Compartilhar
Informação da revista
Vol. 86. Núm. 4.
Páginas 513-515 (Julho - Agosto 2020)
Compartilhar
Compartilhar
Baixar PDF
Mais opções do artigo
Visitas
8740
Vol. 86. Núm. 4.
Páginas 513-515 (Julho - Agosto 2020)
Relato de Caso
Open Access
Sensorineural hearing loss in a case of congenital Zika virus
Perda auditiva neurossensorial em um caso de zika vírus congênito
Visitas
8740
Mariana de Carvalho Leala,
Autor para correspondência
marianacleal@hotmail.com

Autor para correspondência.
, Lilian Ferreira Munizb, Silvio da Silva Caldas Netoa, Vanessa van der Lindenc, Regina Coeli Ferreira Ramosd
a Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), Departamento de Cirurgia, Serviço de Otorrinolaringologia, Recife, PE, Brasil
b Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), Departamento de Fonoaudiologia, Recife, PE, Brasil
c Associação de Assistência à Criança Deficiente de Pernambuco, Clínica de Neurologia Infantil, Recife, PE, Brasil
d Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), Divisão de Doenças Infecciosas, Departamento de Clínica Médica, Recife, PE, Brasil
Este item recebeu

Under a Creative Commons license
Informação do artigo
Texto Completo
Bibliografia
Baixar PDF
Estatísticas
Figuras (2)
Texto Completo
Introdução

O zika vírus (ZIKV) foi isolado pela primeira vez em 1947 e, em 1952, os anticorpos contra ele foram identificados em seres humanos. Trata‐se de um flavivírus que causa uma síndrome semelhante à dengue, e inclui febre, cefaleia, mal‐estar, artralgia, mialgia, erupções maculopapulares e conjuntivite. Depois de um longo período de relatos esporádicos de infecções humanas, dois grandes surtos ocorreram em 2007, na Micronésia, e em 2013‐2014 na Polinésia Francesa, de onde se espalhou para outros países, inclusive o Brasil, especialmente no Nordeste,1 em 2015.

Relato de caso

Um recém‐nascido de uma gestação gemelar nasceu por parto cesárea durante a 37ª semana de gestação. Ao exame físico, as únicas anomalias aparentes foram microcefalia (perímetro cefálico ao nascimento=28cm) e pé torto bilateral. O outro gêmeo era normal. Sua mãe, que morava no Estado de Pernambuco, no Nordeste do Brasil, relatou uma erupção cutânea e febre por volta de 28 dias de gestação.

Emissões otoacústicas transientes estavam ausentes. O potencial evocado auditivo de tronco encefálico (PEATE) para cliques foi então medido e repetido um mês depois. Em ambas as ocasiões, nenhuma resposta foi obtida em ambas orelhas. PEATE específica para frequência com estímulo tone burst foi feita, confirmou perda auditiva bilateral com presença de resposta apenas em 99dBNAn em 2000Hz na orelha direita (fig. 1). O exame da orelha, nariz e garganta foi normal em outros aspectos. A avaliação auditiva comportamental foi feita com instrumentos de faixa de frequência conhecida nos pontos cardinais. Não houve resposta até mesmo para estímulos de alta intensidade. O reflexo cocleopalpebral estava ausente e não houve resposta a estímulo de voz a 100dB.

Figura 1.

Respostas auditivas evocadas do tronco encefálico. Observe surdez bilateral profunda.

(0,59MB).

A tomografia computadorizada revelou redução bilateral difusa do parênquima cerebral, com redução da substância branca, paquigiria/lisencefalia e múltiplas calcificações cerebrais predominantemente nos gânglios basais e nas regiões corticais‐subcorticais (fig. 2). Elisa de captura foi positivo para IgM de ZIKV no líquido cerebrospinal (LCE). Exames de reação em cadeia da polimerase (PCR) para Herpes simplex no soro foram negativos; exames de PCR para citomegalovírus no líquido cerebrospinal, soro e urina também foram negativos; IgM para toxoplasmose foi negativo e IgG positivo no sangue da mãe e IgM negativo e IgG positivo no sangue do recém‐nascido, mas em níveis mais baixos do que na mãe. Outras causas de microcefalia, tais como alcoolismo e distúrbios genéticos, também foram excluídas.

Figura 2.

Tomografia encefálica axial. Observe a atrofia cerebral e calcificações.

(0,07MB).

Na avaliação oftalmológica, córnea e cristalino se encontravam dentro dos parâmetros da normalidade; detectou‐se um alto grau de miopia, o fundo de olho mostrou coloboma macular bilateral e havia uma grande área de esclera exposta à direita, além de hipoplasia do nervo óptico à esquerda. Glaucoma foi observado bilateralmente. O irmão gêmeo era completamente normal, tanto no exame clínico como nos exames de sangue e LCE.

Aos dois meses a criança começou a apresentar grande irritabilidade. O eletroencefalograma mostrou atividade focal. Apresentava controle cervical instável, interação precária, nenhuma evidência de contato visual e atraso global de desenvolvimento. O paciente foi operado durante o terceiro mês para corrigir o pé torto e no quarto mês para o glaucoma. Um programa de estimulação neuromotora foi iniciado.

Discussão

Em 2015, o Ministério da Saúde do Brasil registrou um aumento de 15 vezes no número de casos de microcefalia no Estado de Pernambuco e em 28 de novembro de 2015 confirmou uma correlação entre a infecção por zika gestacional e microcefalia em recém‐nascidos.2 Desde então, foram tomadas medidas intensivas para controlar o surto viral e uma força tarefa foi criada para investigar outros possíveis efeitos deletérios da infecção intrauterina por ZIKV.

Acreditamos que este é o primeiro relato de perda auditiva associada a infecção gestacional por zika na literatura mundial. É importante ressaltar que todas as outras causas infecciosas de perda auditiva congênita foram excluídas por testes sorológicos, que a erupção cutânea e a febre sofridas pela mãe ocorreram durante um surto de ZIKV na mesma região e que IgM para ZIKV foi detectada no líquido cefalorraquidiano (LCR). Também se deve destacar que seu irmão gêmeo não tinha sinais de infecção por ZIKV e era absolutamente saudável. Isso destaca o potencial que essa doença viral tem de trazer consequências desastrosas para o feto quando adquirida durante a gravidez. Os mecanismos patológicos envolvidos na causa desse prejuízo funcional estão longe de ser elucidados, mas é provável que eles sigam as vias comuns a outras doenças virais congênitas, como citomegalovírus ou rubéola.

A microcefalia tem uma variedade de causas, que inclui infecções congênitas, tais como citomegalovírus, herpes simples tipo II, vírus da imunodeficiência humana, rubéola e vírus da varicela zoster.3 O grau de comprometimento pode variar desde uma leve malformação craniana com desenvolvimento neurológico normal até formas mais graves, com graus variáveis de deficiência mental. As anormalidades observadas por tomografia, assim como os achados clínicos, apontam para um grande comprometimento neurológico neste caso.

Essas lesões centrais podem ser a origem da deficiência auditiva dessa criança, mas a ausência de emissões otoacústicas indica que um dano periférico (coclear) provavelmente seja a causa. Os pacientes com rubéola e citomegalovírus também podem apresentar microcefalia, mas está bem estabelecido que, nesses casos, o defeito auditivo é secundário a um problema periférico.4

Ainda não se sabe se os danos teciduais causados pela infecção intrauterina por ZIKV são uma expressão de um efeito direto do próprio vírus ou uma reação imune do hospedeiro. Outros estudos histológicos são necessários para determinar a patogenia exata da doença.

Conclusão

Este caso indica que a ocorrência de ZIKV deve ser cuidadosamente monitorada durante as consultas pré‐natais nas regiões atingidas e deve ser considerada como uma possível causa de surdez congênita, quando há uma história de erupção cutânea e febre durante o período gestacional, especialmente durante o primeiro trimestre. Nos protocolos de avaliação da audição de recém‐nascidos, a infecção da mãe por ZIKV deve ser incluída entre os fatores de risco para perda auditiva.

Conflitos de interesse

Os autores declaram não haver conflitos de interesse.

Referências
[1]
C. Zanluca, V.C.A. Melo, A.L.P. Mosimann, G.I.V. Santos, C.N.D. Santos, K. Luz.
First report of autochthonous transmission of Zika virus in Brazil.
Mem Inst Oswaldo Cruz, 110 (2015), pp. 569-572
[2]
Brazil Ministry of Health. Ministério da Saúde confirma relação entre virus Zika e microcefalia. Available at: http://portalsaude.saude.gov.br/.index.php/cidadao/principal/agenciasaude/21014‐ministerio‐da‐saude confirmarelacao‐entre‐virus‐zika‐e‐microcefalia [accessed 17.12.15].
[3]
S. Degani.
Sonographic findings in fetal viral infections: a systematic review.
Obstet Gynecol Surv, 61 (2006), pp. 329-336
[4]
B.E. Cohen, A. Durstenfeld, P.C. Roehm.
Viral causes of hearing loss: a review for hearing health professionals.
Trends Hear, 28 (2014), pp. 1-17

Como citar este artigo: Leal MC, Muniz LF, Caldas Neto SS, van der Linden V, Ramos RC. Sensorineural hearing loss in a case of congenital Zika virus. Braz J Otorhinolaryngol. 2020;86:513–5.

A revisão por pares é da responsabilidade da Associação Brasileira de Otorrinolaringologia e Cirurgia Cérvico‐Facial.

Copyright © 2016. Associação Brasileira de Otorrinolaringologia e Cirurgia Cérvico-Facial
Idiomas
Brazilian Journal of Otorhinolaryngology
Opções de artigo
Ferramentas
en pt
Announcement Nota importante
Articles submitted as of May 1, 2022, which are accepted for publication will be subject to a fee (Article Publishing Charge, APC) payment by the author or research funder to cover the costs associated with publication. By submitting the manuscript to this journal, the authors agree to these terms. All manuscripts must be submitted in English.. Os artigos submetidos a partir de 1º de maio de 2022, que forem aceitos para publicação estarão sujeitos a uma taxa (Article Publishing Charge, APC) a ser paga pelo autor para cobrir os custos associados à publicação. Ao submeterem o manuscrito a esta revista, os autores concordam com esses termos. Todos os manuscritos devem ser submetidos em inglês.