A cirurgia endoscópica otológica foi introduzida em 19901 e tornou‐se popular nas últimas duas décadas. Ela mudou significativamente os conceitos cirúrgicos, anatômicos e fisiológicos. A introdução do endoscópio deu origem ao conceito de cirurgia otológica minimamente invasiva. A cirurgia endoscópica de orelha média permite uma excelente visualização da parede medial do mesotímpano, além da visualização de outras áreas ocultas, como os espaços epitimpânicos anteriores, retrotímpano e pré‐tímpano.
As fístulas de glândula parótida são raras e causadas por lacerações, cirurgias da glândula parótida, após infecções ou neoplasias. A persistência das fístulas da glândula parótida é motivo de grande preocupação e causa constrangimento ao paciente ao se alimentar. Não há um consenso uniforme em relação ao tratamento de escolha para fístulas crônicas da parótida e diferentes modalidades de tratamento já foram propostas (tabela 1).2 A neurectomia timpânica é útil em fístulas persistentes da parótida.2 A visão grande angular do endoscópio é útil para a neurectomia timpânica endoscópica transcanal. O nervo se divide no promontório, em um ramo anterior que sobe em direção à tuba auditiva e um ramo posterior que passa verticalmente, anterior ao nicho da janela redonda. Adicionalmente, além do ramo anterior e posterior, o nervo pode ter um ramo hipotimpânico ou mais ramos.3 Esses ramos estão localizados em um sulco e são cobertos apenas por mucosa ou estão localizados em um canal ósseo.2 A endoscopia abriu novos horizontes na abordagem desse nervo, pois o endoscópio ajuda na identificação precisa dos seus ramos.4
Classificação dos métodos relatados na literatura para o manejo das fístulas parótidas
Desvio da secreção da parótida | |
Métodos de reconstrução | Reparo primário atrasado do ducto |
Reconstrução de ducto com enxerto venoso | |
Retalhos de mucosa | |
Sutura do ducto proximal à mucosa bucal | |
Formação de uma fístula interna controlada | |
Parotidectomia | |
Diminuição da secreção da parótida | |
Abordagens cirúrgicas | Ligadura de ducto |
Seccionamento do nervo de Jacobson ou nervo auriculotemporal | |
Abordagens conservadoras | Sem alimentação oral, pressão e curativos oclusivos |
Antissialogogos: atropina, probantina | |
Radioterapia |
Antes do advento do endoscópio, o microscópio era usado para este procedimento. Antes do advento do endoscópio, usávamos o microscópio na neurectomia timpânica em casos de fístulas persistentes da glândula parótida menor. O objetivo deste estudo foi descrever nossa experiência com neurectomia timpânica endoscópica nesses casos.
Relato de casoEncontramos três pacientes com fístula persistente de parótida que não responderam ao tratamento conservador e foram submetidos à neurectomia timpânica endoscópica. O primeiro era um homem de 30 anos que havia sido submetido a incisão e drenagem de abscesso da parótida direita em outro hospital e no 8° dia após a drenagem ele notou secreção aquosa clara na face direita ao comer/engolir. Esse problema não respondeu à linha conservadora de tratamento e o paciente apresentou‐se em nosso serviço 3 meses após o procedimento de incisão e drenagem. A segunda paciente era uma menina de 12 anos, com história de secreção aquosa desde os 3 a 4 anos da região infra‐auricular direita quando se alimentava, com história de ruptura espontânea de abscesso de parótida direita após a qual ela desenvolveu fístula glandular direita. A terceira paciente era uma mulher de 34 anos submetida à cirurgia de parotidectomia superficial externa e no 14° dia após a cirurgia observou secreção aquosa da região infra‐auricular direita quando se alimentava.
No pré‐operatório, o teste do amido foi feito em todos os pacientes, no qual o local suspeito da fístula foi pintado com betadine e deixado até secar (fig. 1). Em seguida, o sialogogo foi administrado ao paciente e o local foi polvilhado com farinha de amido. No fim do teste de amido, o local fístula salivar pode ser visto claramente (fig. 2). O consentimento por escrito e informado foi obtido de todos os pacientes em relação ao procedimento. A anestesia geral foi administrada em um caso (menina de 12 anos), enquanto os outros 2 receberam anestesia local. Após esclarecimento completo sobre o procedimento, os pacientes foram submetidos à neurectomia timpânica.
Um endoscópio de 3mm de diâmetro e 14cm de comprimento foi usado para melhor manuseio dos instrumentos. Uma das mãos segurava o endoscópio, enquanto a outra lidava com a instrumentação. Portanto, os microinstrumentos incorporados à aspiração oferecem a vantagem de não necessitar de uma ponta de aspirador separada. No entanto, eles têm a desvantagem de tornar o instrumento mais volumoso. As pontas de aspiração estão em ângulo reto com o instrumento, de modo que o tubo de aspiração não interfira durante a operação.
A incisão endomeatal de Rosen foi feita. O nervo timpânico com todos os seus ramos foi identificado no promontório (fig. 3). Um instrumento do tipo pick em ângulo reto foi usado para pinçar o nervo delicadamente. Em 2 casos, o nervo era submucoso, enquanto em um caso ele estava em um canal ósseo. Um segmento do nervo é cortado com pick de ponta afiada, removido, e as extremidades seccionadas são cauterizadas com cautério bipolar e broqueadas com broca skeeter de 0,6mm (fig. 4), de modo a evitar qualquer reinervação e, portanto, as recorrências. Durante o broqueamento, tomou‐se cuidado para não penetrar mais de 1 a 2mm no promontório.
Em um paciente em que a fístula ocorreu após a incisão e drenagem de abscesso da parótida, além do procedimento acima, aplicou‐se ácido tricloroacético a 20% no trato fistuloso.
No pós‐operatório, os pacientes foram orientados a manter uma dieta leve, com administração de antibióticos e antissialogogos, na forma de 0,5mg de glicopirrolato por uma semana. As consultas de seguimento foram feitas semanalmente nas duas primeiras semanas e, em seguida, após 1, 2 e 3 meses.
Não houve efeitos adversos após o procedimento, todos os pacientes relataram melhoria subjetiva dos sintomas em 2 semanas e, objetivamente, o teste do amido foi negativo. Houve cessação bem‐sucedida do fluxo da fístula parótida, sem recorrência ou quaisquer complicações no seguimento. O uso do endoscópio ajudou na identificação precisa dos ramos do nervo de Jacobson e também ajudou a reduzir o tempo operatório.
DiscussãoO nervo de Jacobson é um ramo do nono nervo craniano e fornece fibras pré‐ganglionares secretomotoras parassimpáticas para a glândula parótida. Ele se origina no núcleo salivar inferior da medula oblonga.2 Ele se adentra no assoalho da orelha média e atravessa o promontório anteriormente como o nervo petroso superficial menor. O nervo faz sinapse no gânglio ótico e nas fibras pós‐ganglionares e, em seguida, entra na glândula parótida através do nervo auriculotemporal.5 A neurectomia timpânica elimina a atividade parassimpática na glândula parótida e é uma das modalidades de tratamento nos casos de fístula persistente da parótida. Também é útil em casos de síndrome de Frey e salivação excessiva.6 Seu uso também foi tentado em casos de estenose do ducto parotídeo, dilatação do ducto salivar (sialectasia), otalgia crônica intratável de origem glossofaríngea (que não responde a tratamento conservador),7 mas nossa experiência é limitada a esse respeito.
A fístula da glândula parótida ocorre mais frequentemente por lesões traumáticas e pode ser intraductal ou intraglandular. A fístula glandular pode responder bem ao tratamento conservador, enquanto a fístula ductal tem menor probabilidade de se fechar espontaneamente.8 Abordagens conservadoras, como antibióticos e drogas anticolinérgicas, são úteis, pois diminuem a produção de saliva. As fístulas que não respondem a tratamento conservador devem ser tratadas cirurgicamente. Radioterapia de baixa dose9 e excisão do trato fistuloso com ligadura do ducto parotídeo têm sido defendidas por alguns especialistas.10 A neurectomia timpânica é uma excelente modalidade de tratamento e, quando feita por via endoscópica, é minimamente invasiva, auxilia na excelente visualização e delineamento do nervo e reduz o tempo intraoperatório. Em todos os nossos casos houve alívio completo dos sintomas com fechamento bem‐sucedido da fístula em um período de duas semanas e teste de amido negativo, feito no fim de um mês. Em nossa série, a neurectomia timpânica foi bem‐sucedida no fechamento das fístulas ductais e glandulares. Às vezes, o efeito da neurectomia timpânica pode ser transitório, pois as fibras parassimpáticas que atingem o gânglio ótico através do gânglio geniculado ou por anastomoses entre a corda timpânica e o gânglio ótico podem não ser afetadas pela neurectomia timpânica. Entretanto, como o estímulo principal vem do nervo de Jacobson, a taxa de falha do procedimento é mínima.2 Portanto, se os efeitos da neurectomia timpânica são transitórios ou permanentes, parece ser menos significativo no caso de fístula da parótida, pois a supressão da atividade é longa o suficiente para permitir a cura do trato fistuloso e o alívio dos sintomas.
ConclusãoA neurectomia timpânica endoscópica é minimamente invasiva, custo‐efetiva e tem bom resultado terapêutico. Pode ser feita em regime de hospital‐dia. A neurectomia timpânica tem sido uma modalidade de tratamento bem estabelecida para fístulas persistentes da parótida no passado, mas recorrências foram observadas após o procedimento. Embora o microscópio tenha sido usado para neurectomia timpânica no passado, a endoscopia oferece excelente visualização da anatomia da orelha média e permite a identificação precisa do nervo. A combinação de duas técnicas consagradas – a neurectomia timpânica e uso de endoscópio em cirurgia otológica – mostra as vantagens de associar os dois métodos na correção de fístulas persistentes da parótida e, assim, melhorar o resultado final.
O ponto mais importante a destacar aqui é que o segmento do nervo de Jacobson deve ser excisado e as pontas seccionadas devem ser cauterizadas ou broqueadas, o que evitará qualquer reinervação e recorrências.
Conflitos de interesseOs autores declaram não haver conflitos de interesse.
Como citar este artigo: Marfatia H, Madhavi A, KP A, Goyal P, Kaku DR, Sharma A. Endoscopic tympanic neurectomy in the management of persistent parotid fistulae. Braz J Otorhinolaryngol. 2021;87:114–7.
A revisão por pares é da responsabilidade da Associação Brasileira de Otorrinolaringologia e Cirurgia Cérvico‐Facial.