Introdução: O conhecimento das características relacionadas à perda auditiva profunda é de extrema importância já que permite a identificação etiológica e de fatores prognósticos e planejamento estratégico para intervenções de saúde pública.
Objetivo: Verificar as diferentes etiologias da perda auditiva, idade de diagnóstico da perda, relacionada ou não à aquisição de linguagem e idade dos pacientes ao procurar o serviço para a avaliação de implante coclear.
Método: Estudo de casos, de coorte histórica transversal, com análise retrospectiva de arquivos de 115 pacientes com perda auditiva neurossensorial comprovada acompanhados num hospital universitário, com base em sexo, idade da perda, idade na primeira consulta, linguagem e etiologia da perda.
Resultados e conclusão: Os pacientes avaliados para implante coclear chegam à primeira consulta, em sua maioria, com mais de um ano de idade (média preocupante de 3,8 anos no grupo pré-lingual), apesar de o diagnóstico da perda ser precoce, o que reflete um sistema ainda deficiente em termos de referenciamento. A causa idiopática ainda é a mais encontrada. Dentre as etiologias conhecidas, as mais prevalentes são as perinatais e a meningite.
Introduction: Knowledge of the characteristics related to profound hearing loss is a matter of great importance, as it allows for the etiological and prognostic identification and strategic planning for public health interventions.
Objective: To assess the different etiologies of hearing loss, age at diagnosis of the hearing loss, its relation to language acquisition, and the age at the first consultation in this service for cochlear implant assessment.
Methods: This was a historical cohort, cross-sectional study, using retrospective analysis of the records of 115 patients with confirmed sensorineural hearing loss, who were followed in a university hospital, based on gender, age of hearing loss, age at the first consultation, language, and hearing loss etiology.
Results and conclusion: The majority of patients assessed for cochlear implants attend the first consultation when they are older than one year (an alarming mean of 3.8 years in the prelingual group) in spite of the early diagnosis of hearing loss. This reflects an already deficient health care system, in terms of referral. The idiopathic cause remains the most frequently identified. Among the known causes, the most prevalent are perinatal causes and meningitis.
Pagina nueva Introdução
Dados do último censo realizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE, em 2010, mostram que cerca de 9,7 milhões de brasileiros possuem deficiência auditiva, sendo esta grave em cerca de 2 milhões de indivíduos. Na população residente no Rio de Janeiro, este número soma mais de 770 mil pessoas.1
Sabe-se que a prevalência da deficiência auditiva congênita supera a de muitas afecções passíveis de triagem na infância, como a fenilcetonúria, a anemia falciforme, o hipotireoidismo congênito e a hiperplasia adrenal congênita.2,3 Um estudo realizado em 1998, no início da implantação da triagem auditiva universal, mostrou que crianças com deficiência auditiva que recebem intervenção antes dos seis meses de idade, aos três anos possuem índices de linguagem receptiva e expressiva comparáveis às crianças com audição normal e o prognóstico favorável na intervenção precoce independe do grau de perda auditiva.4
Da mesma forma, indivíduos com perda auditiva pós-lingual apresentam deterioração progressiva da linguagem de acordo com o tempo de privação sonora, o que determina impacto negativo em sua qualidade de vida e aponta para a necessidade de detecção e reabilitação auditiva precoces.
Estes dados apontam a magnitude da deficiência auditiva na população e evocam a importância da detecção e referenciamento precoces destes pacientes para avaliação, o que permite adequado manejo e melhoria na qualidade de vida dos mesmos.
Nesse contexto, destaca-se também a importância da identificação etiológica da deficiência auditiva, visto que torna mais direcionado o processo de intervenção e reabilitação.
Em nosso estado, a cirurgia de implante coclear pelo SUS se iniciou em julho de 2011, e até março de 2013 foram implantados, no total, 32 pacientes.
O objetivo deste trabalho foi verificar as diferentes etiologias da perda auditiva, idade de diagnóstico da perda, relacionada ou não à aquisição de linguagem (pré ou pós-lingual) e idade de chegada dos pacientes ao serviço para a avaliação de implante coclear. Com esses dados, é possível inferir sobre a qualidade da assistência à saúde auditiva e promover a implementação de medidas de melhoria.
Materiais e métodos
O presente trabalho foi aprovado pelo Comitê de Ética da instituição sob o protocolo de pesquisa número 043/11 - CEP. Foi realizada uma análise retrospectiva de arquivos de 115 pacientes com perda auditiva neurossensorial profunda comprovada e referenciados para a avaliação de implante coclear no ambulatório de Otorrinolaringologia de um hospital universitário, no período de 2011 a 2013. Os pacientes analisados foram todos submetidos a: audiometria tonal e vocal ou comportamental, realizadas pelo mesmo fonoaudiólogo habilitado de nosso serviço; teste de otoemissões acústicas (OEA) e potenciais evocados auditivos de tronco encefálico (PEATE), realizados por especialistas em otorrinolaringologia; tomografia computadorizada (TC); e ressonância magnética (RM) de mastoides e vias auditivas.
Alguns pacientes que não possuíam uma etiologia evidente para a perda auditiva também foram submetidos ao teste genético para identificação da mutação 35 de lG, a partir de coleta de sangue e avaliações complementares de outras especialidades, conforme aplicabilidade. Todos foram encaminhados para protetização auditiva, cujo critério segue a recomendação do Ministério da Saúde5 e reabilitação fonoaudiologia, além de avaliações pelo psicólogo e pelo serviço social. Os critérios para indicação de implante coclear seguiram os publicados pela Associação Brasileira de Otorrinolaringologia e Cirurgia Cérvico-Facial.6
Os pacientes que, por algum motivo, não se encaixavam nos critérios ou não tinham indicação ou liberação por todos os profissionais envolvidos para o uso do implante coclear, mantiveram seguimento no ambulatório de Saúde Auditiva, que envolve médicos otorrinolaringologistas e fonoaudiólogos, para que se maximizasse o ganho auditivo e/ou a capacidade de comunicação.
Os dados analisados foram o sexo, a etiologia e a idade da perda auditiva, a idade na primeira consulta e o tipo de surdez com relação à aquisição de linguagem (pré ou póslingual). Estes foram dispostos em gráficos para fins estatísticos.
Resultados
A maior parte dos pacientes avaliados tinha faixa etária entre 1 e 4 anos, correspondendo a 36% da amostra, seguido pela faixa etária de 5 a 19 anos (fig. 1) e 53% dos pacientes da amostra eram do sexo masculino.
Figura 1 Distribuição percentual por faixa etária dos pacientes em avaliação para implante coclear.
A idade de diagnóstico da perda auditiva foi, na maioria dos casos, no período perinatal (57%), sendo a idade da perda auditiva indefinida em 14% dos casos (fig. 2).
Figura 2 Distribuição percentual dos pacientes avaliados no ambulatório de implante coclear de acordo com a idade faixa etária de diagnóstico da perda auditiva.
Dos pacientes analisados, 52% possuíam deficiência auditiva pré-lingual, 37% pós-lingual e 11% com status de linguagem ainda indefinido (fig. 3).
Figura 3 Distribuição percentual dos pacientes avaliados no ambulatório de implante coclear de acordo com o status de linguagem.
A idade na primeira consulta no ambulatório de saúde auditiva foi, em sua maioria, entre 1 e 4 anos, com apenas 3% dos pacientes chegando com menos de 1 ano (fig. 4). No grupo dos pré-linguais, a média de idade da primeira consulta para avaliação da saúde auditiva foi de 3,8 anos.
Figura 4 Distribuição percentual dos pacientes avaliados no ambulatório de implante coclear de acordo com a faixa etária da primeira consulta.
Dos 115 pacientes analisados, 31 não possuíam etiologia definida para a perda auditiva (33%). As causas conhecidas mais encontradas foram as de origem perinatal (27%) e a meningite (15%), como disposto na figura 5.
Figura 5 Distribuição dos pacientes avaliados no ambulatório de implante coclear de acordo com a etiologia da perda auditiva.
Discussão
O presente estudo foi conduzido no único centro público que realiza a cirurgia de implante coclear em todo o estado. Este centro iniciou o implante coclear em julho de 2011 e, até março de 2013, tivemos 32 pacientes implantados.
A identificação do paciente candidato ao implante coclear passou por um critério de seleção minucioso, incluindo anamnese completa, exame físico ou mesmo exames genéticos, estudo imaginológico, além de avaliação pela psicologia, fonoaudiologia e serviço social. Com todos esses dados, foi possível analisarmos o perfil dos pacientes com perda auditiva neurossensorial profunda avaliados para implante coclear em nosso ambulatório.
A correta seleção dos pacientes a serem implantados é essencial para que estes obtenham benefícios, e isto inclui uma abordagem multidisciplinar, que passa por diversas etapas e envolve custos e tecnologia elevados. Estudos sobre critérios de seleção de pacientes destacam a importância de uma padronização.7-10 Há o cuidado, porém, de que essa avaliação seja realizada de forma eficiente e ligeira, de modo que não se perca tempo até a realização da cirurgia, visto que o tempo de privação auditiva influencia no desempenho dos pacientes submetidos ao implante coclear.11-13
Observou-se que a maioria dos pacientes seguidos neste ambulatório eram crianças entre 1 e 4 anos. A predominância no sexo masculino foi observada também em outros estudos realizados nacionalmente, assim como a etiologia desconhecida que figurou como a principal responsável pelos casos de perda auditiva avaliados.7,14,15 De acordo com Mehra et al.,16 em uma revisão de diversos artigos de estudos realizados nos Estados Unidos de 1966 a 2007, em 56% dos casos, a etiologia da perda auditiva foi desconhecida e, dentre as etiologias conhecidas, as causas genéticas são as principais. Esta é a mesma conclusão de um estudo Australiano de 2003.17
Já um estudo da Nicarágua aponta as causas preveníveis de perda auditiva como importante etiologia em países não industrializados.18 Concordante com dados encontrados por Pedrett e Moreira,15 as causas perinatais, ou seja, relacionadas a prematuridade, permanência em UTI neonatal, baixo peso, hipóxia neonatal, hiperbilirrubinemia e consanguinidade, foram a etiologia conhecida mais prevalente em nossa amostra, sem considerar o uso de ototóxicos, que, na maior parte das vezes, está associado e, isoladamente, também é um fator de risco para a deficiência auditiva. Em outros estudos nacionais, encontrou-se a rubéola materna como principal etiologia conhecida para as deficiências auditivas avaliadas,7,14,19 porém, em nosso estudo, não foi identificado qualquer indivíduo com esta etiologia.
Esse fato pode se justificar pelo adequado controle dos casos de rubéola materna, a partir de campanhas de vacinação divulgadas em nosso estado, que, em 2008, incluíram homens e outros grupos suscetíveis e, de acordo com dados do DATASUS, a cobertura vacinal mantém-se elevada,20 ou pela falha na identificação e notificação dos indivíduos com síndrome de rubéola congênita, fazendo com que estes passem a ser alocados nos grupos com deficiência auditiva de causa perinatal ou desconhecida. Isso abre discussão para a adequação das políticas de vigilância epidemiológica, identificação e notificação de casos suspeitos ou confirmados da doença. Em terceiro lugar em nosso estudo, como etiologia conhecida de deficiência auditiva está a meningite, que correspondeu a 15% de nossa amostra. Esta causa figura, também, em outros trabalhos, como uma importante causa de perda auditiva severa/ profunda14,15,21 e, dependendo do grau de ossificação coclear, pode consistir em um desafio para a introdução do implante durante o ato cirúrgico.22
Apesar da idade do diagnóstico da perda auditiva desses pacientes, na maioria das vezes, ser precoce (no período perinatal - 57%), os mesmos chega à primeira consulta com idade já avançada, entre 1 e 4 anos, com preocupante média de 3,8 anos no grupo pré-lingual, que corresponde a 52% dos pacientes analisados. Sabe-se que, idealmente, o referenciamento ao serviço especializado de saúde auditiva deve ser realizado assim que se detecta a deficiência, para impedir o prejuízo nas habilidades sociais, intelectuais e emocionais do indivíduo. Segundo Leal,7 a faixa etária de pré e perilinguais que mais se beneficia do implante coclear é a de 0 a 3 anos. No caso de intervenção precoce, estas crianças podem desenvolver as habilidades linguísticas e de comunicação com importante impacto em sua qualidade de vida. Um estudo brasileiro avaliou as habilidades comunicativas em crianças submetidas a implante coclear por meio de um questionário traduzido e adaptado culturalmente, respondido pelos pais. Concluiu-se que o implante coclear apresentou efeito positivo na qualidade de vida e de suas famílias e que o desenvolvimento lexical é o fator mais relacionado.23 Outros estudos mostraram resultados semelhantes.7,24
Também os pacientes com deficiência auditiva pós-lingual apresentam resultados funcionais importantes com o implante. Um estudo que avaliou pacientes pós-linguais dez anos após a cirurgia mostrou impacto positivo, com todos os pacientes analisados tendo concluído o ensino superior e inseridos no mercado de trabalho.25
No entanto, a partir dos resultados do presente estudo, parece haver uma precariedade no encaminhamento ou acesso desses pacientes a partir do serviço primário, fazendo com que demorem a chegar à primeira avaliação no serviço especializado. Isso denota a falta de dinamicidade de nosso sistema, que conta com poucos centros especializados para a avaliação de possíveis candidatos ao implante coclear frente à demanda exigida por este tipo de deficiência e abre espaço para discussões sobre a organização do sistema de referência e contrarreferência para pacientes atendidos em centros de saúde auditiva. Há que se pensar, principalmente, em um contexto como o da saúde auditiva, que envolve uma interdisciplinaridade e complexidade de planejamento e tecnologia, em uma maneira de tornar eficiente o processo de encaminhamento e acompanhamento de pacientes já identificados como portadores da deficiência. Isso envolve otimização da gestão e maior comunicação entre os centros. Nos dias atuais, sistemas informatizados, com organização de filas de prioridades, é uma realidade no caminho para a solução do problema apontado.
Conclusão
Os pacientes com perda auditiva neurossensorial profunda avaliados para implante coclear chegam à primeira consulta, em sua maioria, com mais de um ano de idade (média preocupante de 3,8 anos no grupo pré-lingual, que corresponde a 52% dos pacientes avaliados), apesar de terem diagnosticado a perda ao nascer ou no período perinatal. Isso reflete um sistema ainda deficiente, em termos de agilidade, no encaminhamento desses pacientes ao serviço terciário.
A etiologia da perda auditiva ainda tem como causa idiopática a mais encontrada, o que indica uma limitação em termos diagnósticos. As causas conhecidas mais encontradas foram as perinatais e a meningite.
Conflitos de interesse
Os autores declaram não haver conflitos de interesse.
Recebido em 26 de maio de 2013;
aceito em 22 de março de 2014
DOI se refere ao artigo: http://dx.doi.org/10.1016/j.bjorl.2014.05.011
☆ Como citar este artigo: Barbosa MH, Felix F, Ribeiro MG, Tomita S, Pinheiro C, Baptista MM. Profile of patients assessed for cochlear implants. Braz J Otorhinolaryngol. 2014;80:305-10.
* Autor para correspondência.
E-mail:mariahelena_barbosa@yahoo.com.br (M.H.de Magalhães Barbosa).