Compartilhar
Informação da revista
Vol. 85. Núm. 3.
Páginas 303-309 (Maio - Junho 2019)
Compartilhar
Compartilhar
Baixar PDF
Mais opções do artigo
Visitas
5051
Vol. 85. Núm. 3.
Páginas 303-309 (Maio - Junho 2019)
Artigo original
Open Access
Evaluation of selective attention in patients with misophonia
Avaliação da atenção seletiva em pacientes com misofonia
Visitas
5051
Fúlvia Eduarda da Silvaa,
Autor para correspondência
fes.usp@hotmail.com

Autor para correspondência.
, Tanit Ganz Sanchezb,c
a Universidade de São Paulo (USP), Pós‐Graduação em Ciências, São Paulo, SP, Brasil
b Instituto Ganz Sanchez, São Paulo, SP, Brasil
c Universidade de São Paulo (USP), Faculdade de Medicina, Departamento de Otorrinolaringologia, São Paulo, SP, Brasil
Este item recebeu

Under a Creative Commons license
Informação do artigo
Resume
Texto Completo
Bibliografia
Baixar PDF
Estatísticas
Figuras (3)
Mostrar maisMostrar menos
Tabelas (5)
Tabela 1. Idade dos participantes dos grupos GM, GCZ e GCA e p‐valor da igualdade das médias de idades
Tabela 2. p‐valores do teste t de Student para comparar as médias de idades, duas a duas
Tabela 3. Estatística descritiva da porcentagem (%) de respostas corretas para GM (n = 10) em fase e situação
Tabela 4. Estatística descritiva da porcentagem (%) de respostas corretas para GCZ (n = 10) em fase e situação
Tabela 5. Estatística descritiva da porcentagem (%) de respostas corretas para GCA (n = 20) em fase e situação
Mostrar maisMostrar menos
Abstract
Introduction

Misophonia is characterized by the aversion to very selective sounds, which evoke a strong emotional reaction. It has been inferred that misophonia, as well as tinnitus, is associated with hyperconnectivity between auditory and limbic systems. Individuals with bothersome tinnitus may have selective attention impairment, but it has not been demonstrated in case of misophonia yet.

Objective

To characterize a sample of misophonic subjects and compare it with two control groups, one with tinnitus individuals (without misophonia) and the other with asymptomatic individuals (without misophonia and without tinnitus), regarding the selective attention.

Methods

We evaluated 40 normal‐hearing participants: 10 with misophonia, 10 with tinnitus (without misophonia) and 20 without tinnitus and without misophonia. In order to evaluate the selective attention, the dichotic sentence identification test was applied in three situations: firstly, the Brazilian Portuguese test was applied. Then, the same test was applied, combined with two competitive sounds: chewing sound (representing a sound that commonly triggers misophonia), and white noise (representing a common type of tinnitus which causes discomfort to patients).

Results

The dichotic sentence identification test with chewing sound, showed that the average of correct responses differed between misophonia and without tinnitus and without misophonia (p=0.027) and between misophonia and tinnitus (without misophonia) (p=0.002), in both cases lower in misophonia. Both, the dichotic sentence identification test alone, and with white noise, failed to show differences in the average of correct responses among the three groups (p0.452).

Conclusion

The misophonia participants presented a lower percentage of correct responses in the dichotic sentence identification test with chewing sound; suggesting that individuals with misophonia may have selective attention impairment when they are exposed to sounds that trigger this condition.

Keywords:
Misophonia
Tinnitus
Hyperacusis
Selective attention
Auditory processing
Resumo
Introdução

A misofonia é caracterizada pela aversão a certos sons muito seletivos, que evocam uma forte reação emocional. Tem sido demonstrado que a misofonia, bem como o zumbido, está associada à hiperconectividade entre os sistemas auditivo e límbico. Indivíduos com zumbido incômodo podem ter comprometimento da atenção seletiva, mas isso ainda não foi demonstrado em caso de misofonia.

Objetivo

Caracterizar uma amostra de indivíduos misofônicos e compará‐la com dois grupos controle, um com indivíduos com zumbido (sem misofonia) e o outro com indivíduos assintomáticos (sem misofonia e sem zumbido) em relação à atenção seletiva.

Método

Avaliamos 40 participantes com audição normal: 10 com misofonia, 10 com zumbido (sem misofonia) e 20 sem zumbido e sem misofonia. Para avaliar a atenção seletiva, o teste de identificação de sentenças dicóticas foi usado em três situações: no primeiro, aplicou‐se o teste em português do Brasil. Então, o mesmo teste foi aplicado em duas outras situações, combinado com dois sons competitivos: som de mastigação (representa um som que geralmente desencadeia misofonia) e ruído branco (representa um tipo comum de zumbido que causa desconforto nos pacientes).

Resultados

No teste de identificação de sentenças dicóticas com som de mastigação, observou‐se que a média de respostas corretas diferiu entre os grupos misofonia e sem zumbido e sem misofonia (p=0,027) e entre misofonia e zumbido (sem misofonia) (p=0,002) e, em ambos os casos, foi menor em misofonia. Em relação ao teste feito isoladamente e com ruído branco, nenhuma diferença foi observada na média das respostas corretas nos três grupos (p0,452).

Conclusão

Os participantes do grupo misofonia apresentaram uma menor porcentagem de respostas corretas no teste de identificação de sentenças dicóticas com som de mastigação, sugeriu que indivíduos com misofonia podem ter comprometimento da atenção seletiva quando expostos a sons que desencadeiam a condição.

Palavras‐chave:
Misofonia
Zumbido
Hiperacusia
Atenção seletiva
Processamento auditivo
Texto Completo
Introdução

A misofonia é caracterizada pela aversão a sons seletivos, que geralmente são de baixa intensidade, repetitivos e provocam uma reação emocional forte, abrupta e desproporcional. Tem sido proposto que a misofonia apresenta algumas semelhanças gerais com o zumbido,1 que é um som interno, percebido bilateralmente nas orelhas ou na cabeça, sem ter sido produzido por uma fonte externa.2 Tem sido proposto que a misofonia e o zumbido estejam ambos associados à hiperconectividade entre os sistemas auditivo e límbico,3 sugere‐se que ambos evocam reações exacerbadas aos respectivos sons internos (zumbido) ou externos (misofonia).1

Considerando as semelhanças entre misofonia e zumbido, uma das principais queixas desses pacientes é a dificuldade de desconectar sua atenção dos sons (internos ou externos) na hora de dormir ou durante as tarefas diárias, o que justifica o comprometimento de sua qualidade de vida. De fato, a atenção seletiva prejudicada foi demonstrada em pacientes com zumbido incômodo,4,5 mas não ainda em indivíduos com misofonia.

O Teste de Identificação de Sentenças Dicóticas (DSI), adaptado ao português do Brasil, é uma das ferramentas adequadas para avaliar a atenção seletiva.6 Esse teste é dividido em seis bandas, inclui a avaliação da integração binaural e da escuta direcionada sobre a atenção para as orelhas direita ou esquerda. Durante as etapas consecutivas do teste, duas sentenças diferentes de dez são apresentadas simultaneamente em cada orelha.

Consideramos a hipótese de que indivíduos com misofonia, como já demonstrado para aqueles com zumbido, podem apresentar comprometimento da atenção seletiva. Assim, o objetivo deste estudo foi avaliar a atenção auditiva seletiva em uma amostra de indivíduos com misofonia e dois grupos controle, um com zumbido (sem misofonia) e outro assintomático (sem zumbido e sem misofonia).

MétodoÉtica e desenho do estudo

Este estudo transversal foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa (n° 1458/15) e foi feito em um centro de referência para pacientes com zumbido e/ou misofonia.

Os participantes foram pré‐selecionados a partir de anúncios que continham os objetivos da pesquisa postados em plataforma de mídia social (Facebook) e/ou enviados por e‐mail para uma lista de indivíduos. Todos os recrutados assinaram o formulário de consentimento livre e esclarecido.

Participantes e critérios de inclusão

A amostra do estudo foi composta por três grupos: Misofonia (GM, n = 10), Controle Zumbido (GCZ, n = 10) e Controle Assintomático (GCA, n = 20).

Os seguintes critérios de inclusão foram estabelecidos para todos os grupos: a) Limiares auditivos bilaterais normais, registrados como iguais ou inferiores a 25 dBNA em todas as frequências de 250 a 8000Hz em ambas as orelhas; b) Idade acima de 12 anos de ambos os sexos; c) Capacidade de leitura fluente independentemente do nível educacional.

Para grupos específicos, foram estabelecidos critérios adicionais: d) Para o grupo GM: história clínica de misofonia com uma pontuação de irritação igual ou maior do que seis na escala visual analógica (EVA) de 0 a 10; e) Para o grupo GCZ: ausência de história clínica de misofonia e presença de percepção contínua de zumbido com uma pontuação de irritação igual ou superior a seis na escala visual analógica; f) Para o grupo GCA: ausência de história clínica de misofonia e zumbido.

Para atender ao primeiro critério de inclusão descrito acima, o meato acústico externo e a membrana timpânica de 43 indivíduos foram examinados com um otoscópio Welch Allyn (modelo 19090) e seus limiares auditivos avaliados com um audiômetro calibrado Madson Astera II com fones de ouvido audiométricos Sennheiser HAD 200. Três indivíduos do GCZ foram excluídos por apresentar limiares auditivos anormais em uma ou mais frequências e foram substituídos pelos três voluntários seguintes na lista de espera.

Assim, a amostra final do estudo incluiu indivíduos com as seguintes características:

  • 1)

    GM (n = 10): seis mulheres e quatro homens, média de 31,6 anos, mediana de 31,5 anos.

  • 2)

    GCZ (n = 10): seis mulheres e quatro homens, média de 42,2 anos, mediana de 40,5 anos.

  • 3)

    GCA (n = 20): 12 mulheres e oito homens, média de 31,7 anos, mediana de 30,0 anos.

Procedimentos

A atenção seletiva foi avaliada pela versão em português do Brasil do teste de identificação de sentenças dicóticas (DSI), que permite avaliar a capacidade auditiva de figura‐fundo para sons verbais (identifica sons de fala na presença de outros sons de fala). O reconhecimento de sons verbais na escuta dicótica age como um mecanismo fisiológico auditivo subjacente.6

O teste DSI é composto de: calibração (Fase 1), treinamento (Fase 2), integração binaural (Fase 3), escuta direcionada na orelha direita (Fase 4), escuta direcionada na orelha esquerda (Fase 5) e treinamento (Fase 6). Ele compreende dez frases e duas delas são apresentadas simultaneamente em cada orelha.

Para adaptar essa versão convencional do DSI às necessidades deste estudo, importamos as fases 1 a 5 do teste (a fase 6 foi excluída porque é dirigida à terapia) para o software Audacity, que permite edição, importação e exportação de diferentes formatos de arquivos de áudio. Dois sons de distração foram importados para o software Audacity: 1) Um ruído branco, que representa um tipo comum de zumbido que causa desconforto aos pacientes; 2) Um som de mastigação, que representa um som que comumente desencadeia misofonia. Para assegurar a boa qualidade desses sons, ambos foram editados, tratados e mixados por um profissional especializado que, posteriormente, os transformou em loop para serem apresentados em conjunto com a versão convencional do DSI e permanecerem estáveis durante a apresentação.

O DSI convencional foi aplicado de maneira que cada indivíduo fosse instruído a ler as frases em uma tabela para se familiarizar com os estímulos. Após a calibração (Fase 1), o teste foi aplicado a 50dB NA e envolveu a identificação das frases, com apoio visual para respostas. Nas fases 2 e 3 (treinamento e integração binaural), foi solicitado ao indivíduo que indicasse ambas as sentenças ouvidas no suporte visual; nas fases 4 e 5 (escuta direcionada para a direita e para a esquerda), o indivíduo deveria indicar no apoio visual apenas a sentença fornecida à orelha sob avaliação.7

Após a aplicação do teste conforme descrito acima, as etapas 3 a 5 do teste (DSI) foram repetidas duas vezes, adicionou‐se um dos dois sons de distração acrescentados no Audacity Software de cada vez (ruído branco ou som de mastigação), com razão sinal‐ruído igual a 15dB NA. Para definir a ordem inicial do som de distração a ser apresentado, os indivíduos foram randomizados em 1:1.

Resultados

Considerando que todos os participantes dos três grupos (GM = 10, GCZ = 10, GCA = 20) foram submetidos a três situações diferentes (teste DSI de forma convencional, com ruído branco e com som de mastigação em ordem aleatória de apresentação), esses indivíduos foram avaliados quanto à porcentagem de respostas corretas quando expostos às três fases de cada situação: integração binaural (orelhas direita e esquerda) e escuta direcionada (orelha direita ou esquerda).

A análise da distribuição de sexos mostrou uma ligeira predominância de mulheres em todos os grupos (6/10 em GM e GCZ, 12/20 em GCA), o que os tornou homogêneos. Em relação à distribuição etária, a tabela 1 mostra o valor de p da igualdade das médias das idades com o uso do teste de Welch nos três grupos, consideraram‐se diferentes variâncias. No nível de significância de 5%, como aplicado aos estudos biológicos, há evidências de que as médias não são iguais (p = 0,037). Assim, a tabela 2 mostra os valores de p do teste t de Student para a comparação dessas médias, duas a duas (método de Games‐Howell para comparações múltiplas, consideraram‐se diferentes variâncias). Foi observada diferença apenas entre a média da idade do GCZ e GCA, que era maior no grupo GCZ, mas não entre os grupos GCZ e GM, provavelmente porque o GCA tinha uma amostra maior.8

Tabela 1.

Idade dos participantes dos grupos GM, GCZ e GCA e p‐valor da igualdade das médias de idades

Grupo  Média  EP  Mínimo  Mediana  Máximo  p‐valor 
GM  10  31,60  9,20  14  31,5  48  0,037 
GCZ  10  42,20  10,72  29  40,5  59   
GCA  20  31,75  4,96  25  30,0  45   

EP, Erro padrão; N, tamanho da amostra.

Tabela 2.

p‐valores do teste t de Student para comparar as médias de idades, duas a duas

Comparação  p‐valor 
MédiaGM – MédiaGCA  0,999 
MédiaGCZ – MédiaGCA  0,034 
MédiaGCZ – MédiaGM  0,072 

As tabelas 3‐5 descrevem a porcentagem de respostas corretas para os grupos GM, GCZ e GCA, respectivamente, consideraram‐se as fases do teste (DSI) e a situação. É possível observar a ausência de variação ou pequenos desvios‐padrão nas fases de escuta direcionada dos três grupos, nas quais as porcentagens de respostas corretas são próximas ou iguais a 100%. Também é observado que a média ou a mediana de respostas corretas na orelha direita é maior ou igual às da orelha esquerda para todos os grupos e situações. Em geral, a média ou a mediana da porcentagem de respostas corretas que envolvem a orelha direita foi maior ou igual à média ou mediana da porcentagem de respostas corretas que envolvem a orelha esquerda, para todos os grupos e situações.

Tabela 3.

Estatística descritiva da porcentagem (%) de respostas corretas para GM (n = 10) em fase e situação

Situação  Fase  Média  DP  Mínimo  Mediana  Máximo 
(DSI) testIntegração binaural D  94  6,99  80  95  100 
Integração binaural E  94  6,99  80  95  100 
Escuta direcionada D  100  0,00  100  100  100 
Escuta direcionada E  99  3,16  90  100  100 
(DSI) testecom ruído brancoIntegração binaural D  96  6,99  80  100  100 
Integração binaural E  92  9,19  80  95  100 
Escuta direcionada D  89  31,43  100  100 
Escuta direcionada E  99  3,16  90  100  100 
(DSI) teste comSom de mastigaçãoIntegração binaural D  91  5,68  80  90  100 
Integração binaural E  81  21,32  30  85  100 
Escuta direcionada D  98  4,22  90  100  100 
Escuta direcionada E  86  27,57  10  95  100 

D, direita; DP, desvio‐padrão; E, esquerda; n, número da amostra.

Tabela 4.

Estatística descritiva da porcentagem (%) de respostas corretas para GCZ (n = 10) em fase e situação

Situação  Fase  Média  DP  Mínimo  Mediana  Máximo 
Teste (DSI)Integração binaural D  93  8,23  80  95  100 
Integração binaural E  91  8,76  80  90  100 
Escuta direcionada D  98  4,22  90  100  100 
Escuta direcionada E  99  3,16  90  100  100 
Teste (DSI)com ruído brancoIntegração binaural D  95  7,07  80  100  100 
Integração binaural E  89  12,87  70  95  100 
Escuta direcionada D  100  0,00  100  100  100 
Escuta direcionada E  100  0,00  100  100  100 
Teste (DSI) com som de mastigaçãoIntegração binaural D  97  6,75  80  100  100 
Integração binaural E  92  7,89  80  90  100 
Escuta direcionada D  100  0,00  100  100  100 
Escuta direcionada E  100  0,00  100  100  100 

D, direita; DP, desvio‐padrão; E, esquerda; n, número da amostra.

Tabela 5.

Estatística descritiva da porcentagem (%) de respostas corretas para GCA (n = 20) em fase e situação

Situação  Fase  Média  DP  Mínimo  Mediana  Máximo 
Teste (DSI)Integração binaural D  93  8,65  70  95  100 
Integração binaural E  92  9,33  80  95  100 
Escuta direcionada D  99  3,08  90  100  100 
Escuta direcionada E  97  6,57  80  100  100 
Teste (DSI)Com ruído brancoIntegração binaural D  94  7,45  80  95  100 
Integração binaural E  86  10,95  60  90  100 
Escuta direcionada D  100  2,24  90  100  100 
Escuta direcionada E  100  0,00  100  100  100 
Teste (DSI) com som de mastigaçãoIntegração binaural D  92  8,34  80  90  100 
Integração binaural E  86  15,69  50  90  100 
Escuta direcionada D  100  2,24  90  100  100 
Escuta direcionada E  100  3,08  90  100  100 

D, direita; DP, desvio‐padrão; E, esquerda; n, número da amostra.

O grupo misofonia apresentou valores mínimos muito baixos no teste (DSI) nas fases com ruído branco na escuta direcionada (orelha direita) e no teste (DSI) com som de mastigação na integração binaural (orelha esquerda) e escuta direcionada (orelha esquerda). A figura 1 mostra os valores individuais da porcentagem de respostas corretas para grupo, situação e fase. Três valores são muito inferiores aos demais, que representam porcentagens de respostas corretas do mesmo indivíduo.

Figura 1.

A, B, C Gráficos Boxplot da porcentagem de resposta correta para as fases e situação nos grupos GM, GCZ e GCA, respectivamente.

(0,43MB).

Para analisar a porcentagem variável de respostas corretas, um modelo de Anova com medidas repetidas e três fatores fixos (grupo, fase e situação) foi ajustado porque todos os indivíduos foram avaliados em três situações em todas as fases.8,9 O efeito dos indivíduos foi considerado como aleatório e a fase e a situação como medidas repetidas. O nível de significância adotado para todas as hipóteses estatísticas foi de 0,05 (5%).

Gráficos de resíduos foram construídos10 e confirmaram que o modelo estava bem ajustado. Não houve evidência de um efeito de interação entre a fase e os outros fatores (p ≥ 0,094). No entanto, há evidências (p ≥ 0,094) de efeito de interação entre o grupo e situação (fig. 2).

Figura 2.

Porcentagem média de respostas corretas para o grupo e situação.

(0,08MB).

Ocorreu diferença estatisticamente significativa na seguinte análise: 1) No estágio de integração binaural, a média das respostas corretas na orelha direita foi maior do que na orelha esquerda (p < 0,001); 2) A média das respostas corretas em cada orelha na fase de escuta direcionada foi maior do que na fase de integração binaural, tanto na orelha direita quanto na orelha esquerda (p < 0,001). Na fase de integração binaural, os três grupos apresentaram menor desempenho quando comparados com a fase de escuta direcionada (fig. 3).

Figura 3.

Porcentagem média de respostas corretas para a fase.

(0,07MB).
Discussão

Inicialmente, tínhamos a intenção de incluir indivíduos com o mesmo gênero e distribuição etária para os três grupos estudados. No entanto, a análise de dados mostrou que os participantes do grupo GCZ apresentavam uma média maior do que os outros dois grupos. Uma possível justificativa é que a prevalência de zumbido aumenta proporcionalmente com a idade,11 afeta 33% dos indivíduos idosos.12 Entretanto, mesmo com a diferença estatística em relação aos outros grupos, a média e mediana da idade dos participantes do grupo GCZ foi inferior a 45 anos, mostraram que nenhum idoso foi incluído. Portanto, acreditamos que essa diferença entre os participantes adultos não tenha sido relevante, se considerarmos os objetivos deste estudo.

A associação entre misofonia e zumbido já foi relatada na literatura. Um estudo anterior13 observou que, entre 149 pacientes com zumbido e hiperacusia, 57% também apresentavam misofonia. Além disso, em uma amostra de pacientes com zumbido e audição normal, 10% também apresentavam misofonia.14 Em nosso estudo, alguns pacientes com misofonia também se queixavam de zumbido. No entanto, esse último sempre foi considerado pelos pacientes como um sintoma secundário e, por esse motivo, eles não foram excluídos do estudo.

Embora a atenção seja um tópico que ainda não foi abordado na misofonia, há algumas evidências que sustentam a afirmação de que a gravidade do zumbido compromete a atenção sustentada.15‐17 O zumbido pode ser causado pelo engajamento anômalo da atenção “de cima para baixo” ou atenção anormal de “baixo para cima”, na qual o ruído interno ganha proeminência quando o ambiente externo é silencioso. Também pode ser uma interação dos dois processos.18 Além disso, as interações entre os processos “de cima para baixo” e “de baixo para cima” contribuem para a alocação de recursos de processamento perceptual limitados para uma ou mais dimensões de parâmetros de som.19 Presumivelmente, os processos de atenção “de cima para baixo” e “de baixo para cima” podem compartilhar recursos neurais, embora suas expressões em redes cerebrais possam depender dos tipos específicos de tarefas, estímulos e os requisitos de desempenho comportamental e cognitivo do procedimento da tarefa.18

Com base nessas informações, a ideia de que os pacientes com misofonia podem apresentar comprometimento da atenção seletiva parece ser coerente. Escolhemos avaliar a atenção seletiva de indivíduos com misofonia através da versão em português do Brasil do teste de identificação de sentenças dicóticas, combinado com dois sons desconfortáveis e que causam distração: ruído branco (um tipo comum de zumbido que causa irritação) e som de mastigação (um som comum que irrita indivíduos misofônicos). Esperávamos identificar comprometimento da atenção seletiva apenas na presença desses sons.

Durante a aplicação do teste (DSI) com mastigação, alguns participantes do grupo GM relataram espontaneamente taquicardia, sudorese, nervosismo e ansiedade no início. No entanto, eles gradualmente se adaptaram a esse som incomum produzido pelo computador. Esses participantes afirmaram que. se o mesmo som fosse produzido por um ser humano próximo a eles na vida real, isso provavelmente tornaria os testes mais difíceis ou mesmo impossíveis de concluir. Por sua vez, esses dados podem justificar os resultados ligeiramente diferentes da análise estatística. Por exemplo, na análise de cada grupo, a porcentagem média de respostas corretas manteve‐se estável no Grupo Misofonia em todas as três situações (teste DSI, teste DSI com ruído branco e teste DSI com som de mastigação). Apenas um participante apresentou um desempenho discrepante no teste (DSI) com som de mastigação, nas fases de integração binaural (orelha esquerda) e escuta direcionada à esquerda. Esse participante atribuiu um escore de 10 pontos pelo desconforto causado pela misofonia na escala analógica visual. Além disso, apenas esse participante relatou que seus próprios sons também o incomodavam. Considerando que esse indivíduo atendia perfeitamente aos critérios de seleção e que os sons de gatilho podem influenciar os indivíduos de maneira heterogênea na vida real, decidimos não o excluir do estudo.

A análise das situações mostrou que no teste (DSI) com som de mastigação, os participantes do grupo GM apresentaram uma média menor de respostas corretas do que os grupos GCZ (p = 0,002) e GCA (p = 0,027), o que não ocorreu no teste (DSI) e teste (DSI) com ruído branco. Inicialmente, esses resultados pareceram apresentar alta correspondência com a rotina clínica de atendimento a pacientes com misofonia, quando esses se queixam fortemente de que sua atenção é seletivamente perturbada por sons irritantes específicos, mas não por outros. Os pacientes GCZ e GCA mantiveram os escores das respostas corretas estabelecidas nas três situações. Esses resultados sugerem que a presença de um som externo, similar ou não ao zumbido, não causou comprometimento seletivo da atenção. Esses achados do grupo GCZ não correspondem à observação clínica de que pacientes com zumbido se queixam de seu desempenho nas tarefas diárias quando ouvem seus próprios zumbidos ou sons similares a ele.

Foi interessante notar que a média das respostas corretas na orelha direita foi significativamente maior do que na orelha esquerda (p < 0,001) em todas as fases dos testes para os três grupos. A diferença de desempenho entre as orelhas direita e esquerda na administração de testes auditivos dicóticos pode ocorrer por causa da influência dos núcleos do tronco encefálico na regulação eferente de outras estruturas corticais superiores. Durante a apresentação dicótica de um sinal de fala, aqueles direcionados para o hemisfério não dominante são parcialmente degradados pelos circuitos do hemisfério dominante,20 dessa forma demonstram as diferenças hemisféricas funcionais existentes.21

Além disso, a média das respostas corretas em cada orelha na fase de escuta direcionada foi maior do que na fase de integração binaural, em ambas as orelhas direita e esquerda (p < 0,001) para os três grupos. De acordo com Costa‐Ferreira et al.,22 as dificuldades observadas no estágio de integração binaural, em testes de escuta dicótica, podem ocorrer por causa de alterações nas habilidades de atenção e/ou memória funcional.22

Embora o presente estudo tenha contribuído para o entendimento da atenção seletiva em pacientes com misofonia, algumas limitações precisam ser superadas em estudos futuros: 1) A pequena amostra relativa de pacientes com zumbido e limiar auditivo normal – estabelecida como critérios de inclusão para GCZ – foi difícil de encontrar e optamos por juntar o número de participantes nos grupos GCZ e GM. Concluímos que uma amostra maior teria sido capaz de mostrar um maior número de participantes com porcentagens mais baixas de respostas corretas nos testes de atenção seletiva; 2) Após o início dos testes, observamos pela opinião espontânea de alguns participantes do grupo GM que os sons de distração produzidos por um computador podem ter provocado um impacto menor na atenção seletiva do que o esperado na vida real. Outras metodologias, como o uso de imagens funcionais para mapear a ativação das áreas cerebrais antes, durante e após a presença de sons de gatilho, ajudariam a compreendermos melhor a atenção seletiva em pacientes com misofonia e com o desenvolvimento de estratégias específicas para reduzir a desconforto nesses indivíduos.

Conclusão

Os participantes do Grupo Misofonia apresentaram uma porcentagem menor de respostas corretas no teste de identificação de sentenças dicóticas (DSI) apresentado com som de mastigação adicional quando comparado com a apresentação convencional do teste (DSI) e com a apresentação de um som adicional de ruído branco. Os participantes de ambos os grupos controle (GCZ, com zumbido e GCA, sem zumbido e sem misofonia) não apresentaram diferença significativa na média das respostas corretas em tais testes. Assim, concluímos que a atenção seletiva pode estar prejudicada em pacientes com misofonia, quando são expostos a sons semelhantes aos que desencadeiam seu aborrecimento no cotidiano.

Conflitos de interesse

Os autores declaram não haver conflitos de interesse.

Referências
[1]
M. Edelstein, D. Brang, R. Rouw, V.S. Ramachandran.
Misophonia: physiological investigations and case descriptions.
Front Hum Neurosci, 7 (2013), pp. 296
[2]
D. Mc Fadden.
Tinnitus: facts, theories and treatments.
National Academy Press, (1982), pp. 1-150
[3]
P.J. Jastreboff, J.W. Hazell.
Tinnitus retraining therapy: implementing the neurophysiological model.
Cambridge University Press, (2004),
[4]
C. Stevens, G. Walker, M. Boyer, M. Gallagher.
Severe tinnitus and its effect on selective and divided attention.
Int J Audiol, 46 (2007), pp. 208-216
[5]
I.O. Acrani, L.D. Pereira.
Resolução temporal e atenção seletiva de indivíduos com zumbido.
Pró‐Fono R Atual Cient, 22 (2010), pp. 233-238
[6]
A.N. Andrade, D. Gil, M.C.M. Iorio.
Elaboração da versão em português brasileiro do teste de identificação de sentenças dicóticas.
Rev Soc Bras Fonoaudiol, 15 (2010), pp. 540-545
[7]
A.N. Andrade, M.R. Silva, M.C.M. Iorio, D. Gil.
Influência do grau de escolaridade no teste de identificação de sentenças dicóticas em português brasileiro.
[8]
M.H. Kutner, C.J. Nachtsheim, J. Neter, W. Li.
Applied linear statistical models.
McGraw‐Hill, (2004),
[9]
B.J. Winer, D.R. Brown, K.M. Michels.
Statistical principles in experimental design.
McGraw‐Hill, (1991),
[10]
J.S. Nobre, J. da Motta Singer.
Residual analysis for linear mixed models.
Biom J, 49 (2007), pp. 863-875
[11]
C.C. Esteves, F.N. Brandão, C.G.A. Siqueira, S.A.S. Carvalho.
Audição, zumbido e qualidade de vida: um estudo piloto.
Rev CEFAC, 14 (2012), pp. 836-843
[12]
N. Ahmad, M. Seidman.
Tinnitus in the older adult – epidemiology, pathophysiology and treatment options.
Drugs Aging, 21 (2004), pp. 297-305
[13]
M.M. Jastreboff, P.J. Jastreboff.
Decreased sound tolerance and tinnitus retraining therapy (TRT).
Aust N Z J Audiol, 24 (2002), pp. 74-84
[14]
A. Sztuka, L. Pospiech, W. Gawron, K. Dudek.
DPOAE in estimation of the function of the cochlea in tinnitus patients with normal hearing.
Auris Nasus Larynx, 37 (2010), pp. 55-60
[15]
R.S. Hallam, L. McKenna, L. Shurlock.
Tinnitus impairs cognitive efficiency.
Int J Audiol, 43 (2004), pp. 218-226
[16]
L. McKenna, R. Hallam, L. Shurlock.
Cognitive functioning in tinnitus patients.
Proceedings of the Fifth International Tinnitus Seminar, pp. 589-595
[17]
L. McKenna, R. Hallam.
A neuropsychological study of concentration problems in tinnitus patients.
Proceedings of the Sixth International Tinnitus Seminar, pp. 108-113
[18]
L. Roberts, F. Husain, J. Eggermont.
Role of attention in the generation and modulation of tinnitus.
Neurosci Biobehav Rev, 37 (2013), pp. 1754-1773
[19]
E. Caporello Bluvas, T.Q. Gentner.
Attention to natural auditory signals.
Hear Res, 350 (2013), pp. 10-18
[20]
J. Harris.
Brain lesions, central masking and dichotic speech perception.
Brain Lang, 46 (1994), pp. 96-108
[21]
E. Bocca, C. Calearo, V. Cassinari, F. Migliavaca.
Testing “cortical” hearing in temporal lobe tumors.
Acta Otolaryngol, 45 (1955), pp. 289-304
[22]
M.I.D.C. Costa-Ferreira, N. Zimmermann, C.R. Oliveira, J.C. Rodrigues, F.V. Liedtke, M.L. Prando, et al.
Comunicação, cognição e processamento auditivo: evidências de intersecção em casos de lesão cerebrovascular direita.
Psico, 41 (2010), pp. 21-31

Como citar este artigo: Silva FE, Sanchez TG. Evaluation of selective attention in patients with misophonia. Braz J Otorhinolaryngol. 2019;85:303–9.

A revisão por pares é da responsabilidade da Associação Brasileira de Otorrinolaringologia e Cirurgia Cérvico‐Facial.

Copyright © 2018. Associação Brasileira de Otorrinolaringologia e Cirurgia Cérvico-Facial
Idiomas
Brazilian Journal of Otorhinolaryngology
Opções de artigo
Ferramentas
en pt
Announcement Nota importante
Articles submitted as of May 1, 2022, which are accepted for publication will be subject to a fee (Article Publishing Charge, APC) payment by the author or research funder to cover the costs associated with publication. By submitting the manuscript to this journal, the authors agree to these terms. All manuscripts must be submitted in English.. Os artigos submetidos a partir de 1º de maio de 2022, que forem aceitos para publicação estarão sujeitos a uma taxa (Article Publishing Charge, APC) a ser paga pelo autor para cobrir os custos associados à publicação. Ao submeterem o manuscrito a esta revista, os autores concordam com esses termos. Todos os manuscritos devem ser submetidos em inglês.