Lipomas são os tumores de tecidos moles derivados do mesênquima mais comuns no corpo, mas apenas 15% deles estão na região da cabeça e do pescoço.1 Lipomas de cabeça e pescoço geralmente surgem do triângulo cervical posterior e sua incidência na região retrofaríngea é muito rara.2,3 Aqui, apresentamos um caso de lipoma retrofaríngeo que causou disfagia progressiva e apneia obstrutiva do sono (AOS) tratado por excisão cirúrgica transoral. Também revisamos a literatura para discutir o tratamento de lipomas retrofaríngeos que causam apneia obstrutiva do sono. Que seja de nosso conhecimento, o presente caso mostra o maior lipoma retrofaríngeo que causou disfagia e AOS na literatura da língua inglesa.
Relato de casoUm homem de 24 anos com histórico de um ano de ronco progressivo, sonolência diurna excessiva, dispneia e disfagia com materiais sólidos. O exame revelou proeminência da parede faríngea posterior que se estendia da orofaringe à hipofaringe. Na avaliação endoscópica, a epiglote tocava a lesão tumoral e não era possível visualizar as cordas vocais. A mucosa estava intacta e lisa. A polissonografia identificou AOS grave, com índice de apneia‐hipopneia (IAH) de 96,8. A tomografia computadorizada (CT) revelou um tumor retrofaríngeo homogêneo que se estendia do nível C2 até o C6. No exame de ressonância magnética (RM), observou‐se que a lesão se originava na região pré‐vertebral posterior no espaço retrofaríngeo com sinal aumentado em T1 (fig. 1) e T2, bem como sinal atenuado pela supressão do sinal da gordura e nenhuma relação com ossos. Esses achados sugeriram que a lesão retrofaríngea era de origem lipomatosa. A excisão cirúrgica transoral sob anestesia geral foi aconselhada ao paciente. Após intubação orotraqueal, um retrator oral foi usado. A incisão vertical foi feita na mucosa faríngea posterior com cautério unipolar, dissecou‐se o músculo constritor superior e a fáscia cervical profunda, seguida da dissecção romba da lesão (fig. 2) e, então, o tumor retrofaríngeo foi totalmente removido. Macroscopicamente, o tumor era amarelado, bilobulado, bem encapsulado e media 12×7cm (fig. 3). O pós‐operatório transcorreu sem intercorrências. Não foi necessário fazer traqueotomia. Uma sonda nasogástrica foi mantida por cinco dias durante o período pós‐operatório e o paciente recebeu antibioticoterapia por uma semana. O diagnóstico histopatológico da lesão foi lipoma. No fim do segundo mês, o IAH, a saturação mínima de O2 e a porcentagem de tempo de sono com saturação de O2 abaixo de 90% melhoraram de 96,8 para 10, de 61 para 87% e de 54,8 para 11,4%, respectivamente. A RM de controle não revelou qualquer resíduo do lipoma (fig. 4) e o paciente ficou completamente livre das queixas após a excisão do tumor.
A área retrofaríngea é um espaço potencial entre a fáscia bucofaríngea anterior e a fáscia pré‐vertebral, posteriormente. Esse espaço se estende desde a base do crânio até o mediastino. Nódulos linfáticos, nervos e gordura são os componentes essenciais desse espaço.4 Tumores do espaço retrofaríngeo são relativamente raros, o lipoma é um desses.5
Lipomas são tumores mesenquimais benignos de crescimento lento que surgem do tecido adiposo e são constituídos por adipócitos maduros. Os lipomas de cabeça e pescoço estão usualmente na região subcutânea do pescoço.6 Lipomas submucosos e aqueles em locais profundos, como os da nasofaringe, orofaringe e região parafaríngea, são pouco frequentes. O lipoma é visto como lesão homogênea, hipodensa, bem definida e sem aumento na TC. A atenuação da gordura homogênea na TC é indicada para lipomas. Embora a TC seja útil para diagnosticar o lipoma, a RM é preferida à CT, devido às imagens claras e detalhadas dos tecidos moles.7 A RM também é importante para delinear os limites e a extensão da lesão.
Os lipomas retrofaríngeos podem crescer até um tamanho considerável antes de se tornar sintomáticos. Os sintomas mais comuns são disfagia, dispneia e ronco relacionados à obstrução das vias aéreas.3 AOS pode coincidir com obstrução das vias aéreas.8 Na AOS, episódios repetidos de obstrução parcial ou completa das vias aéreas superiores que causam apneia, hipopneia, dessaturação e fragmentação do sono levam à hipóxia crônica, que pode ocorrer devido a vários fatores fisiopatológicos, como disfunção neuromuscular, anormalidades anatômicas etc.3 A obstrução grave da via aérea superior devido ao lipoma foi a causa essencial da AOS em nosso caso. Os lipomas retrofaríngeos são relativamente raros na etiologia dessa doença. Na revisão da literatura, foram encontrados quatro casos de lipoma retrofaríngeo em relação à AOS, comprovados por polissonografia.2,3,9,10 (tabela 1)
Casos de lipomas retrofaríngeos relacionados com AOS comprovada por polissonografia
Caso n° | Sexo | Idade | Tratamento | Tamanho (cm) | Pré‐tratamento AHI | Pós‐tratamento AHI | Referências |
---|---|---|---|---|---|---|---|
1 | F | 11 | Excisão transoral | 8×4 | 13 | – | Gong |
2 | F | 44 | CPAP | 5×4 | 38 | – | Tuncyurek |
3 | F | 73 | Excisão transoral | 8×4 | 43 | 12 | Piccin |
4 | M | 40 | Excisão transcervical | 11×7 | 34 | – | Namyslowski |
5 | M | 24 | Excisão transoral | 12×7 | 96,8 | 10 | Presente caso |
A remoção cirúrgica completa é a primeira escolha de tratamento. A abordagem cirúrgica varia, depende da localização do lipoma. A excisão transoral é o tipo preferido de cirurgia, mesmo em grandes lipomas da região retrofaríngea. Isso é possível porque os lipomas são geralmente bem encapsulados.3 A excisão transoral apresenta menor morbidade pós‐operatória em relação à abordagem transcervical, mas em casos de extensão parafaríngea proeminente a abordagem transcervical pode ser preferida.7,8 O uso de pressão positiva contínua das vias aéreas (CPAP) é uma opção em pacientes idosos com alta comorbidade.
ConclusãoA resolução da disfagia e a melhoria dos achados polissonográficos após a operação demonstraram o caráter obstrutivo da lesão. O exame das vias aéreas superiores deve ser cuidadosamente feito em pacientes com disfagia e apneia do sono para excluir as lesões retrofaríngeas, tais como os lipomas. A abordagem transoral foi a melhor escolha para a excisão cirúrgica em nosso caso.
Conflitos de interesseOs autores declaram não haver conflitos de interesse.
Como citar este artigo: Aydin U, Karakoc O, Binar M, Arslan F, Gerek M. Intraoral excision of a huge retropharyngeal lipoma causing dysphagia and obstructive sleep apnea. Braz J Otorhinolaryngol. 2020;86:S8–S10.
A revisão por pares é da responsabilidade da Associação Brasileira de Otorrinolaringologia e Cirurgia Cérvico‐Facial.