O carcinoma de nasofaringe (CaNF) é um tumor frequente, principalmente em países asiáticos. No Brasil, estima‐se uma incidência de 0,5 a um caso por 100.000 pessoas do sexo masculino e de menos de 0,3 caso por 100.000 em mulheres. Alguns fatores de risco potencialmente relacionados ao CaNF incluem a infecção pelo Epstein‐Barr Vírus (EBV) e história familiar de ocorrência dessa neoplasia; outros fatores com risco de associação moderado a fraco ao CaNF incluem hábitos alimentares, doenças respiratórias crônicas, tabaco e riscos ocupacionais.1 O tipo histológico mais comum é o carcinoma escamoso, o adenocarcinoma é um subtipo infrequente. Entre os subtipos de adenocarcinoma, o papilífero primário de nasofaringe é um tumor extremamente raro, com poucos casos descritos na literatura, não foi encontrado relato no Brasil. O adenocarcinoma papilífero não têm predileção por sexo ou idade, acomete pacientes de 9 a 74 anos e normalmente está restrito à nasofaringe.2
Apresentamos um caso de uma criança de 12 anos com obstrução nasal havia cerca de 2 anos por lesão diagnosticada como adenocarcinoma papilífero de nasofaringe após biópsia e que foi submetida a ressecção endoscópica total da lesão.
Relato de casoCriança de 12 anos, do sexo masculino, branca, encaminhada aos serviços de Oncologia e Otorrinolaringologia do Hospital das Clínicas de Ribeirão Preto com quadro de roncos e apneia noturna, obstrução nasal bilateral, hiposmia e hipogeusia havia mais de 2 anos. À nasofibroscopia apresentava lesão de aspecto verrucoso que ocupava toda a nasofaringe. Devido ao aspecto verrucoso da lesão, foi feita biópsia, cujo resultado foi compatível com adenocarcinoma papilífero de baixo grau (fig. 1A).
A tomografia computadorizada (TC) com contraste evidenciava lesão tumoral com limites bem definidos e bordas lobuladas em nasofaringe sem sinais de invasão óssea ou de estruturas adjacentes (fig. 1B). A ressonância magnética mostrou lesão irregular de aspecto exofítico que ocupava a nasofaringe com hipossinal em T1 e intermediário em T2 com discreto realce ao contraste que media 1,8×1,6×1,7cm, sem acometimento de linfonodos ou metástases locais. Ultrassonografia e tomografia com contraste da região cervical e de tórax mostraram tireoide e glândulas salivares de aspecto habitual, sem evidência de linfonodos acometidos ou metástases, estadiamento final T1M0N0. Reação de polimerase em cadeia (PCR) e sorologia para vírus Epstein‐ Barr (EBV) anti‐IGG e anti‐IGM foram negativas.
Optou‐se pela exérese total via cirurgia endoscópica nasal. No intraoperatório evidenciamos lesão pediculada de aspecto verrucoso, com inserção em teto de nasofaringe e parede posterior do septo nasal conforme nasofibroscopia prévia (fig. 1A). O limite superior foi o teto da nasofaringe, o limite medial foram os tórus tubários e anteriormente foi removida a mucosa septal e parte posterior do vômer (fig. 2). A lesão foi removida totalmente, com pedículo e bordas com mucosa de aspecto macroscópico saudável (fig. 3).
Ao anatomopatológico, foi evidenciada presença de neoplasia não capsulada, composta por padrões de crescimento papilar e glandular. As células eram de aspecto colunar e cuboidal, com núcleos redondos a ovais e cromatina uniforme, sem atipias ou figuras de mitoses, e citoplasma eosinofílico. As estruturas papilares eram complexas, com arborização e eixos fibrovasculares hialinizados e edematosos. As estruturas glandulares eram justapostas, por vezes lembrava aspecto cribriforme. Não foram observados corpos psemomatosos, necrose, infiltração perineural ou embolização angiolinfática e as margens foram livres de doença. Estudo imuno‐histoquímico mostrou positividade difusa para EMA, CK7 (fig. 4A) fig. 4 e TTF1 (fig. 4B). Negatividade para tireoglobulina (fig. 4C), p63 e CK5/6. O índice de proliferação celular foi de 5%.
Apresentou boa evolução no pós‐operatório, assintomático, com melhoria dos roncos e respiração oral. Após três meses de pós‐operatório visualizada massa vegetante em nasofaringe. Feita ressecção, cuja biópsia veio sem sinais de malignidade. Feito estadiamento oncológico com tomografia por emissão de pósitrons (PET‐CT), o qual não evidenciou lesões hipermetabólicas com característica de neoplasia. Paciente segue em acompanhamento com exames de imagem.
DiscussãoO carcinoma de nasofaringe é um tumor frequentemente diagnosticado em países do Sudeste da Ásia, Oriente Médio e Norte da África, o carcinoma escamoso é o tipo histológico mais comum. Outros tipos histológicos incluem o carcinoma linfoide, carcinoma mesenquimal, adenocarcinomas e tumores neurogênicos.3
O adenocarcinoma papilífero primário de nasofaringe (NPAC) é um tumor raro, descrito pela primeira vez em 1988 por Wenig et.al.4 Essa neoplasia é responsável por 0,48% dos carcinomas de nasofaringe.3 Não apresenta predileção por sexo e idade e suas localizações mais comum são a região lateral/posterior e teto da nasofaringe. O sintoma mais comum é a obstrução nasal, mas os pacientes podem apresentar ainda epistaxes, otite média secretora, perda auditiva, apneia e secreção pós‐nasal.2 Não encontramos outros relatos de adenocarcinoma papilífero em nasofaringe no Brasil apesar da busca através da ferramenta PubMed (https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/ – acesso em agosto de 2020) com os mesh terms: “papillary adenocarcinoma” AND “nasopharynx” OR “nasopharyngeal”.
Macroscopicamente, esses tumores são amolecidos ou arenosos e exofíticos com aparência papilar, nodular ou polipoide, são não encapsulados e não infiltrativos. As estruturas papilares são complexas em arborização e hialinizadas, com núcleos fibrovasculares. Áreas de transição de epitélio normal da superfície nasofaríngea e proliferação neoplásica são sugestivos de derivação do epitélio superficial.5 As células tumorais têm aparência pseudoestratificada. Os núcleos são redondos a ovais e o citoplasma é eosinofílico. Há pleomorfismo nuclear leve a moderado e perda da polaridade basal. Mitoses, necroses, invasão vascular, linfática e perineural geralmente não são observadas.6
Os principais diagnósticos diferenciais incluem o adenocarcinoma papilífero da tireoide, adenocarcinoma papilífero de baixo grau de origem da glândula salivar e uma variante papilar de adenocarcinoma do tipo intestinal. A diferenciação entre os subtipos histológicos é feita principalmente pela histologia e imuno‐histoquímica. Enquanto o adenocarcinoma papilífero primário de nasofaringe apresenta positividade para citoqueratina CK‐7 e fator de transcrição da tireoide TTF‐1 e negatividade para tireoglobulina, CK20, CDX‐2, vilina e S‐100, o adenocarcinoma papilífero de tireoide apresenta positividade para tireoglobulina, o do tipo intestinal, positividade para CK20, CDX‐2 e vilina, e o de origem da glândula salivar é positivo para proteína s‐100.6,7
Apesar da sugestão de relação com o vírus Epstein‐Barr, a literatura não é definitiva sobre a presença dele e o desenvolvimento e a carcinogênese dessa neoplasia.8 Quanto às características clínicas, o NPAC é uma neoplasia indolente que raramente apresenta metástases. O tratamento de escolha é exérese cirúrgica completa, esse é um fator preditivo independente de sobrevida em análises multivariadas. Estudos não mostram benefício comprovado no uso de radioterapia ou quimioterapia adjuvantes à ressecção completa desses tumores, apresentam altas taxas de recorrência.9 Uma nova opção de tratamento, descrita por Wang et al.10 em um estudo feito em Taiwan, com aparente boa resposta e baixa morbidade, é a terapia fotodinâmica adjuvante associada ao ácido 5‐aminolevulínico tópico em tumor, quando não há possibilidade de ressecção. Entretanto, essa ainda deve ser considerada uma abordagem terapêutica experimental para essa doença no momento. Dada a raridade desse tipo de tumor associado à enorme escassez de dados em literatura, torna‐se particularmente difícil uma avaliação comparativa da eficácia dos tratamentos cirúrgicos e não cirúrgicos.
ConclusãoO adenocarcinoma papilífero de baixo grau primário de nasofaringe é uma neoplasia rara e com poucos casos descritos na literatura, carece de estudos randomizados capazes de guiar a melhor conduta terapêutica. A ressecção completa da lesão, associada a um seguimento otorrinolaringológico e oncológico de forma coordenada para detecção precoce de recidivas, parece ser a estratégia mais aceita no momento. Nos casos nos quais a ressecção completa da lesão não é possível, novas abordagens de tratamento adjuvante estão em investigação com resultados preliminares favoráveis.
Conflitos de interesseOs autores declaram não haver conflitos de interesse.
Como citar este artigo: Compagnoni IM, Lamounier LA, Fontanini L, Silveira GT, Faria FM, Reis MB, et al. Complete endoscopic resection of low‐grade nasopharyngeal papillary adenocarcinoma: a case report. Braz J Otorhinolaryngol. 2021;87:237–40.
A revisão por pares é da responsabilidade da Associação Brasileira de Otorrinolaringologia e Cirurgia Cérvico‐Facial.