O torcicolo congênito após lesão do esternocleidomastóideo (ECM) pode levar à formação de hematoma no interior do músculo ou a uma condição conhecida como fibromatose cervical.
A lesão do ECM pode ocorrer após restrição in utero, infecção, déficit estrutural ou neurológico, neoplasia e traumatismo.1 A história ao nascimento de dificuldades durante o parto foi proposta por uma miríade de autores como o principal fator dessa condição.
A ultrassonografia (USG) de pescoço é a principal modalidade para o diagnóstico. Apesar da regressão espontânea habitual e do prognóstico favorável, essa entidade exige fisioterapia e acompanhamento, pois o não tratamento pode resultar em plagiocefalia, hipoplasia hemifacial e distorção do corpo. Relatamos dois casos de torcicolo secundário à massa no ECM e seu tratamento. Gostaríamos de destacar que a conscientização dessas entidades é prudente para evitar investigações desnecessárias e invasivas.
Caso 1Uma criança de dois meses, cujo parto foi por cesárea com incisão do segmento inferior devido à apresentação pélvica intrauterina com trabalho de parto prolongado, apresentou‐se com edema na parte direita do pescoço desde o nascimento. Segundo a mãe, a USG pré‐natal não revelou qualquer massa cervical nem outras anormalidades. Observou‐se que o inchaço do pescoço no lado direito aumentava gradualmente em tamanho nos últimos dois meses. Apesar do crescente volume da massa, não havia sintomas obstrutivos de acompanhamento e a criança tolerava bem a alimentação. No entanto, a massa cervical causou restrição do movimento do pescoço no lado acometido. Além disso, não havia sinais de infecção ativa e ambos os progenitores perceberam que a criança era ativa.
Clinicamente, a criança era ativa, sem sinais de desconforto respiratório. Após análise da massa cervical, percebeu‐se um edema no lado direito do pescoço que media 3×3cm e se estendia do nível II para III, com consistência firme a rígida, não pulsátil, e sem sinais de inflamação (fig. 1). A pele que recobria não estava fixada à massa. A amplitude de movimento do pescoço limitada foi percebida especialmente no lado acometido. Outros achados do exame físico eram normais. A ultrassonografia (USG) do pescoço revelou uma lesão sólida heterogênea dentro do músculo ECM direito, media 2,8×0,9×2,6cm, sem qualquer aumento observado dentro da lesão no Doppler colorido. Essas características são indicativas de hematoma esternocleidomastóideo direito (fig. 2).
A criança foi encaminhada para fisioterapia e retornou para consulta em três semanas, quando se observou que a massa cervical havia diminuído muito.
Caso 2Criança de cinco meses, nascida de uma mãe primípara, com história de edema cervical do lado direito que aumentara lentamente de tamanho no último mês. Observou‐se que o edema cervical era acompanhado por movimento limitado de pescoço do lado acometido. Os pais alegaram que nenhum edema havia sido notado antes disso. O bebê nasceu por parto vaginal espontâneo (PVE) após um período de trabalho de parto prolongado. Não havia história de traumatismo ou queda e a criança estava bem e ativa em outros aspectos. Os pais não observaram sinais de desconforto respiratório.
O exame físico revelou um edema cervical do lado direito que media 2×3cm, de consistência firme a rígida, não pulsátil, sem sinais de inflamação ativa sobre a região de nível II do esternocleidomastóideo (fig. 3). O torcicolo foi percebido no lado acometido. USG cervical demonstrou ECM direito espessado, fusiforme, com perda de estrias normais e aumento homogêneo da ecogenicidade interna, sem hipervascularização ou acúmulo observado, sugestivo de fibromatose cervical (fig. 4). A criança foi encaminhada para a fisioterapia e, após um período de seis semanas, o edema cervical e o torcicolo desapareceram completamente.
O termo em inglês para torcicolo (wryneck) origina‐se da antiga palavra inglesa wrigan, que significa virar, e pode também ser definido como torcido ou deformado.2 O torcicolo muscular congênito pode ser de três formas: tumor esternomastóideo ou torcicolo com uma massa, torcicolo sem uma massa e torcicolo postural.3 Ambos os pacientes pertenciam ao primeiro grupo: tumores esternomastóideos com uma massa. O torcicolo muscular congênito tem preponderância de 0,4%.3
O tumor de ECM ocorre principalmente em lactentes nascidos de mães primíparas, com quase 60% deles com parto complicado.4 A apresentação pélvica é considerada o fator predominante que leva a sua ocorrência,4 independentemente do tipo de parto, já que a má posição fetal é uma das principais causas de torcicolo congênito. Naturalmente, a fibromatose cervical manifesta‐se duas semanas após o nascimento como edema rígido, imóvel, fusiforme, dentro do ECM, que aumenta de tamanho até quatro semanas de vida. Ocorre mais comumente no lado esquerdo do pescoço.5 Pelo contrário, ambos os pacientes em nossos casos têm massa ECM no lado direito.
Inúmeras teorias foram postuladas em relação ao fator causador de torcicolo, entre elas lesão de parto e isquemia são as mais pesquisadas.6 Traumatismo ao nascimento pode levar a estiramento muscular e formação de hematoma devido ao fluxo venoso obstruído durante o desenvolvimento intrauterino ou durante o parto,5 que precipita necrose inicialmente e, logo após, fibrose seguida do surgimento de pressão secundária nas fibras musculares que causam tumefação do ECM.7 Esse pode ser o caso para o nosso segundo lactente examinado, em que sua mãe primípara foi submetida a trabalho de parto prolongado que teria contribuído para a formação de fibromatose cervical. No entanto, a fibromatose cervical também pode ser o fator causal subjacente do torcicolo, mesmo sem massa cervical evidente. A lesão também pode ter ocorrido devido à posição da cabeça fetal intrauterina e resultou em lesões seletivas do ECM,8 que podem ter levado à formação de hematoma, como em nosso primeiro caso.
A massa do ECM com torcicolo congênito pode ser considerada como um estigma. Os clínicos gerais e pediatras, especialmente, não devem confundi‐la com outras massas cervicais sobre a região de ECM, como cisto branquial, hemangioma, linfangioma, lipoma, cisto sebáceo, neuroblastoma, rabdomiossarcoma, fibrossarcoma,9 higroma cístico ou linfadenopatia cervical, pois isso pode atrasar o diagnóstico e o tratamento subsequente.
A USG é o melhor método para diagnóstico, pois é seguro, rápido e não invasivo. A ultrassonografia com Doppler também pode ser usada para definir a forma de onda de alta resistência. Na ultrassonografia em tempo real, movimento simultâneo entre a massa e o restante do ECM é observado.10 Embora o torcicolo congênito com tumor de ECM possa ser diagnosticado por meio de exame clínico, exames de imagem podem ser necessários, especialmente para confirmar o diagnóstico e descartar outras condições. Quanto à citologia aspirativa por agulha fina, ela pode ser confundida com uma neoplasia fibrosa, devido às características histológicas semelhantes.
Chen et al. relataram que 90% dos torcicolos congênitos desaparecem dentro do período de um ano.11 O torcicolo secundário a massa no ECM é tratado normalmente com fisioterapia, que inclui estiramentos ativo e passivo do ECM no lado acometido. Estima‐se que a fisioterapia tenha uma taxa de sucesso de 90 a 95%.8 Quanto à intervenção cirúrgica, ela é reservada para pacientes com edema persistente de ECM após um ano e para lactentes com anomalias craniofaciais.12 Métodos cirúrgicos comuns incluem excisão do ECM, liberação bipolar de ECM com reconstrução com Z‐plastia da massa muscular8 e tenotomia ou liberação do ECM.
ConclusãoAchados de torcicolo em seu bebê podem deixar qualquer progenitor ansioso; portanto, é de extrema importância que os médicos, especialmente pediatras, estejam cientes dessa entidade e seu tratamento, pois o atraso da fisioterapia adequada pode causar resultados devastadores e uma carga desnecessária tanto aos pais como aos médicos.
Conflitos de interesseOs autores declaram não haver conflitos de interesse.
Como citar este artigo: Saniasiaya J, Mohamad I, Abdul Rahman K. Infantile wryneck: report of 2 cases. Braz J Otorhinolaryngol. 2020;86:389–92.
A revisão por pares é da responsabilidade da Associação Brasileira de Otorrinolaringologia e Cirurgia Cérvico‐Facial.