adultos jovens com idade de 110 dias e peso médio entre 250 g e 300 g. O tamanho da amostra foi estimado por estudos realizados na literatura pesquisada, e o projeto seguiu as orientações da Lei 11.797 de 8 de outubro de 2008, regulamentada pelo decreto nº 6899, de 15 de julho de 2009, e as recomendações do Colégio Brasileiro de Experimentação Animal. O trabalho foi realizado sob aprovação do comitê de ética no uso de animais com o número 666.

Os animais foram anestesiados com 0,1 mL / 100 g de peso do animal com uma mistura de 1 mL de ketamina (50 mg) e 1 mL de xilazina 2% (20 mg), por via intramuscular, na porção posterior da coxa. Em seguida, foram posicionados em decúbito ventral e tiveram os membros inferiores e superiores fixados num suporte de madeira (fig. 1). Com o auxílio de um abridor de boca adaptado, foi realizada uma ferida de aproximadamente 0,7 cm de diâmetro em mucosa oral do lado esquerdo, através do uso de uma pinça de biópsia.

Figura 1 Indução de ferida cirúrgica.

Neste ponto do trabalho preferimos realizar a ferida operatória unilateral para diminuir a agressão ao animal e facilitar sua recuperação; o lado esquerdo foi escolhido para padronizar o estudo. Preferimos utilizar a pinça de biópsia em vez de um punch, devido à chance de este segundo material transfixar completamente a parede da cavidade oral do rato. Após o término do ato operatório, os animais receberam dipirona sódica (na dose de 10 mg / kg) por via intramuscular com finalidade analgésica, conforme o que foi proposto e aceito pelo CEUA.

Os animais foram aleatoriamente marcados e divididos em três grupos de dez, e estes foram submetidos à aplicação de 0,5 mg de subgalato de bismuto tópico após ferida com pinça de biópsia. Cada grupo foi reoperado para retirada da ferida e avaliação em 24 horas (GII), três dias (GIII) e sete dias (GIV) após a lesão (fig. 2). Os 30 animais restantes fizeram parte do grupo controle (GI), e também foram divididos em três grupos de dez animais e igualmente avaliados em 24 horas, três dias e sete dias (tabela 1).

Figura 2 Remoção de ferida em D7.

O grupo controle foi tratado através de lavagem da ferida com solução de NaCl 0,9%, conforme preconiza a literatura. O fragmento foi retirado com margem de aproximadamente 0,5 cm de mucosa íntegra em torno da lesão, com profundidade até a musculatura bucal do rato. Imediatamente após o término de cada ato operatório, os animais foram submetidos à eutanásia por dose letal de tiopental sódico intraperitoneal (120 mg/kg). Houve apenas uma perda durante a pesquisa: um animal do grupo controle, número 57 (tabela 2), com cinco dias de pós-operatório.

Análise histológica e imuno-histoquímica

Os resultados do estudo foram descritos por médias, medianas, valores mínimos, valores máximos e desvios-padrão. Para a comparação dos grupos estudo e controle em relação ao percentual de colágeno (maduro e imaturo), e também ao escore de contagem de células e ao número de vasos, foi considerado o teste −não paramétrico de Mann -Whitney. As comparações dos dias de avaliação dentro de cada grupo foram feitas usando-se o teste não paramétrico de Kruskal-Wallis. Valores de p < 0,05 indicariam significância estatística. Os dados foram analisados com o programa computacional SPSS v.20.0.

O segmento destinado à histologia foi estendido sobre papel cartão identificado e, ainda, fixado com alfinetes coloridos para esquematizar a posição da ferida no rato. Na sequência, foi mergulhado em recipiente com formol a 10% por 24 horas. Após este período, foi colocado em bloco de parafina e submetido a cortes de 5 micrômetros.

Os cortes histológicos foram corados por hematoxilina eosina e picrosírius. Para cada lâmina, foi realizada a leitura de três campos, para ambas as colorações, com ampliação de 200 × sobre a área da lesão (figs. 3 e 4).

Figura 3 Máscara empregada para a leitura da coloração com Picrosirius.

Figura 4 Lâmina ilustrando coloração com Picrosirius de íntegra.

Na hematoxilina eosina, avaliou-se o processo inflamatório com contagem das células monomorfonucleares e polimorfonucleares e número de vasos. A coloração picrosírius avalia o colágeno através da birrefringência específica do mesmo, identificando o direcionamento das fibras através de um microscópio de luz polarizada. As fibras mais espessas, e com maior birrefringência, apresentar-se-ão coradas em tons laranja e vermelho, identificando o colágeno tipo I, e as fibras mais finas, e com menor birrefringência, apresentarse-ão coradas em verde, identificando o colágeno tipo III.

O microscópio utilizado era da marca Olympus BX50 com câmaras de captura 3CCD pró-séries, e o programa de captura de imagens foi o pró-plus versão 4.5 da Cybermetics. As imagens foram captadas por uma câmera Dinolite, tendo sido analisadas pelo aplicativo Image plus 4.5 para Windows em computador Pentium III. Após a leitura, foram utilizadas as áreas demarcadas com maior celularidade, as quais foram submetidas a um punch para confecção do TMA − tissue macroarray, para imuno-histoquímica (fig. 5).

Figura 5 Lâminas terminadas e parafina depois de realização de puncionamento.

Após a realização do TMA, o material foi encaminhado para processamento imuno-histoquímico. O marcador utilizado foi o CD34, o qual propiciou a avaliação do processo de angiogênese através da demarcação da proliferação de células endoteliais, uma vez que seu antígeno é uma cadeia simples de glicoproteína transmembrana, associado a células progenitoras hematopoiéticas humanas (fig. 6). A reação antígeno x anticorpo é demarcada por meio de reação química de cor acastanhada, permitindo a quantificação e qualificação do processo reparacional (fig. 7).

Figura 6 Máscara empregada para a leitura do marcador de CD34.

Figura 7 Lâmina ilustrando marcador de CD34 de íntegra.

Análise estatística

A análise foi realizada levando em conta os resultados do estudo, descritos por médias, medianas, valores mínimos, valores máximos e desvios-padrão. Para a comparação dos grupos estudo e controle, foi considerado o teste não paramétrico de Mann-Whitney. As comparações dos dias de avaliação dentro de cada grupo foram feitas usando-se o teste não paramétrico de Kruskal-Wallis.

Resultados

O colágeno é o principal componente da matriz extracelular dos tecidos. Estrutura-se em rede densa e dinâmica resultante da sua constante deposição e reabsorção. A degradação do colágeno se inicia precocemente e é muito ativa durante o processo inflamatório. Através desse processo torna-se possível avaliar a atividade cicatricial principalmente através de sua forma imatura, o colágeno tipo III, o qual está presente em cerca de 40% do tecido de granulação.

Colágeno maduro

Inicialmente, em cada dia de avaliação (1, 3 e 7), testou-se a hipótese nula de que o percentual de colágeno maduro é igual nos dois grupos vs. a hipótese alternativa de percentuais de colágeno maduro diferentes (tabela 3). Em seguida, dentro de cada grupo, testou-se a hipótese nula de que o percentual de colágeno maduro é igual nos três dias de avaliação vs. a hipótese alternativa de que os percentuais não são todos iguais. Não houve diferença no percentual de colágeno maduro no grupo experimento nos dias avaliados (p = 0,180). O mesmo ocorreu com o grupo controle (p = 0326).

Colágeno imaturo

Inicialmente, em cada dia de avaliação (1, 3 e 7), testou-se a hipótese nula de que o percentual de colágeno imaturo é igual nos dois grupos vs. a hipótese alternativa de percentuais de colágeno imaturo diferentes (tabela 4). Em seguida, dentro de cada grupo, testou-se a hipótese nula de que o percentual de colágeno imaturo é igual nos três dias de avaliação vs. a hipótese alternativa de que os percentuais não são todos iguais. O resultado da avaliação do colágeno imaturo não apresentou diferença em relação ao seu percentual nos dias avaliados no controle (p = 0,326) e experimento (p = 0,180).

Contagem de células do processo inflamatório

Inicialmente, em cada dia de avaliação (1, 3 e 7), testou-se a hipótese nula de que o escore de contagem celular do processo inflamatório é igual nos dois grupos vs. a hipótese alternativa de escores diferentes (tabela 5).

Em seguida, dentro de cada grupo, testou-se a hipótese nula de que o escore é igual nos três dias de avaliação vs. a hipótese alternativa de que os escores não são todos iguais. Para o grupo estudo, o resultado do teste indicou a rejeição da hipótese nula (p = 0,016). Considerando-se que foi encontrada diferença significativa entre os dias, estes foram comparados dois a dois (tabela 6).

Para o grupo controle, o resultado do teste indicou a não rejeição da hipótese nula (p = 0,289). Sendo assim, neste grupo, não foi encontrada diferença significativa entre os dias de avaliação em relação ao escore de contagem celular. O grupo experimento apresentou maior reação inflamatória com crescente proliferação monomórfica (p = 0,016).

Número de vasos

Coloração hematoxilina eosina

Inicialmente, em cada dia de avaliação (1, 3 e 7), testou-se a hipótese nula de que o número de vasos é igual nos dois grupos vs. a hipótese alternativa de números de vasos diferentes (tabela 7).

Em seguida, dentro de cada grupo, testou-se a hipótese nula de que o escore é igual nos três dias de avaliação vs. a hipótese alternativa de que os escores não são todos iguais. Houve maior proliferação de vasos no grupo controle (p = 0,006). O grupo experimento não demonstrou proliferação significativa dos vasos nos dias avaliados (p = 0,119) (tabela 8).

Marcador CD34

Inicialmente, em cada dia de avaliação (1, 3 e 7), testou-se a hipótese nula de que o resultado de CD34 é igual nos dois grupos vs. a hipótese alternativa de resultados diferentes (tabela 9). Em seguida, dentro de cada grupo, testou-se a hipótese nula de que o resultado de CD34 é igual nos três dias de avaliação vs. a hipótese alternativa de que os resultados não são todos iguais.

Houve maior proliferação no grupo controle no sétimo dia (p = 0,036); não houve proliferação significativa de vasos no grupo experimento.

Discussão

Tendo em vista a utilização do subgalato de bismuto na prática médica, principalmente na otorrinolaringológica e na dermatológica, procuramos utilizar este estudo como ferramenta para elucidar os benefícios do sal em procedimentos cirúrgicos, já que o mesmo é utilizado de maneira cotidiana em adenoamigdalectomias em vários serviços, principalmente no sul do Brasil. Indiscutivelmente, em nosso serviço notamos certo benefício na sua utilização, já que o subgalato proporciona, além de um possível efeito cicatricial e hemostático, uma melhor visualização dos pontos sangrantes em lesões da orofaringe.

O processo cicatricional envolve várias reações que ocorrem de forma simultânea, e não se consegue, com isso, separar o início e o final de cada etapa. Na teoria, porém, as reações são divididas em etapas: coagulação, inflamação, proliferação, contração e remodelação.1 Esse processo tem como objetivo final a reparação do tecido, mas para isso é necessário que todas as etapas sejam realizadas de maneira satisfatória.

A coagulação inicia-se alguns segundos após a instalação da ferida. Forma-se o coágulo e a matriz extracelular, que contêm compostos químicos (fator de crescimento) e mediadores inflamatórios (citocinas) que contribuem para os processos de reepitelização e contração da ferida.

O processo inflamatório caracteriza-se por hemostasia, migração celular e deposição provisória de matriz. As plaquetas, essenciais à formação desse tampão hemostático, também secretam múltiplos mediadores, incluindo fatores de crescimento liberados na área lesada. Induzidas pela trombina, ainda sofrem a degranulação plaquetária e liberam vários fatores de crescimento, como o derivado de plaquetas (PDGF), o de crescimento transformante-β (TGF-β), o de crescimento epidérmico (EGF), o de crescimento transformante-a (TGF-α) e o fator de crescimento de células endoteliais (VEGF), além de glicoproteínas adesivas, como a fibronectina e a trombospondina, que são importantes constituintes da matriz extracelular provisória.5,6,8

A célula de grande importância no processo cicatricial é o macrófago. Além desse papel na fagocitose de fragmentos celulares, os macrófagos também secretam fatores quimiotáticos que atraem outras células inflamatórias ao local da ferida e produzem prostaglandinas, que funcionam como potentes vasodilatadores, afetando a permeabilidade dos microvasos. Eles também preparam a ferida para a fase proliferativa. A proliferação na formação de cicatriz promove o fechamento da ferida. Essa fase é composta por reepitelização, fibroplasia e angiogênese.

Nesta pesquisa, optou-se por dar enfoque ao processo de angiogênse, visto que ele é fundamental para a cicatrização, correspondendo a 60% do tecido de reparo.5,6 Stashak et al., citados por Souza et al.,9 referem que a angiogênese favorece o tempo de cicatrização por aumentar o aporte de nutrientes e o ingresso celular na região afetada, diminuindo, dessa forma, o tempo de retração da ferida. Balbino et al.10 referem que ocorre a migração das células endoteliais, que atravessam a parede do vaso e, através da matriz extracelular, seguem em direção ao sítio da lesão. Uma vez na região externa do vaso, passam por um processo de diferenciação e adquirem a capacidade de formar novos tubos capilares. As células endoteliais migratórias formam, na parte externa do vaso, um broto capilar que se une ao capilar de origem, restabelecendo o fluxo sanguíneo.

A formação do neovaso começa com a agressão tecidual, com a ativação dos macrófagos e as substâncias que estes produzem. As proteases (plasmina e colagenases) digerem a membrana basal e permitem que as células endoteliais estimuladas pelas citocinas angiogênicas formem o novo novelo vascular que invade a ferida. A angiogênese cessa por apoptose.11,12

O mecanismo responsável pela contração, especificamente, pode se dever ao movimento dos miofibroblastos através da matriz extracelular. Estes possuem em seu citoplasma fibras contráteis de actina e miosina, que se originam de células mesenquimatosas, de mononucleares circulantes ou de fibrócitos situados ao redor da adventícia de vasos sanguíneos locais, processo facilitado pelo TGF-β. Os fibroblastos das margens da ferida apresentam mudança de fenótipo para miofibroblastos, com características funcionais similares ao músculo liso. Estas células encontram-se alinhadas ao redor de depósitos da nova matriz extracelular, fazendo uniões célula a célula e gerando a força de tensão.10

A modelagem do colágeno ocorre pelo equilíbrio entre a síntese e a degradação deste. Este processo é mediado pelas enzimas proteolíticas (metaloproteinases), células epidérmicas, células endoteliais e fibroblastos.11 No remodelamento ocorrem etapas sucessivas de produção, digestão e orientação das fibras de colágeno. As fibras são digeridas pela colagenase, ressintetizadas, rearranjadas de acordo com a organização das fibras do tecido conjuntivo adjacente e ligadas, lateralmente, por ligações covalentes. A quantidade de colágeno aumenta durante as primeiras semanas, e em torno de 21 dias ocorre um equilíbrio entre a produção e a degradação. A resistência da cicatriz é dada pela quantidade de colágeno depositada e pela forma como as fibras estão organizadas, sendo o aumento da resistência maior do que se poderia esperar apenas pela deposição do colágeno. Este processo tem início por volta da terceira semana após o trauma e persiste por meses ou anos.10,13

Em se tratando de recuperação cirúrgica, objetiva-se também a recuperação tissular mais rápida e eficaz. Esta pesquisa propôs-se a avaliar a atividade do subgalato de bismuto na cicatrização de ferida, de modo a melhorar a resposta ao trauma. O subgalato de bismuto, ou oxigalato de bismuto, é uma substância de coloração amarelada, que se apresenta na foram de pó inodoro e sofre descoloração na presença de luz solar.1 É um sal derivado de metal pesado, pouco adsorvido e com forte poder adstringente.2

Esse composto tem sido utilizado com a finalidade de conter hemorragias, em tosilectomia, turbinectomia e em estudo de hepatectomia parcial.2 O subgalato de bismuto − metal pesado, relativamente insolúvel e pouco absorvido no leito cirúrgico, de baixo custo e fácil utilização − tem apresentado boa eficácia como agente hemostático local. Seu mecanismo de ação é atribuído à ativação do fator 12 de coagulação, além de se supor um efeito adstringente local.14

Arroyo Júnior et al.2 também afirmam que o subgalato de bismuto atua na ativação do fator 12, que acelera a via intrínseca na cascata de coagulação, o que contribui para o caráter hemostático desse composto. O autor relata a possibilidade de o subgalato de bismuto inibir a fibrinólise e, com isso, aumentar a fibrose. Essa afirmação corrobora com a intenção do estudo de buscar resultados que mostrem a contribuição do subgalato de bismuto para a cicatrização e, consequentemente, para uma maior formação de neovasos.

Com relação ao processo inflamatório avaliado através do número de células monomorfonucleares e polimorfonucleares, o estudo demonstrou que o grupo experimento teve o tempo de processo inflamatório reduzido, ou seja, o tecido foi exposto a uma reação inflamatória mais rápida, não proporcionando a formação esperada de neocélulas.

Ficou evidenciado que o subgalato de bismuto promoveu uma diferença significativa no padrão inflamatório no sétimo dia, quando promoveu uma redução do processo inflamatório, levando a um status crônico maior que o grupo controle.

Considerando a coloração hematoxilina−eosina, o subgalato de bismuto não promoveu aumento de vasos quando comparados o grupo controle e o grupo experimento. Porém, ao comparar a angiogênese do primeiro com o sétimo dia no grupo controle, encontrou-se um aumento significativo no número de vasos. Tal relação é a esperada dentro do processo fisiológico normal de cicatrização. Ainda sobre o processo de angiogênese, quando estudado pelo método de imuno-histoquímica com o marcador CD34, houve maior proliferação de vasos no grupo controle, o que demonstra que o subgalato inibiu a neoangiogênese no experimento. O sal promoveu um status de cronificação de processo inflamatório, o que poderia justificar a inibição do processo de angiogênese quando comparado ao grupo controle.

Outro fator avaliado neste estudo foi a atividade do colágeno. Afirma-se que o colágeno é a proteína mais abundante do tecido conectivo em fase de cicatrização.15 Essa proteína compõe, principalmente, a matriz extracelular, fazendo parte da fase de remodelamento da cicatrização.

O colágeno tipo I é o mais frequente. Ele é sintetizado pelos fibroblastos, sendo mais predominante em ossos e tendões. O tipo III é mais comumente encontrado em tecidos moles, como vasos sanguíneos, derme e fáscia. A derme sã contém aproximadamente 80% de colágeno tipo I e 20% de colágeno tipo III. Já o tecido de granulação expressa 30 a 40% de colágeno do tipo III, sendo considerado colágeno imaturo.15

Não houve diferença na produção de colágeno, com os grupos controle e experimento apresentando a mesma eficiência.

Conclusão

Levando em consideração o processo de cicatrização na ferida da mucosa dos animais estudados, evidenciou-se uma possível interferência negativa do subgalato de bismuto. O sal proporcionou uma menor exposição do tecido ao processo inflamatório, levando a um status crônico precoce, com certa estabilização no número de vasos, atrasando até mesmo o processo fisiológico de cicatrização e prejudicando a angiogênese.

Quando levamos em conta o estímulo à fibroplasia, seu uso foi indiferente, não interferindo na formação do colágeno, seja na sua forma imatura ou madura.

Contudo, demonstrou-se que o subgalato, levando em conta o processo cicatricial, não proporciona uma melhora na qualidade da cicatrização, e o metal pesado ainda interfere, atrasando a velocidade de formação dos neovasos e a cicatrização ideal da ferida operatória.

Conflitos de interesse

Os autores declaram não haver conflitos de interesse.


Recebido em 15 de setembro de 2013;

aceito em 9 de dezembro de 2014

* Autor para correspondência.

E-mail:eduardovcouto@gmail.com (E.V. Couto).

DOI se refere ao artigo: http://dx.doi.org/10.1016/j.bjorl.2014.12.009

Como citar este artigo: Couto EV, Ballin CR, Sampaio CPP, Maeda CAS, Ballin CH, Dassi CS, et al. Experimental study on the effects of bismuth subgallate on the inflammatory process and angiogenesis of the oral mucosa. Braz J Otorhinolaryngol. 2016;82:17-25.

☆☆ Instituição: Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR), Curitiba, PR, Brasil.

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