Introdução
Sialolitíase é uma das doenças mais comuns de glândulas salivares.1,2 Trata-se de uma condição caracterizada por um fenômeno obstrutivo causado por um cálculo em uma glândula salivar ou em seu ducto excretório.1 Em geral, a apresentação clínica se caracteriza por edema e dor locais, infecção da área afetada e dilatação do ducto salivar.1 Normalmente, a sialolitíase afeta adultos entre a terceira e quarta décadas de vida, com uma frequência de 12:1000.3 O número de casos em pacientes do sexo masculino é cerca de duas vezes maior do que em pacientes do sexo feminino.3
Estima-se que 80-90% dos casos ocorram na glândula submandibular, enquanto que 10-20% ocorrem na glândula parótida.3 O tamanho dos cálculos varia, desde menos de um milímetro até alguns centímetros. Embora a frequência da sialolitíase seja relativamente alta, é rara a ocorrência de sialolitos gigantes medindo mais de 1,5 cm em qualquer dos seus diâmetros. Por essa razão, são poucos os estudos publicados na literatura médica pertinente.1,4
O presente artigo descreve um caso de um sialolito gigante em um homem de 42 anos de idade, abordando os aspectos clínicos, diagnósticos e a cirurgia do reparo do ducto realizada para a restauração do fluxo salivar.
Relato de caso
O paciente, um homem negro com 42 anos, compareceu a uma consulta odontológica em março de 2014. Após exame radiográfico de rotina, foi encaminhado para consulta com um cirurgião e traumatologista bucomaxilofacial, em abril do mesmo ano. Durante a anamnese, o paciente negou história de qualquer doença. Informou apenas uma cirurgia na perna direita, sem maiores intercorrências. O exame físico revelou anquiloglossia e, durante a palpação, um endurecimento na glândula salivar submandibular direita. Para um aprofundamento da investigação, foram solicitados exames de imagem (fig. 1A). A hipótese diagnóstica estabelecida foi a de sialolitíase no ducto da glândula submandibular direita.
Figura 1 A, Tomografia computadorizada (axial) revelando tecido mineralizado com densidade heterogênea e dimensões aproximadas de 3,0 × 1,0 cm. B, Imagem tridimensional do sialolito e da mandíbula.
Tendo em vista que o sialolito exibia dimensões exuberantes, foi proposta excisão cirúrgica, seguida de reconstrução do ducto da glândula submandibular. Foram solicitados exames de sangue e de risco cirúrgico para o paciente.
No dia 21 de maio de 2014, o procedimento foi realizado por uma abordagem intrabucal. O sialolito foi removido por curetagem, após incisão direta do ducto. A presença de mineralização parcial favoreceu a fragmentação da parte distal do cálculo. Um verdadeiro cisto de glândula salivar foi removido, juntamente com os cálculos (fig. 2).
Figura 2 A, O cálculo fragmentado, visto à esquerda. À direita, tecido correspondente ao cisto salivar. B, Secção histológica do cisto revelando um epitélio oncocítico cístico compatível com epitélio ductal (HE. 400×).
Para o tratamento da anquiloglossia, foi realizada uma frenulectomia da língua e, para a restauração do fluxo salivar, uma sonda uretral número 8 foi inserida no coto ductal residual. A mucosa foi suturada em torno da sonda com fio de sutura Vicryl 3-0, para reparar o ducto da glândula submandibular.
Os outros tecidos foram suturados em planos anatômicos e não houve complicações durante o procedimento cirúrgico.
Dois dias após a cirurgia, uma ultrassonografia demonstrou que a sonda se encontrava no interior do ducto da glândula submandibular (fig. 3). À ordenha da glândula, observou-se presença de um líquido cristalino fluindo do interior do tubo (fig. 4). Oito dias após a cirurgia, o paciente informou aumento no volume salivar e ocorrência de contrações na região da glândula submandibular.
Figura 3 A ultrassonografia mostra a sonda no interior do ducto da glândula salivar.
Figura 4 A sonda e as suturas se encontram em posição cirúrgica correta.
As suturas e o dreno foram removidos 14 dias após a cirurgia. Uma manobra de ordenha da glândula demonstrou salivação copiosa, indicativa de que a técnica cirúrgica efetuada tinha sido bem-sucedida na reconstrução da estrutura ductal. As consultas de seguimento realizadas até dois meses após a cirurgia não revelaram complicações ou queixas.
Discussão
Sialolitíase é uma doença que pode afetar qualquer faixa etária, com maior prevalência em adultos do sexo masculino.2,5 A sialolitíase afeta principalmente a glândula submandibular.6 Apesar de ser uma doença comum na população, a presença de um cálculo gigante é extremamente rara; a maioria dos sialolitos não excede 1,5 cm.3,5 O cálculo, no presente caso, tinha dimensões de, aproximadamente, 3,0 × 1,0 cm e, portanto, foi considerado como um sialolito gigante.1
Habitualmente, os sintomas relatados são dor e edema na área da glândula, que pioram às refeições (tabela 1).2-4,6,7 No presente relato, o paciente se encontrava assintomático, apesar das dimensões exuberantes do cálculo.
De acordo com Jensen8 e Cawson et al.,7 os cálculos salivares podem estar associados à presença de cistos verdadeiros de glândula salivar. Essas lesões ocorrem em função da obstrução do fluxo salivar, seguida por proliferação do epitélio ductal que circunda o cálculo. Nosso espécime apresentava uma diferenciação escamosa e oncocítica em acordo com a literatura pertinente.8
A fisiopatologia da formação do cálculo ainda não foi devidamente elucidada.3 No entanto, acredita-se que o sialolito se forma em decorrência da deposição de sais de cálcio em torno de um “nicho” de material orgânico.7
Em 80% dos casos, a glândula afetada é a submandibular,7 devido a uma série de fatores sinergísticos, como: a) composição da saliva produzida pela glândula, que é mais alcalina e com importante concentração de cálcio6; b) o fluxo salivar que ocorre contra a gravidade2,9; e c) anatomia longa e tortuosa do ducto da glândula submandibular.6,9 Todos esses fatores operam em conjunto na formação do cálculo na glândula submandibular.2,6,9 Na opinião dos autores, a ocorrência dos sialolitos apresentados na literatura consultada é coerente com o nosso entendimento.
Com relação ao tratamento, a opção por um procedimento menos invasivo é de grande importância, para que seja preservado o funcionamento da glândula.2,4,7,9 A literatura pertinente indicou alguns procedimentos cirúrgicos, como sialitotomia transoral, sialendoscopia, litotripsia por onda de choque extracorpórea e ressecção da glândula.2,3 Nos casos de pequenos sialolitos, também são possíveis tratamentos conservadores por meio de sialogogos e massagem da glândula.7
O presente caso descreveu o tratamento de um cálculo exuberante por meio de uma abordagem intrabucal, em associação com reparo ductal. Embora Fowell et al.2 tenham concluído que a sialoplastia é um dos principais tratamentos para sialolitos gigantes, essa técnica não foi descrita ou utilizada pelos autores consultados. Esses estudiosos promoveram a remoção do sialolito com fechamento por segunda intenção.
Entre as possíveis complicações cirúrgicas, inclui-se a lesão do nervo mandibular.2 A outra complicação é a estenose do ducto de Wharton.2 Em nosso caso, não houve evidência de qualquer dessas complicações. O reparo ductal preservou o fluxo salivar entre a glândula e a cavidade bucal.
A remoção cirúrgica de sialolitos varia, dependendo do cirurgião. A abordagem preferida é principalmente realizada por meio de uma intervenção intrabucal (tabela 1).
Conclusão
O presente relato de caso teve como objetivo descrever a remoção de um sialolito gigante. De acordo com o conhecimento dos autores, o caso descrito é singular, em função do reparo cirúrgico do ducto após excisão de um cálculo salivar.
Conflitos de interesse
Os autores declaram não haver conflitos de interesse.
Recebido em 11 de março de 2015;
aceito em 27 de março de 2015
* Autor para correspondência.
E-mail:pietromainenti@terra.com.br (P. Mainenti).
DOI se refere ao artigo: http://dx.doi.org/10.1016/j.bjorl.2015.03.013
☆ Como citar este artigo: Oliveira TP, Oliveira INF, Pinheiro ECP, Gomes RCF, Mainenti P. Giant sialolith of submandibular gland duct treated by excision and ductal repair: case report. Braz J Otorhinolaryngol. 2016;82:120-3.
☆☆ Instituição: Faculdade de Medicina de Juiz de Fora, Universidade Presidente Antônio Carlos, Juiz de Fora, MG, Brasil.