Em 2006 e 2009, relatamos os níveis de danos teciduais agudos e crônicos após cordectomia associados ao uso de microeletrodos com energia de alta frequência. Em 2010, passamos a usar radiofrequência em vez de eletrogeradores de alta frequência.
ObjetivoAvaliar a lesão tecidual aguda na laringe após cordectomia com microeletrodos acoplados a um gerador de radiofrequência.
MétodoForam estudados 22 pacientes com carcinoma espinocelular glótico no estágio T1. Os pacientes foram divididos aleatoriamente nos dois modos de operação: corte ou coagulação (11 pacientes em cada modo). A força do estudo é que não há estudos anteriores sobre o efeito da radiofrequência nas cordas vocais humanas.
ResultadosO dano tecidual foi mais leve quando os microeletrodos foram acoplados a um gerador de 4MHz que opera no modo de corte. Assim, ao usar microeletrodos e radiofrequência, recomendamos que o modo de corte seja usado para a incisão epitelial e o modo de coagulação para tratar estroma e músculo e para a hemostasia final.
ConclusãoO uso de microeletrodos e radiofrequência na cirurgia laríngea transoral produziu dano tecidual leve e oferece uma excelente opção ao uso de energia de alta frequência.
Em 2006 e 2009, relatamos os níveis de dano tecidual agudo e crônico após a cordectomia associada ao uso do laser de CO2 e microeletrodos (MEs) com energia de alta frequência (AF) e verificamos que a extensão do dano tecidual era semelhante, qualquer que fosse o método usado.1,2
O processo de cicatrização das pregas vocais é único e difere daquele em outros locais do corpo, caracterizado pela substituição do colágeno tipo 1 pelo colágeno tipo 3.3 No estudo, medimos a extensão do dano agudo no tecido causado pela cirurgia, pois ele aumenta o risco de formação de cicatriz e resultado funcional ruim da voz.
Em 2010, mudamos para radiofrequência (RF) em vez de eletrogeradores de alta frequência. A razão para essa mudança é baseada no fato de que a resistência do tecido à radiação de RF é menor do que a da radiação de alta frequência. Quando a radiação de RF é emitida, as paredes das células são interligadas por um efeito capacitivo e a energia é liberada diretamente nas células, minimiza a necessidade de energia4 e a lesão nos tecidos normais circundantes.
O objetivo deste estudo é avaliar o dano tecidual agudo na laringe após a cordectomia com MEs acoplados a um gerador de RF.
MétodoForam estudados 22 pacientes (17 homens e 5 mulheres) com carcinoma espinocelular glótico T1.5 Os resultados oncológicos foram publicados em outros trabalhos.6,7 Todas as cordectomias8 foram feitas via laringoscopia de suspensão direta com MEs projetados em 2006 pelo primeiro autor6 acoplados a um gerador de RF de 4MHz (Sutter Medizintechnik Freiburg, Alemanha) que forneceu 15W. Os pacientes foram divididos aleatoriamente para serem submetidos às duas técnicas de operação: corte ou coagulação (11 pacientes em cada modo).
Outros instrumentos cirúrgicos usados foram pinças de microcirurgia convencionais, tubo de aspiração e laringoscópios para comissura anterior e, ocasionalmente, o laringoscópio bivalve, para cirurgia a laser com CO27 (figs. 1 e 2).
As variáveis analisadas foram idade, sexo, modo de corte/coagulação, status de dano do tecido epitelial e extensão do dano estromal.
As amostras cirúrgicas para este estudo (2‐4mm de diâmetro) foram retiradas do leito cirúrgico após a remoção do tumor. Pinças de microcirurgia foram usadas para essa finalidade e, em seguida, as amostras foram imersas em solução de formalina e coradas com hematoxilina e eosina, o melhor método para quantificar danos agudos nos tecidos.1
O estudo histopatológico considerou:
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Dano epitelial em cada local da incisão: avaliamos a presença de núcleos picnóticos deformados, vasos sanguíneos e linfáticos trombóticos e zonas de artefatos de cauterização.
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Danos estromais: uma régua milimétrica foi usada para medir a espessura das amostras e a extensão dos danos às fibras musculares das cordas vocais. O parâmetro morfológico usado para avaliar o dano tecidual foi a espessura das fibras de colágeno desnaturadas.
Cada campo amostral foi dividido em três partes iguais e os danos foram classificados da seguinte forma: a) Sem esclerose: a área alterada não excedeu 1/3 do campo ou tinha largura inferior a 0,6mm; b) Esclerose leve: a área alterada cobria 1/3 a 2/3 do campo e tinha 0,6‐1,3mm de largura; c) Esclerose moderada: a área alterada excedia 2/3 do campo e tinha 1,3‐1,7mm de largura; d) esclerose grave: todo o campo estava alterado.
Um único patologista fez todas as avaliações histológicas de maneira cega.
Todos os pacientes foram informados sobre a metodologia e os objetivos do estudo e assinaram o termo de consentimento livre e informado. O desenho do estudo foi aprovado pelo nosso conselho de ética institucional, com número de aprovação 25042013. A confidencialidade dos pacientes foi protegida.
ResultadosA média de idade dos pacientes foi de 62,4 anos (DP=13,1 anos); 82% eram do sexo masculino e 18% do feminino.
Dano epitelial: Todos os pacientes operados no modo de coagulação apresentaram dano epitelial. O modo de corte não causou danos significativos aos tecidos (fig. 3).
A, Amostra do leito cirúrgico associada ao uso de microelétrodos e radiofrequência no modo de coagulação (H&E, 40X). O epitélio exibe um artefato de coagulação (seta branca), necrose, deiscência e núcleos picnóticos (seta vazia); hemorragia subepitelial também é aparente. B, Amostra do leito cirúrgico associado ao uso de microeletrodos e radiofrequência (no modo de corte (H&E, 20X). A seta preta indica a área da incisão; o epitélio está preservado. As setas cinzas indicam a margem profunda correspondente à zona de corte. As setas brancas indicam uma pequena área com danos estromais leves. A mudança na coloração e no espessamento das faixas de colágeno cobre menos de um terço do campo.
Dano estromal: naqueles operados com o modo de corte, a extensão do dano tecidual estroma foi mínima (sem esclerose) em 72,7% dos pacientes; a largura da área que exibia alterações morfológicas foi < 0,6mm; 7,3% dos pacientes exibiram dano leve ou moderado (a largura da área danificada foi de até 1,3mm). Nenhum paciente apresentou dano moderado ou grave. Quando o modo de coagulação foi usado, a extensão do dano tecidual do estroma foi leve em 54,2% dos pacientes, moderada em 27,3% e nula em 18,2% (sem esclerose). Nenhum paciente apresentou dano grave.
Não encontramos associação significante entre sexo ou idade e a extensão do dano tecidual (p=0,87 e 0,09, respectivamente). Entretanto, pacientes mais jovens apresentaram tendência (p=0,09) a mostrar menos danos teciduais.
DiscussãoO ponto forte do estudo é que não há estudos anteriores sobre o efeito da RF nas cordas vocais humanas.
Vários estudos avaliaram alterações histológicas no trato aerodigestivo superior após cirurgia com bisturi a frio, uso de laser de CO2 e dissecção com MEs e um eletrogerador de AF. Todos os estudos definiram a desnaturação do colágeno como o principal elemento do dano. Portanto, medimos a espessura da zona de colágeno desnaturado para quantificar os danos agudos aos tecidos causados pela dissecção com MEs e RF nas cordas vocais humanas.
Vários estudos histopatológicos de vários modos de RF aplicados em diferentes locais surgiram e revelaram o seguinte:
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Redução de tecido profundo com RF: a RF induz a agitação de íons nos tecidos, aumenta a temperatura local e cria lesões térmicas no estroma submucoso profundo sem danificar a superfície; além disso, há o desenvolvimento de fibrose durante a cicatrização, o que leva a reduções no volume do tecido. Essa técnica tem sido usada para tratar lesões benignas, como hipertrofia de conchas nasais, hipertrofia tonsilar obstrutiva, hipertrofia do palato mole e da base da língua.
Vários estudos histopatológicos da faringe após a redução tecidual através de cirurgia com RF foram publicados. Plzak analisou 10 amostras de tonsilas palatinas submetidas à termoterapia por RF: histologicamente, a submucosa não mostrou sinais de aumento da fibrose que refletisse a formação de cicatrizes. A arquitetura dos centros germinais linfoides foi normal, assim como a extensão e o tipo de vascularização.9
b) Ablação por RF: tem sido usada no tratamento de doenças laríngeas benignas, como papilomatose recorrente, grandes cistos laríngeos e estenose (Basterra, dados não publicados) e na feitura de cordotomia posterior.10 Ao usar um laser de CO2 para tratar a mucosa nasal, vários autores observaram um número reduzido (menos ativas) de glândulas seromucinosas, fibrose do estroma do tecido conjuntivo e comprometimento em longo prazo do transporte mucociliar.11 Em comparação, não houve perda funcional aparente após a ablação do tecido com RF.
Aplicabilidade clínica do estudoA extensão do dano no tecido das cordas vocais após a cordectomia transoral com MEs e um gerador de RF (4MHz) que forneceu 15W foi geralmente leve no epitélio e no estroma. A razão para esse achado pode ser porque a energia de RF é conduzida através das membranas celulares para ser absorvida pelas células‐alvo, não se propaga para o tecido normal adjacente.
O dano tecidual foi mais leve quando os MEs foram acoplados a um gerador de 4MHz que operou no modo de corte (fig. 4). Assim, ao usar MEs (fig. 4) e RF, recomendamos que o modo de corte seja usado para a incisão epitelial e o modo de coagulação para tratar o estroma e o músculo e para a hemostasia final. Minimizar o dano tecidual é relevante na laringe, o resultado funcional, além do resultado oncológico, melhora a qualidade de vida.
ConclusãoO uso de MEs e RF na cirurgia laríngea transoral produziu leve dano tecidual e oferece uma excelente opção ao uso de energia de alta frequência.
Conflitos de interesseOs autores declaram não haver conflitos de interesse.
Como citar este artigo: Basterra J, Mosquera N, Oishi N, Pérez A, Zapater E. Acute tissue damage induced by monopolar microelectrodes and radiofrequency in vocal cords after transoral cordectomy. Braz J Otorhinolaryngol. 2021;87:529–32.
A revisão por pares é da responsabilidade da Associação Brasileira de Otorrinolaringologia e Cirurgia Cérvico‐Facial.