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Vol. 82. Núm. 2.
Páginas 215-222 (Março 2016)
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Fatores que influenciam a ocorrência de otite media entre crianças sicilianas com infecções de vias aéreas superiores
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Francesco Martinesa, Pietro Salvagoa, Sergio Ferraraa, Giuseppe Messinab, Marianna Muciac, Fulvio Plesciad, Federico Sirecia
a Setor de Otorrinolaringologia, Departamento de Biomedicina Experimental e de Neurociências Clínicas, Universidade dos Estudos de Palermo, Palermo, Itália
b Unidade de Pesquisa das Ciências Esportivas e do Exercício, Universidade dos Estudos de Palermo, Palermo, Itália
c Setor de Audiologia, Departamento de Biopatologia e Biotecnologia Médica e Forense, Universidade dos Estudos de Palermo, Palermo, Itália
d Departamento de Ciências para a Promoção da Saúde, Universidade dos Estudos de Palermo, Palermo, Itália
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Tabelas (4)
Tabela 1. Distribuição dos fatores de risco para OM em grupos de casos e controles: qui-quadrado (χ2), Odds Ratio (OR), valor de p e intervalo de confiança de 95% (IC 95%)
Tabela 1. (cont.)
Tabela 2. Casos: alérgicos vs. não alérgicos. Análise de regressão logística multivariada das recidivas de OM
Tabela 3. Casos: Exposição ao fumo vs. não exposição ao fumo. Análise de regressão logística multivariada das recidivas de OM
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Introdução: A infecção de vias aéreas superiores é uma denominação inespecífica, empregada na descrição de uma infecção aguda envolvendo o nariz, os seios paranasais, a faringe e a laringe. As infecções de vias aéreas superiores em crianças estão frequentemente associadas à disfunção da trompa de Eustáquio, complicando-se com otite média, um processo inflamatório da orelha média. Já foram relatados vários fatores de risco relacionados à otite média, incluindo os ambientais, epidemiológicos e familiares (p. ex., gênero, fatores socioeconômicos e educacionais, exposição ao tabaco, alergia ou duração do aleitamento materno), entretanto, não dispomos de dados sobre sua ocorrência entre crianças sicilianas com infecções de vias aéreas superiores.

Objetivo: Investigar os principais fatores de risco para otite média e sua prevalência em crianças sicilianas com e sem infecções de vias aéreas superiores.

Método: Um estudo de caso-controle de 204 crianças com infecções de vias aéreas superioresa presentando otite média durante um período de monitoração de três semanas e 204 controles saudáveis compatíveis em idade e gênero. Foram relacionadas 17 características com relevância epidemiológica por meio da aplicação de questionários padronizados; também foram realizados testes cutâneos. Foram utilizadas análises univariada e de regressão logística multivariada no exame da associação entre fatores de risco e ocorrência de otite média.

Resultados: A otite média revelou forte associação com famílias numerosas, baixo nível educacional dos pais e escolaridade no terceiro ano de vida (p< 0,05); as crianças demonstraram maior suscetibilidade para ocorrência de otite média em presença de asma, tosse, doença do refluxo laringofaríngeo, ronco e apneia (p < 0,05). Alergia e localização urbana aumentaram o risco de otite média em crianças expostas ao fumo em 166% e 277% (p < 0,05), respectivamente; o efeito conjunto de asma e presença de animais de estimação na população alérgica aumentou o risco de recidiva em 11%, enquanto que, em conjunto, alergia, tosse e coriza aumentaram esse risco em 74%.

Conclusões: As infecções de vias aéreas superiores e otite média são doenças pediátricas comuns, fortemente associadas a baixo nível educacional dos pais (p = 0,0001), exposição ao fumo (p = 0,0001), exposição domiciliar ao mofo (p = 0,0001), refluxo laringofaríngeo (p = 0,0002) e ausência de aleitamento materno (p = 0,0014). Também foi observado aumento do risco de recidivas de otite média em presença de alergia, tosse persistente e coriza (p = 0,0001). Deve-se recomendar a modificação dos fatores de risco identificados para otite média, para uma correta intervenção terapêutica primária.

Palavras-chave:
Otite média; IVAS; Fatores de risco

Introduction: Upper respiratory tract infection is a nonspecific term used to describe an acute infection involving the nose, paranasal sinuses, pharynx and larynx. Upper respiratory tract infections in children are often associated with Eustachian tube dysfunction and complicated by otitis media, an inflammatory process within the middle ear. Environmental, epidemiologic and familial risk factors for otitis media (such as sex, socioeconomic and educational factors, smoke exposure, allergy or duration of breastfeeding) have been previously reported, but actually no data about their diffusion among Sicilian children with upper respiratory tract infections are available.

Objective: To investigate the main risk factors for otitis media and their prevalence in Sicilian children with and without upper respiratory tract infections.

Methods: A case-control study of 204 children with upper respiratory tract infections who developed otitis media during a 3 weeks monitoring period and 204 age and sex-matched healthy controls. Seventeen epidemiologically relevant features were inventoried by means of standardized questionnaires and skin tests were performed. Univariate analysis and multivariate logistic regression analysis were used to examine the association between risk factors and occurrence of otitis media.

Results: Otitis media resulted strongly associated to large families, low parental educational attainment, schooling within the third years of life (p < 0.05); children were more susceptible to develop otitis media in the presence of asthma, cough, laryngopharyngeal reflux disease, snoring and apnea (p < 0.05). Allergy and urban localization increased the risk of otitis media inchildren exposed to smoke respectively of 166% and 277% (p < 0.05); the joint effect of asthmaand presence of pets in allergic population increased the risk of recurrence of 11%, while allergy, cough and runny nose together increased this risk of 74%.

Conclusions: Upper respiratory tract infections and otitis media are common childhood diseases strongly associated with low parental educational attainment (p = 0.0001), exposure to smoke (p = 0.0001), indoor exposure to mold (p = 0.0001), laryngopharyngeal reflux disease (p = 0.0002) and the lack of breast-feeding (p = 0.0014); an increased risk of otitis media recurrences was observed in the presence of allergy, persistent cough and runny nose (p = 0.0001). The modification of the identified risk factors for otitis media should be recommended to realize a correct primary care intervention.

Keywords:
Otitis media
URTI
Risk factors
Texto Completo

Introdução

Infecção do trato respiratório superior (IVAS) é uma denominação inespecífica que descreve uma infecção aguda envolvendo nariz, seios paranasais, faringe e laringe.1,2 De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), a IVAS é responsável por 20% das mortes anuais em crianças com menos de cinco anos, e por 13 mil hospitalizações.3 A IVAS pediátrica frequentemente se complica com uma otite média (OM), processo inflamatório que ocorre na orelha média, com incidência variando de 6-64%.2,4 A OM pode ser classificada de duas formas: (1) OM aguda (OMA), uma doença sintomática aguda caracterizada por dor de ouvido, febre, deficiência auditiva e otorreia (por uma perfuração da membrana timpânica); (2) OM com efusão (OME), doença assintomática caracterizada por uma coleção de líquido na orelha média, associada a um comprometimento leve ou moderado auditivo do tipo condutivo. Muitos episódios de OM se curam espontaneamente em até três meses, aproximadamente 30-40% das crianças sofrem recidiva; e em 5-10% o processo se prolonga por um ano ou mais, resultando em retardo no aprendizado e no desenvolvimento da fala.2,5

Aproximadamente 29-50% de todas as IVASs evoluem com uma OM, particularmente em duas faixas etárias: 6 meses-2 anos e 5-6 anos. As principais razões para essa prevalência em crianças mais novas são: defesa imune ainda insuficientemente desenvolvida, trompa de Eustáquio mais curta e mais horizontalizada e aumento de folículos linfoides e adenoides.6

A trompa de Eustáquio conecta a cavidade timpânica com a nasofaringe, desempenhando um papel essencial no mecanismo de defesa da orelha média e no equilíbrio de sua pressão com a pressão atmosférica; além disso, a trompa de Eustáquio protege a orelha média contra o refluxo de secreções nasofaríngeas e drena as secreções provenientes da orelha média para a nasofaringe.7 Assim, a caixa da orelha média é uma extensão anatômica das vias aéreas através da trompa de Eustáquio e, conforme foi proposto por Nguyen et al., essa estrutura é considerada como um componente do “conceito das vias aéreas unidas”.8 A IVAS viral acarreta inflamação da trompa de Eustáquio, resultando em sua disfunção e na formação de pressão negativa na caixa timpânica, o que permite que secreções infectadas por vírus e bactérias patogênicas que colonizam a nasofaringe invadam a orelha média.9

Objetivo

Já foram descritos fatores de risco ambientais, epidemiológicos e familiares para OM (p. ex., gênero, fatores socioeconômicos e educacionais, exposição ao fumo, alergia ou duração do aleitamento materno),2-5,8,10,11 mas não temos nenhum dado sobre sua ocorrência entre crianças sicilianas com IVAS. Assim, tendo em vista a elevada prevalência (14,43%) de crianças sicilianas afetadas por IVAS,4 examinamos os principais fatores de risco para OM, separadamente e em combinação, com a finalidade de oferecer dados adicionais sobre seu impacto na patogênese da OM.

Método

Desenho do estudo e população

Este estudo foi realizado pelo Setor de Audiologia da Universidade de Palermo entre setembro de 2012 e junho de 2013, com inclusão de 204 crianças (faixa etária, 2-10 anos; 106 meninos e 98 meninas; razão M/F = 1,08) que foram examinadas com suspeita de IVAS no ambulatório de otorrinolaringologia pediátrica; e foram acometidos por OM durante um período de monitoração de três semanas. Além desses participantes, outras 204 crianças saudáveis com idade e gênero compatíveis serviram como controles. O protocolo do estudo foi aprovado pela comissão de ética local (aprovação V5604), e foi obtido consentimento informado por escrito dos pais das crianças antes de sua inclusão no estudo. Não ocorreram desistências. Coletamos história e exame físico completos, inclusive com otoscopia e timpanometria, de todos os pacientes e controles.

Os critérios para o diagnóstico de IVAS no estudo foram: corrimento nasal purulento, tosse, eritema faringotonsilar ou presença de exsudato.11

Os critérios para diagnóstico de OM (OMA e OME) no estudo foram: (1) OMA: surgimento agudo dos sintomas (febre, irritabilidade ou dor de ouvido) e sinais de inflamação da orelha média (presença de nível de líquido, bolhas, hipervascularidade, retração da membrana timpânica), conforme documentação por timpanometria e/ou otoscopia pneumática12; (2) OME: documentação de efusão da orelha média e/ou de bolhas ou de nível hidroaéreo ao exame otoscópico na presença de timpanograma B ou C; e perda auditiva condutiva superior a 25 dB em qualquer das frequências, entre 250 Hz e 4 KHz.4

OM foi considerada como complicação da IVAS nos casos em que o diagnóstico foi realizado em até 21 dias após o início da IVAS.13

Questionário para fatores de risco e testes realizados

Os dados foram coletados com a aplicação de um questionário específico respondido pelos pais das crianças, inquirindo sobre gênero, idade, número de membros da família, situação educacional dos pais, exposição ao fumo (sim/não), localização da residência, presença de animais de estimação, presença de ar-condicionado e/ou mofo, duração do aleitamento materno, atopia familiar , escolaridade, presença ou não de alergia e/ ou asma, de IVAS recorrente com OM (≤ 5 episódios; ≥ 6 episódios), tosse e coriza. Além disso, foram também incluídas perguntas sobre distúrbios respiratórios durante o sono, respiração oral e ronco; episódios de apneia foram documentados por meio da monitorização portátil (modificada) da apneia do sono, com registro de movimentos abdominais e torácicos, posição do corpo, ronco, saturação de oxigênio no sangue, frequência de pulso e fluxo aéreo oronasal (pressão aérea nasal). Algumas crianças também apresentavam doença do refluxo laringofaríngeo (DRLF), documentada por pH-metria esofágica de 24 horas com dois canais. O aparelho de monitoração do pH consistia em uma sonda proximal (situada 2 cm acima do esfíncter esofágico superior) e outra distal (situada 3 cm acima do esfíncter esofágico inferior). “Episódio de refluxo laringoesofágico” foi definido como uma queda no nível de pH para menos de 4 durante 15-30 segundos, medida na sonda proximal imediatamente à exposição do esôfago a ácido, sem ingestão ou deglutição.

Por ocasião da primeira consulta, todos os pacientes foram submetidos a testes cutâneos de puntura para 12 alérgenos perenes e sazonais comuns: Alternaria, Aspergillus, Cladosporium, Penicillium, Ambrosia, mix de gramíneas, mix de árvores, barata, ácaros da poeira, Dermatophagoides farinae e D. pteronyssinus, e epitélio de gato e cão.

Os resultados foram avaliados após 10 minutos. Pápulas medindo 3 mm de diâmetro ou mais do que as pápulas no local do controle negativo foram consideradas positivas.

Em seguida, os casos e controles foram incluídos no estudo de caso-controle, com a finalidade de estabelecer o papel dos diversos fatores de risco para OM.

Métodos estatísticos

A análise estatística foi realizada com o programa de computador Matlab®. Foram obtidos coeficiente de regressão logística parcial (b), Odds Ratio (OR) logística, intervalo de confiança de 95% (IC 95%), análise de regressão logística multivariada e teste de Mantel Haenszel (Odds Ratio Global, gOR), para o estudo da associação entre fatores de risco e OM.

Resultados

Neste estudo, foram recrutadas 408 crianças – 204 casos e 204 controles – com faixa etária de 2-10 anos (média de 5,56 ± 3,30 anos).

A tabela 1 descreve a distribuição de cada fator de risco demográfico, parental e ambiental entre os casos (grupo “A”) e controles (grupo “B”). No grupo A, 86,2% se caracterizavam por terem pais com baixo nível educacional, em comparação com os 70,6% do grupo B (p = 0,0001).

Entre os casos, 15,7% (32/204) tiveram testes cutâneos positivos para alérgenos inalantes e alimentares, enquanto que 16,6% (34/204) dos controles tiveram resultados positivos para atopia (p = 0,78); a análise estatística demonstrou diferença significativa entre os grupos no que tange à prevalência de asma; 7,8% de crianças asmáticas no grupo A vs. 0,9% no grupo B (p = 0,0007).

Não foi observada diferença entre casos e controles com relação à “idade de atendimento à escola”; contudo, 92,1% (188/204) dos casos e 82,3% (168/204) dos controles tinham histórico de frequentar “escolinha” até o terceiro ano de vida.

Do total de crianças estudadas, 26,9% eram expostas à fumaça de cigarro, com prevalência desse fator de risco em 35,3% do grupo A vs. 18,6% do grupo B (p = 0,0001).

Com relação ao fator “residência” (urbana ou rural), foram observadas frequências diferentes no grupo A (76,5% de localização urbana vs. 23,5% rural) e no grupo B (65,7% de localização urbana vs. 34.3% rural) (p = 0,01).

Entre as demais variáveis examinadas na análise univariada, a “presença de animais de estimação” (p = 0,001) e a “exposição domiciliar ao mofo” (p = 0,0001) estavam estritamente correlacionadas à OM.

No grupo A, 60,8% tiveram aleitamento materno vs. 74,5% dos controles (p < 0,05). Foi observada uma diferença significativa na “duração do aleitamento materno” entre esses grupos (p = 0,01).

Os percentuais para “ronco”, “tosse”, “coriza” e “DRLF” foram 54,9%, 72,5%, 88,3% e 7,8% do grupo A, e 14,7%, 42,1%, 38,2% e 0% do grupo B, respectivamente (p < 0,05). Houve diferença estatística na prevalência do fator “familiaridade atópica” entre os grupos (45,1% para os casos, 32,3% para os controles) (p = 0,0087).

O estudo das recidivas demonstrou que 66,6% dos casos apresentaram mais de cinco episódios de OM por ano, em comparação com 49% dos controles (p < 0,001). Com base na análise de regressão logística univariada, ficou evidenciada uma correlação mais robusta entre “recidiva de OM” e baixo nível educacional parental (p < 0,05) e coriza (p < 0,01).

Discussão

IVAS e OM são doenças frequentemente associadas em crianças. Entre 6-64% dos pacientes portadores de IVAS desenvolvem OM, e a prevalência varia consideravelmente na dependência da faixa etária na qual se baseiam as estimativas.2,5 Koch et al.13 (2003), em um estudo de 288 crianças, observaram maior risco entre crianças com 6-23 meses de idade do que em crianças com 0-5 meses; Rupa et al.14 (2012) demonstraram que as IVASs se iniciam em algumas semanas após o nascimento da criança, com aumento progressivo na frequência e com um pico de 72% no 9º mês de vida. Revai et al.5 (2007) relataram uma prevalência de 36% de OM em bebês com IVAS na faixa etária de 6-11 meses, e de 29% no segundo ano de vida. Esses autores também observaram que a prevalência de OM diminui com o passar do tempo. Nossos dados (67% dos casos com 2-5 anos) também sugerem maior suscetibilidade de crianças mais jovens à OM.4,5,15

Concordando com nossos resultados (OR = 1,97; IC 95%: 1,13–3,44; p < 0,05), Rupa et al.14 (2012) constataram que OM ocorreu mais frequentemente em meninos, diferentemente de Koch et al.13 (2003) e Engel et al.15 (1999), que notaram prevalência mais alta entre meninas, mas sem qualquer diferença estatística. No entanto, é possível, de acordo com Tos et al.16 (1978) e com Saim et al.17 (1997), que o gênero possa representar um fator complicador e que os resultados podem ser influenciados por fatores culturais ou por outras doenças infecciosas.

Koch et al.13 (2003) e Zielhuis et al.18 (1990) relataram prevalências mais altas de OM em classes socioeconômicas mais altas. Por outro lado, outros autores tem observado essa condição clínica ser mais comum em indivíduos com situação socioeconômica menos favorecida.13,14,19 Nossos achados demonstraram que o baixo nível educacional dos pais esteve associado a um maior percentual de OM, e que as recidivas de OM foram infrequentes quando os pais apresentavam bom nível educacional. Com efeito, em 86,27% (176/204) dos casos, os pais tinham nível educacional baixo ou médio, comparados aos 70,6% (144/204) pais dos controles (p < 0,001).

De acordo com Martines et al.4 (2011) e Koch et al.13 (2003), “família grande” não é fator de risco para OM. De fato, 82,8% (338/408) de nossa coorte (74,5% do grupo A e 91,2% do grupo B) pertenciam a famílias com mais de quatro membros (p = 0,0001).

Com 60,8% (124/204) de “presença de ar-condicionado” entre as crianças com OM (p = 0,0001), o ar-condicionado poderia ser um fator protetor, embora o WHO Guidelines for Indoor Air Quality: Dampness and Mould20 tenha notificado que, em edificações residenciais e em climas quentes como o da Sicília, o ar-condicionado poderia introduzir umidade excessiva, agentes químicos (empregados no tratamento da água nos sistemas de umidificação) ou microrganismos, promovendo infecções respiratórias. Observamos elevada prevalência de OM (41,2%) entre as 110 crianças expostas ao mofo (p = 0,0001). Concordando com nossos dados, Pettigrew et al.21 (2004) demonstraram recentemente uma íntima relação entre OM e exposição domiciliar ao mofo em 806 bebês (OR = 3,45; IC 95%: 1,36–8,76).

Bergroth et al.22 (2012), demonstraram que o contato com animais de estimação durante a infância pode ter efeito protetor nos sintomas e infecções do trato respiratório; similarmente observamos menor frequência de episódios anuais de OM entre crianças convivendo com animais de estimação desde a mais tenra infância (p < 0,01). Portanto, é possível que o contato com animais possa ajudar na maturação do sistema imunológico, resultando em uma resposta imunológica mais estruturada e na menor duração das infecções.

Tendo em vista que, em geral, a asma está associada a uma rinossinusite (alérgica, não alérgica ou infecciosa),23 pode-se considerar que ela funcione como um “toque de alarme” para um evento flogístico em diferentes lados do sistema respiratório.16,24 No presente estudo, 7,8% dos pacientes asmáticos foram acometidos por OM no período de três semanas após o primeiro exame (p < 0,05). Isso também foi confirmado pela análise multivariada, que evidenciou, em crianças atópicas, um aumento de 11% do risco relativo de OM em presença de asma e animais de estimação (tabela 2).

Com base na análise do efeito conjunto dos fatores de risco, verificamos que a exposição ao fumo aumenta o risco de OM em 277% e em 166%, respectivamente, quando em presença de localização urbana e de alergia (tabela 3). Esses resultados corroboram a hipótese de Nguyen et al.: esses autores propuseram que, especialmente em crianças – nas quais a depuração mucociliar e a anatomia da trompa de Eustáquio ainda estão em desenvolvimento, o efeito conjugado dos fatores de risco pode aumentar exponencialmente os casos de recidiva de OM.8

O papel do aleitamento materno para a proteção do bebê é fato universalmente aceito. Pesquisas científicas, como por exemplo nos estudos resumidos em uma revisão de 2007 para a U.S. Agency for Healthcare Research and Quality (AHRQ) e em uma revisão, também de 2007, para a OMS, constataram muitos benefícios da amamentação na prevenção de IVAS, infecções graves do trato respiratório inferior, gastrenterite inespecífica e OM.25,26 Nossos resultados concordam com esses estudos e também com os estudos de Teele et al.27 (1989) e Zielhuis et al.21 (1990), demonstrando que 71,6% do total das crianças (292/408) não tinham sido amamentadas, ou tinham sido amamentadas por menos de quatro meses; especificamente, 39,2% (80/204) das crianças acometidas por OM não tinham sido amamentadas (p = 0,0014; OR = 10,16).

Ronco habitual (RH) e apneia, que foram observados em 37,2% (76/204) dos casos e em 14,7% (30/204) dos controles, respectivamente, estavam epidemiologicamente ligados a muitos dos mesmos fatores de risco identificados para OM. De acordo com Caylan et al.28 (2006) e Li et al.29 (2010), que concluíram que a presença de ronco está relacionada a uma maior prevalência de OM, evidenciamos que 37,2% do grupo A e 14,7% do grupo de controle apresentavam ronco e/ou apneia (p = 0,0001).

Das 146 crianças com história positiva para mais de cinco episódios por ano de IVAS associados à OM, 93,1% apresentaram episódio de OM durante nosso estudo (p < 0,05); o risco de recidivas de OM aumenta em 74% na presença de alergia, tosse persistente e coriza (p = 0,0001) (tabela 2). Esses dados confirmaram (conforme informação do “Relatório do Painel da 9ª Conferência Internacional de Pesquisa sobre Otite Média”30) que, frequentemente, OM é uma complicação da IVAS, e que uma história de episódios frequentes de OM e IVAS constitui, por si só, um fator de risco, por aumentar a suscetibilidade do hospedeiro às infecções do trato respiratório.31

Com um percentual de 7,8% (16/204) entre crianças com OM (p = 0,0002), DRLF pode ser fator de risco para complicações da IVAS, devido à inflamação da mucosa, que poderia causar obstrução da trompa de Eustáquio.32

Conclusões

IVAS e OM são doenças multifatoriais comuns durante a infância. Esse artigo contribui para o entendimento do papel dos diferentes fatores de risco na ocorrência de OM entre crianças afetadas por IVAS. Especificamente, nossos dados indicaram escolaridade dos pais (p = 0,0001), exposição ao fumo (p = 0,001), exposição domiciliar ao mofo (p = 0,0001), ausência de aleitamento materno (p = 0,0014) e DRLF (p = 0,0002) como os principais fatores de risco para OM; além disso, crianças afetadas por tosse, coriza, asma ou ronco se mostraram mais suscetíveis ao acometimento por OM. Finalmente, observamos maior risco (74%) de recidivas de OM na presença de alergia, tosse persistente e coriza (p = 0,0001). O conhecimento detalhado dos fatores de risco modificáveis, observados nesse estudo, pode contribuir para minimizar as IVAS e suas complicações em crianças.

Conflitos de interesse

Os autores declaram não haver conflitos de interesse.


Recebido em 23 de fevereiro de 2015;

aceito em 10 de abril de 2015

DOI se refere ao artigo: http://dx.doi.org/10.1016/j.bjorl.2015.04.002

Como citar este artigo: Martines F, Salvago P, Ferrara S, Messina G, Mucia M, Plescia F, et al. Factors influencing thedevelopment of otitis media among Sicilian children affected by upper respiratory tract infections. Braz J Otorhinolaryngol. 2016;82:215-22.

* Autor para correspondência.

E-mail:pietrosalvago@libero.it (P. Salvago).

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Brazilian Journal of Otorhinolaryngology
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