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Vol. 86. Núm. 2.
Páginas 264-267 (Março - Abril 2020)
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Vol. 86. Núm. 2.
Páginas 264-267 (Março - Abril 2020)
Relato de Caso
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Facial nerve paralysis as initial symptom of langerhans cell histiocytosis
Paralisia de nervo facial como sintoma inicial de histiocitose de célula de Langerhans
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Onur Ismıa,
Autor para correspondência
dronurismi@gmail.com

Autor para correspondência.
, Rabia Bozdogan Arpacib, Anıl Ozgurc, Elvan Caglar Citakd, Neslihan Etib, Tugce Puturgelia, Yusuf Vayisoglua
a University of Mersin, Faculty of Medicine, Department of Otorhinolaryngology, Mersin, Turquia
b University of Mersin, Faculty of Medicine, Department of Pathology, Mersin, Turquia
c University of Mersin, Faculty of Medicine, Department of Radiology, Mersin, Turquia
d University of Mersin, Faculty of Medicine, Department of Pediatric Oncology, Mersin, Turquia
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Introdução

As células de Langerhans (CL) são células dendríticas que apresentam antígenos, encontradas na epiderme e nos epitélios respiratório e genital.1 Em 1953, Lichenstein introduziu o termo granuloma eosinofílico, doença de Hand‐Schuller‐Christian e doença de Letterer‐Siwe, que são caracterizadas por proliferação clonal de CL. Em 1985, o Workshop da Filadélfia da Sociedade de Histiocitose adaptou o termo histiocitose de células de Langerhans (HCL) e reuniu esses diferentes sinônimos sob um termo.2

A HCL é uma doença muito rara observada em cerca de um caso a cada 2 milhões de crianças, o sexo masculino é mais frequentemente acometido do que o feminino e a idade de manifestação da doença varia entre alguns meses a 15 anos, com um pico de incidência entre um e quatro anos.1 Essa entidade rara pode envolver qualquer parte do corpo como uma lesão solitária ou com o envolvimento de vários sistemas; o envolvimento do osso temporal ocorre em 19 a 25% dos casos, com comprometimento bilateral em 1/3 desses.1 No caso de acometimento da orelha, os sinais e sintomas mais comuns são otorreia crônica resistente ao tratamento com antibióticos, edema retroauricular, perda auditiva, otalgia e massa temporo‐zigomática. A paralisia do nervo facial é um achado muito raro na HCL, com uma incidência média de 2,8%.3

Neste relato de caso, descrevemos um paciente com HCL que apresentou a paralisia facial como sintoma inicial.

Relato de caso

O consentimento por escrito foi obtido dos pais do paciente para a apresentação do caso.

Paciente do sexo masculino de dois anos, saudável em outros aspectos, foi atendido no setor de emergência pediátrica com início agudo de paralisia facial periférica. De acordo com a história obtida de seus pais, ele nunca tinha apresentado queixas de otalgia ou otorreia. Na manhã após acordar, seus pais perceberam que ele não conseguia fechar o olho esquerdo durante o choro. No exame físico, achados otoscópicos revelaram estreitamento do conduto auditivo externo a partir da porção posterior, por uma massa originária da região mastóidea. A visão da membrana timpânica se encontrava parcialmente coberta e uma massa de cor azulada estava presente na orelha média. Ele apresentava paralisia de nervo facial periférico esquerdo de grau IV, de House‐Brackmann. A tomografia de crânio revelou uma massa que envolvia as células mastoideas à esquerda, estendia‐se para a orelha média (fig. 1). A imagem de ressonância magnética do osso temporal demonstrou uma massa hipointensa densamente realçada por contraste, sólida, que obliterava as células aéreas mastoideas e estendia‐se para a parte posterior da orelha interna, sem envolvimento intracraniano (fig. 2). Mastoidectomia e biópsia da massa foram feitas sob anestesia geral. A histopatologia mostrou infiltração com células tumorais com núcleo ortocrômico oval. A coloração imuno‐histoquímica demonstrou coloração positiva com antígenos CD1a e S100 (fig. 3). O diagnóstico foi consistente com HCL. Após consulta na hematologia e oncologia pediátricas, uma avaliação sistêmica foi feita com tomografia abdominopélvica, de pescoço, de tórax e de corpo inteiro. Na cintilografia óssea, verificaram‐se focos metastáticos na mandíbula e calvária, inclusive o osso parietal e vértice. Sete ciclos de esquema de quimioterapia, inclusive tratamento com Vimblastina (Vinko® 1mg/mL. Fármaco Koçak Farma ‐Istambul‐Turquia) e prednisolona oral (Deltacortil® 5mg. Fármaco Pfizer‐Istambul‐Turquia), foram administrados. Nos estudos de imagem de controle verificou‐se uma diminuição da massa pela metade do tumor primário e decréscimo da intensidade de Tc‐99m radioativo nas metástases mandibulares e da calvária. A paralisia facial esquerda do paciente foi totalmente recuperada após o tratamento. O paciente ainda é acompanhado no Departamento de Hematologia e Oncologia Pediátricas.

Figura 1.

Imagem de tomografia computadorizada axial na janela óssea mostra lesão (seta aberta) nas células aéreas mastoideas, com extensão para a cavidade da orelha média (seta branca). Observe a erosão cortical associada no osso mastoideo (seta preta).

(0,08MB).
Figura 2.

Imagem de ressonância magnética axial ponderada em T2 (A) demonstra uma massa hipointensa (seta) que ocupa a cavidade mastoidea esquerda. Imagem pós‐contraste ponderada em T1 (B) revela realce homogêneo dentro da massa (seta).

(0,13MB).
Figura 3.

(A) Setas mostram células tumorais que foram positivamente coradas com CD1a (CD1a, ×400); (B) Setas mostram células tumorais que foram positivamente coradas com S100 (S100, ×400).

(0,23MB).
Discussão

A histiocitose de células de Langerhans é caracterizada pela proliferação patognomônica de CL, histiócitos normalmente encontrados na derme. A etiologia da HCL é desconhecida; várias hipóteses, inclusive processos neoplásicos, imunológicos ou inflamatórios, são investigadas, mas ainda não há evidências sobre a exata patogenia. A HCL não é familiar ou hereditária e não há predominância de etnia. A doença é observada principalmente em ossos chatos de crianças, como costelas, pelve, escápula e crânio. O envolvimento do osso temporal é raro.4

Quando ocorre envolvimento do osso temporal na HCL, é necessário haver um alto nível de suspeita para diagnosticar corretamente essa doença rara, porque os sinais e os sintomas não são específicos e eles se assemelham aos de doenças mais comuns da orelha, tais como otite média supurativa, otite média crônica, pólipos aurais, otite externa e mastoidite aguda. As manifestações iniciais mais comuns são inchaço retroauricular, otorreia crônica, otalgia, perda de audição e sangramento. O envolvimento da orelha interna e perda auditiva neurossensorial são manifestações menos comuns devido à natureza compacta do ápice petroso e cápsula ótica.4

O diagnóstico diferencial de paralisia facial (PF) periférica pediátrica é amplo, inclui paralisia de Bell, infecções como otite média aguda, trauma, anomalias congênitas e, raramente, neoplasias malignas. A maioria dos casos é adquirida e não congênita e o número de ocorrências é muito menor (5‐21/100.000) quando comparado o de pacientes adultos. Os tumores são responsáveis por 2 a 12% de todos os casos pediátricos de paralisia facial. Os tipos mais comuns são leucemia, teratoma, sarcoma de tecidos moles e neuroblastoma.5 Embora a HCL envolva osso temporal em 19 a 25% dos casos, bilateralmente em 1/3 desses,1 a paralisia do nervo facial é um achado muito raro. Na série de Nicollas et al.6 com 42 pacientes, Surico et al.2 com 34 pacientes, McCaffrey et al.7 com 22 pacientes, Fernández Latorre et al.8 com 14 casos, Abdel‐Aziz et al.4 com 12 pacientes e Saliba et al.3 com 10 pacientes, nenhum apresentava paralisia do nervo facial como manifestação inicial ou no decurso da doença. Numa série mais ampla, há quase 50 anos, Tos9 apresentou apenas 2,8% de paralisia facial em 500 pacientes com HCL. Em 1993, Goldsmith et al.10 apresentaram um caso de HCL no ápice petroso com PF. A baixa taxa de paralisia do nervo facial, menor do que a esperada para casos de HCL com envolvimento temporal, pode ter ocorrido pelo fato de apresentar pouca afinidade pelas estruturas neurais. A paralisia facial pode surgir em decorrência do comprometimento do suprimento sanguíneo pela destruição do canal ósseo, e não por invasão neural direta.9

Para o diagnóstico de HCL, o anatomopatológico da amostra da biópsia é obrigatório. Para a biópsia em casos de envolvimento do osso temporal, a mastoidectomia é geralmente necessária, como no nosso caso.3 Na histopatologia, as CL apresentam citoplasma vacuolizado abundante com núcleos ovais vesiculares. A microscopia óptica é insuficiente para o diagnóstico definitivo; a microscopia eletrônica mostra CL imaturas com organelas pentalaminares típicas chamadas de grânulos de Birbeck. Mas, como a microscopia eletrônica não é custo‐efetiva, o diagnóstico histopatológico é principalmente alcançado por coloração imuno‐histoquímica. As células tumorais são coradas positivamente com o antígeno de superfície S‐100 e antígenos CD1 de moléculas de adesão a leucócitos, como no caso do nosso paciente.3

O tratamento de casos de HCL do osso temporal é muito variável entre os autores e as opções incluem cirurgia, radioterapia, quimioterapia e a combinação dessas opções. Entre as opções atuais, a maioria dos autores concorda que a cirurgia deve ser preferível para tumores que podem ser totalmente excisados. A quimioterapia é útil na doença multifocal e deve ser recomendada quando a remoção total cirúrgica não é possível.3 A radiocirurgia estereotáxica e opções de tratamento com corticosteroides intralesionais são tratamentos que também podem ser usados.4 Para o protocolo de quimioterapia, o estágio do tumor é importante.9 De acordo com o grupo de estudo de HCL, o protocolo de HCL I, que consiste em vimblastina+prednisona, é indicado para os casos de doença única multifocal sistêmica ou multissistêmica. O protocolo de HCL II acrescenta etoposídeo ao protocolo de HCL I para a doença sistêmica com risco de disfunção orgânica. O protocolo de HCL III acrescenta metotrexato às duas drogas de tratamento para casos de doença multissistêmica e disfunção orgânica, a HCL I é o protocolo mais usado.4 Não há opção de tratamento aceita globalmente para todos os casos de HCL de ossos temporais, devido ao pequeno número de pacientes. Como nosso caso apresentava um único tumor multifocal sistêmico com envolvimento de ossos temporais, da calvária e mandibulares, preferimos a quimioterapia, inclusive o protocolo de HCL I como opção de tratamento. A cirurgia não foi feita, exceto para procedimento de biópsia, uma vez que o tumor não era passível de excisão total. No período de acompanhamento, a paralisia facial foi totalmente recuperada com quimioterapia do protocolo de HCL I.

O prognóstico de HCL depende do estágio da doença e da idade do paciente. Idade inferior a dois anos, doença multissistêmica e disfunção orgânica são maus fatores prognósticos para casos de HCL.3

Conclusão

No caso de crianças com paralisia facial periférica de início agudo, a histiocitose de células de Langerhans também deve ser considerada no diagnóstico diferencial. O plano de tratamento deve ser feito após exames de imagem, para determinar a disseminação da doença, com uma abordagem multidisciplinar que inclua otorrinolaringologista, oncologista pediátrico e radiologista.

Conflitos de interesse

Os autores declaram não haver conflitos de interesse.

Referências
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J.M. Blumberg, A. Malhotra, X. Wu, R.K. Virk, J.F. Kveton, E.M. Michaelides.
Langerhans cell histiocytosis of the temporal bone with otic capsule involvement.
Clin Neuroradiol, 27 (2017), pp. 163-168
[2]
G. Surico, P. Muggeo, V. Muggeo, V. Conti, C. Novielli, A. Romano, et al.
Ear involvement in childhood Langerhans’ cell histiocytosis.
[3]
I. Saliba, K. Sidani, F. El Fata, P. Arcand, M.C. Quintal, A. Abela.
Langerhans’ cell histiocytosis of the temporal bone in children.
Int J Pediatr Otorhinolaryngol, 72 (2008), pp. 775-786
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M. Abdel-Aziz, M. Rashed, B. Khalifa, A. Talaat, A. Nassar.
Eosinophilic granuloma of the temporal bone in children.
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Y. Ozkale, I. Erol, S. Saygı, I. Yılmaz.
Overview of pediatric peripheral facial nerve paralysis: analysis of 40 patients.
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Head and neck manifestation and prognosis of Langerhans’ cell histiocytosis in children.
Int J Pediatr Otorhinolaryngol, 74 (2010), pp. 669-673
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Histiocytosis X of ear and temporal bone: review of 22 cases.
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Langerhans’ cell histiocytosis of the temporal bone: imaging and follow‐up.
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M. Tos.
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Arch Otolaryngol, 90 (1969), pp. 563-567
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A.J. Goldsmith, D. Myssiorek, E. Valderrama, M. Patel.
Unifocal Langerhans’ cell histiocytosis (eosinophilic granuloma) of the petrous apex.
Arch Otolaryngol Head Neck Surg, 119 (1993), pp. 113-116

Como citar este artigo: Ismı O, Arpaci RB, Ozgur A, Citak EC, Eti N, Puturgeli T, et al. Facial nerve paralysis as initial symptom of langerhans cell histiocytosis. Braz J Otorhinolaryngol. 2020;86:264–7.

Este caso foi apresentado como pôster no 37° Congresso Nacional de Otorrinolaringologia.

A revisão por pares é da responsabilidade da Associação Brasileira de Otorrinolaringologia e Cirurgia Cérvico‐Facial.

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