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Vol. 88. Núm. 3.
Páginas 351-357 (Maio - Junho 2022)
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Vol. 88. Núm. 3.
Páginas 351-357 (Maio - Junho 2022)
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Tendinite aguda do músculo longus colli e otorrinolaringologia
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Kfir Siaga,
Autor para correspondência
kfir.siagMD@gmail.com

Autor para correspondência.
, Salim Mazzawia, Miki Pakera, Roy Bienera, Rami Ghanayima, Dmitry Lumelskyb
a Emek Medical Center, Department of Otolaryngology Head and Neck Surgery, Afula, Israel
b Emek Medical Center, Department of Radiology, Afula, Israel
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Resumo
Introdução

A tendinite aguda do músculo longus colli é causada pela deposição de hidroxiapatita de cálcio no tendão do músculo longus colli com subsequente inflamação. As calcificações estão comumente localizadas na porção oblíqua superior ao nível das vértebras C1‐C2. A apresentação clínica típica consiste em dor cervical aguda, odinofagia e limitação dolorosa da amplitude de movimento do pescoço.

Objetivos

Descreveremos essa doença por meio de três casos apresentados em nossa instituição e compararemos os achados em exames de imagem.

Método

Revisamos retrospectivamente os dados clínicos, as características radiológicas e os relatórios laboratoriais de três pacientes com diagnóstico de tendinite aguda do músculo longus colli. A tomografia computadorizada e as radiografias simples foram revisadas e comparadas por um único radiologista. Uma revisão contemporânea da literatura foi feita nos bancos de dados PubMed (Medline), Embase e Cochrane.

Resultados

A tomografia computadorizada apresentou maior sensibilidade para detecção da calcificação patognomônica do que a radiografia simples e facilitou a exclusão de outras condições mais graves, seguiu uma interpretação sistemática composta por cinco elementos‐chave. As radiografias simples mostraram sinais inespecíficos de edema dos tecidos moles pré‐vertebrais e diminuição da curva lordótica cervical. Entretanto, nenhuma calcificação foi identificada nas radiografias simples. A revisão da literatura produziu 153 artigos com 372 casos. Procedimentos cirúrgicos ou invasivos foram mencionados em 13,7% das publicações e feitos em 28 pacientes.

Conclusão

A tendinite aguda do músculo longus colli pode mimetizar a apresentação clínica de condições mais graves que necessitam da avaliação do otorrinolaringologista, como doenças infecciosas, traumáticas e neoplásicas. O conhecimento dessa entidade, com seus achados de imagem patognomônica, pode evitar uma terapia clínica mal direcionada e procedimentos invasivos desnecessários.

Palavras‐chave:
Tendinite
Tendinopatia
Longus colli
Abscesso retrofaríngeo
Dor cervical
Texto Completo
Introdução

A tendinite aguda do músculo longus colli (ALT, do inglês acute longus colli tendinitis) é uma causa incomum e sub‐reconhecida de dor cervical atraumática. A apresentação clínica imita condições mais graves da região cervical pré‐vertebral, as quais o otorrinolaringologista pode ser solicitado a avaliar, como doenças infecciosas, traumáticas e neoplásicas. No entanto, essa condição tem recebido pouca atenção na literatura otorrinolaringológica até o momento. O conhecimento dessa entidade pelos otorrinolaringologistas com seus achados de imagem patognomônicos pode auxiliar na prevenção de tratamentos clínicos mal direcionados, procedimentos invasivos desnecessários, ansiedade do paciente e atrasos na alta hospitalar. Descreveremos essa doença através de três casos atendidos em nossa instituição e revisaremos a literatura pertinente.

Método

Uma busca computadorizada dos prontuários médicos de todos os pacientes admitidos no EmekMedical Center em Israel desde o início até dezembro de 2020 identificou três pacientes com diagnóstico de ALT entre março de 2018 e março de 2019. A aprovação foi obtida pelo comitê de ética institucional. Uma revisão retrospectiva do prontuário médico incluiu dados demográficos dos pacientes, histórico médico anterior, avaliação clínica e resultados de exames laboratoriais. Todas as radiografias simples e tomografias computadorizadas (TC) foram obtidas e avaliadas por um único radiologista com experiência na área.

Uma revisão contemporânea da literatura foi feita em agosto de 2020 nos bancos de dados PubMed (Medline), Embase e Cochrane com o seguinte algoritmo: tendinopathy (termo MESH) ou tendinitis ou tendonitis combinados com os operadores Booleanos AND para incluir os termos longus colli ou retropharyngeal ou prevertebral. Uma pesquisa com termos semelhantes foi feitas nos bancos de dados Cochrane Library e Embase. Os artigos relevantes foram recuperados e suas referências pesquisadas para outras publicações. Publicações em outros idiomas que não o inglês ou publicações sem dados clínicos foram excluídas.

Apresentação de casosCaso 1

Uma mulher de 48 anos apresentou história de dor cervical por um único dia exacerbada com movimentos do pescoço em todas as direções, amplitude de movimento cervical limitada, dor de garganta e odinofagia. O exame otorrinolaringológico (orelha, nariz, garganta), inclusive laringoscopia por fibra óptica, não apresentou anormalidades. A paciente apresentava amplitude de movimento (ADM) cervical limitada em todas as direções, com sensibilidade na coluna cervical e área paravertebral. O exame neurológico foi normal. Ela apresentava aumento da contagem de leucócitos e leve elevação do nível de proteína C‐reativa (PCR). A radiografia lateral do pescoço mostrou edema de partes moles pré‐vertebrais e diminuição da curva lordótica cervical, mas não demonstrou calcificações (fig. 1A). A TC mostrou edema e derrame dos tecidos moles pré‐vertebrais sem realce da parede, diminuição da curva lordótica cervical e calcificações patognomônicas no nível das vértebras C1‐C2 (figs. 1B e C). Ela foi diagnosticada com ALT e recebeu alta do pronto‐socorro com regime de tratamento com anti‐inflamatórios não esteroides (AINEs) por 10 dias. Um exame de seguimento feito 4 dias depois foi normal com resolução completa dos sintomas.

Figura 1.

Mulher de 48 anos com tendinite aguda do músculo longus colli. A, Radiografia simples mostra espessura dos tecidos moles pré‐vertebrais e diminuição da curva lordótica cervical. B, Visão sagital de uma tomografia computadorizada da mesma paciente mostra os mesmos achados e as calcificações amorfas típicas (ponta de seta preta) no nível das vértebras C1‐C2, não visíveis na radiografia simples. C, Visão axial no nível da vértebra C2 mostra as calcificações amorfas (seta preta) e aumento da espessura dos tecidos moles pré‐vertebrais.

(0,08MB).
Caso 2

Um homem de 52 anos apresentou uma história de 3 dias de dor cervical, exacerbada com extensão do pescoço, amplitude de movimento cervical limitada, dor de garganta e odinofagia. Ele tinha um histórico de dislipidemia. O exame otorrinolaringológico, inclusive laringoscopia por fibra óptica, não apresentou anormalidades. O paciente tinha uma ADM cervical limitada à extensão do pescoço, com sensibilidade na coluna cervical e na área paravertebral. O exame neurológico foi normal. Ele apresentou aumento da contagem de leucócitos e níveis elevados de PCR. A radiografia lateral do pescoço mostrou edema de tecidos moles pré‐vertebrais e diminuição da curva lordótica cervical, mas não mostrou calcificações. Uma tomografia computadorizada mostrou edema e derrame de tecidos moles pré‐vertebrais sem realce da parede, diminuição da curva lordótica cervical e calcificações patognomônicas no nível das vértebras C1‐C2. Ele foi diagnosticado com ALT e recebeu alta do pronto‐socorro com regime de tratamento com AINEs por 10 dias. O exame de seguimento foi positivo para dor na coluna cervical sem qualquer limitação cervical ou sinal neurológico. Devido à dor com extensão cervical, ele foi tratado com AINEs por mais 10 dias. Devido à prolongada duração dos sintomas, foi encaminhado para ressonância magnética (RM), cujo resultado foi normal. A resolução completa dos sintomas ocorreu após 64 dias.

Caso 3

Um homem de 31 anos tinha uma história de 2 semanas de dor cervical exacerbada com extensão do pescoço, amplitude de movimento cervical limitada, dor de garganta e odinofagia. O exame otorrinolaringológico, inclusive laringoscopia indireta, não apresentou anormalidades. O paciente tinha uma ADM cervical limitada na extensão, sem dor na coluna cervical. O exame neurológico foi normal. A contagem de glóbulos brancos (WBC, do inglês white blood cells) estava dentro da faixa de normalidade. O nível de proteína C‐reativa (PCR) estava elevado. Uma TC com contraste demonstrou calcificação ao nível das vértebras C1‐C2, edema e derrame dos tecidos moles retrofaríngeos sem realce da parede. A curva lordótica cervical estava normal. Devido à impressão radiológica inicial de um abscesso retrofaríngeo, o paciente foi hospitalizado por 3 dias e recebeu antibióticos intravenosos até a revisão da TC. Ele foi então diagnosticado com ALT e recebeu alta com um regime de tratamento com AINEs por 7 dias. O paciente foi perdido no seguimento e foi entrevistado por telefone 2,5 anos depois. Ele se lembrou de ter sido tratado por uma semana e estava assintomático desde então.

Resultados

Dois homens e uma mulher apresentaram em média 6,3 dias de história de dor cervical, limitação de ADM cervical, dor de garganta e odinofagia (tabela 1). Nenhum paciente relatou disfagia ou diminuição do apetite. Não havia dispneia ou rouquidão. Nenhum dos pacientes havia tido um evento anterior de dor cervical aguda ou trauma prévio. Nenhum paciente apresentou febre. O exame físico foi normal, exceto por dor na coluna cervical e área paravertebral e ADM limitada, mais acentuada à extensão cervical (2/3). A avaliação laboratorial demonstrou elevada contagem de leucócitos com desvio à esquerda (2/3) e aumento do nível de PCR (3/3).

Tabela 1.

Resumo dos achados clínicos

N°  Razão e média 
Sexo  2/3 
Idade, anos  48  52  31  44 
Duração dos sintomas antes da apresentação, dias  14  6.3 
Dor cervical  3/3 
Rigidez cervical  3/3 
ADM limitada  3/3 
Dor de garganta  3/3 
Odinofagia  3/3 
Dor agravada pela extensão do pescoço  ‐  2/3 
Dor agravada pelo movimento do pescoço em todas as direções  ‐  ‐  1/3 
Sensibilidade nas vértebras cervicais e músculos paravertebrais  ‐  2/3 
Aumento de WBC, K/μL (4,5–11,5)  11.720  15.670  10.160  2/3 
Desvio à esquerda  ‐  2/3 
PCR, mg/dL (0–0,5)  1,88  4,65  5,45  3/3 
Duração do tratamento com AINEs, dias  10  20  12 
Duração do seguimento, dias  64  25 
Resolução dos sintomas no seguimento  3/3 

M, masculino; F, feminino; WBC, contagem de glóbulos brancos; PCR, proteína C‐reativa; AINEs, anti‐inflamatórios não esteroidais; PS, perda de seguimento. Os valores laboratoriais normais são apresentados entre parênteses.

Ambas as radiografias laterais do pescoço não mostraram a calcificação típica no nível C1‐C2, demonstrada posteriormente pela TC devido à sua sensibilidade aumentada (tabela 2). Todas as tomografias computadorizadas mostraram calcificações patognomônicas nos níveis C1‐C2, edema e derrame dos tecidos moles pré‐vertebrais sem realce da parede. Uma curva lordótica cervical diminuída foi demonstrada em 2/3 casos. Também não havia aumento dos linfonodos retrofaríngeos ou cervicais e não havia lesões ósseas líticas ou fraturas vertebrais. A resolução das calcificações não foi demonstrada devido à falta de radiografias no seguimento. A resolução dos sintomas no seguimento foi alcançada precocemente em dois pacientes e mais tarde do que o esperado em outro.

Tabela 2.

Resumo dos estudos de imagem

N°  Razão e média 
Radiografia simples         
Calcificação pré‐vertebral  ‐  ‐  N/D  0/2 
Edema dos tecidos moles pré‐vertebrais  N/D  2/2 
Curva lordótica cervical diminuída  N/D  2/2 
TC com contraste         
Calcificação pré‐vertebral, nível das vértebras  C1–C2  C1–C2  C1–C2  3/3 
Espessura dos tecidos moles pré‐vertebrais, mm  10,4  11,8  12,7  11.6 
Curva lordótica cervical diminuída  ‐  2/2 
Coleção de fluido retrofaríngeo, nível das vértebras  C3–C5  C2–C5  C2–C5  3/3 

TC, tomografia computadorizada; N/D, não disponível.

A revisão da literatura revelou 153 artigos, dos quais 114 eram relatos de caso único, 36 eram séries de casos com de 2 a 10 pacientes e 3 eram publicações maiores compostas de 12 a 45 pacientes. O número total de pacientes foi 372, embora esse número possa apresentar viés, pois alguns casos podem estar repetidos em várias publicações. Desses artigos, 29 foram publicados em revistas de radiologia, 21 em revistas de ortopedia ou reumatologia, 17 em revistas de medicina de emergência, 18 em revistas de neurologia e dor, 12 em revistas de medicina interna e 27 em revistas de otorrinolaringologia. Foram publicados em outros tipos de revistas 29 artigos. Procedimentos cirúrgicos ou invasivos foram mencionados em 13,7% das publicações e foram feitos em 28 pacientes (ver Documento Suplementar para detalhes completos). Desses, um paciente foi operado devido a gota laríngea concomitante, e não por causa da ALT.

Discussão

A tendinite aguda do músculo longus colli, também conhecida como tendinite calcificada retrofaríngea aguda e tendinite calcificada do músculo longus colli, é causada pela deposição de hidroxiapatita de cálcio no tendão do músculo longus colli, com subsequente inflamação. A apresentação clínica característica inclui uma tríade de dor cervical aguda, odinofagia e limitação dolorosa da amplitude de movimento cervical.1,2

Visão histórica

Que seja de nosso conhecimento, a primeira descrição na literatura em inglês foi relatada em 1964 por Hartley, que descreveu a associação entre os sintomas clínicos e os depósitos amorfos de cálcio anteriores à articulação atlantoaxial.3

As primeiras publicações na literatura em idioma que não o inglês datam de meados do século XX. O primeiro caso a ser detectado em uma radiografia simples foi relatado em 1950 por Krook e publicado no ano subsequente.4,5 Em seu relato, Krook observou a semelhança dessa condição com a tendinite calcificada que ocorre em outros locais. Fahlgren e Löfstedt publicaram a primeira descrição da síndrome em 1963, descreveram em sueco seus achados em dez pacientes6–10 e em 1967 eles foram os primeiros a correlacionar a presença de calcificações amorfas anteriores às vértebras cervicais superiores com o tendão do músculo longus colli.11,12

A patogênese foi esclarecida em 1994 por Ring et al.13 O diagnóstico errado da doença levou ao tratamento clínico desnecessário em cinco pacientes e biópsia aberta desnecessária em um paciente. A avaliação histopatológica demonstrou resposta inflamatória à presença de corpo estranho secundária à deposição de cristais de hidroxiapatita de cálcio nas fibras do tendão oblíquo superior do músculo longus colli.

Embora clinicamente relevante, os relatos dessa entidade na literatura otorrinolaringológica são escassos.14–20 A descrição mais antiga dessa entidade que pudemos encontrar na literatura otorrinolaringológica foi publicada em janeiro de 1982 por Herwig e Gluckman.21

Fisiopatologia

O processo subjacente da ALT é a doença de deposição de hidroxiapatita de cálcio (CHADD, do inglês calcium hydroxyapatite deposition disease) do músculo longus colli em sua fixação do tendão ao tubérculo anterior de C1, com tendinite inflamatória secundária.16,18,22 Esse processo pode ser semelhante ao da tendinite calcificada em outros locais, comumente observada no tendão supraespinhal do manguito rotador, tendão patelar e tendão de Aquiles.23 A causa exata da CHADD é desconhecida.24 Especula‐se que a deposição de cristais pode ocorrer após lesão ou trauma repetitivo. Uma predisposição genética, distúrbios do metabolismo da tireoide e estrogênio e fatores metabólicos também foram sugeridos como por desempenhar um papel.16,25,26 A tendinite calcificada reativa parece ocorrer em tecido viável, não necrótico, ao contrário da calcificação distrófica.27 A relação da ALT com a isquemia e necrose tecidual é controversa.16,27–29

Rui et al. isolaram células‐tronco derivadas do tendão (TDSCs, do inglês tendon‐derived stem cells) do tendão flexor e do tendão patelar de ratos.30 De acordo com seu modelo, a diferenciação errônea de TDSCs em condrócitos ou osteoblastos, em vez de tenócitos, pode ser responsável pela metacondroplasia e ossificação ectópica na tendinite calcificante. Isso pode então causar a deposição aberrante de matriz extracelular, resultar em degeneração mucoide e enfraquecimento do tendão. Por fim, ocorre a ossificação e forma‐se a deposição calcificada. Como os tendões ossificados apresentam rigidez aumentada, a ossificação pode ser percebida como uma tentativa localizada de compensar a rigidez diminuída original do tendão. Essa hipótese é apoiada pela upregulação dos genes associados à cartilagem e pela downregulação dos genes associados ao tendão no tendão supraespinhal de rato.31

Epidemiologia

A condição afeta adultos em uma faixa relatada de 21 a 81 anos, com a maior distribuição entre 30 e 60 anos.2,13,14,19,32 Há uma predominância de 60% do sexo feminino.2,19,26 Nenhuma etnia é super‐representada.14,20 A incidência anual estimada é de 0,5 casos por 100.000 pessoas‐ano, com uma incidência pareada por idade de 1,31 por 100.000 pessoas‐ano. 19 A verdadeira incidência de ALT permanece incerta, provavelmente porque a doença passa despercebida com frequência.2,11

Apresentação clínica

De acordo com a revisão da literatura feita por Park et al.,26 os sintomas mais comuns são dor cervical (94%), amplitude de movimento cervical limitada (45%), odinofagia (45%), rigidez cervical (42%), disfagia (27%), dor de garganta (17%) e espasmo cervical (11%). O envolvimento do músculo longus colli explica a maioria dos sintomas, enquanto a disfagia pode ocorrer devido à proximidade anatômica entre o espaço retrofaríngeo e os constritores faríngeos.33

O exame físico geralmente revela espasmo do músculo paraespinhal cervical com a cabeça mantida em leve flexão. A amplitude de movimento é extremamente limitada, geralmente secundária à dor intensa, especialmente na extensão.13 De acordo alguns autores, o exame endoscópico por fibra óptica pode mostrar edema da parede posterior da nasofaringe,20 embora tal achado não tenha sido observado em nosso estudo. Os achados laboratoriais incluem contagem de níveis de leucócitos, velocidade de hemossedimentação e proteína C reativa normais ou ligeiramente elevados.26

Estudos de imagem

O músculo longus colli consiste em 3 porções: oblíquo superior, oblíquo inferior e vertical. Classicamente, a calcificação afeta a porção oblíqua superior do músculo longus colli e pode ser observada em estudos de imagem nos níveis das vértebras C1‐C2,34 embora calcificações em locais mais inferiores, como os níveis de C5‐C6, também tenham sido descritas.18,35

As radiografias laterais cervicais podem mostrar edema de tecidos moles pré‐vertebrais e uma radiodensidade amorfa de 10 a 20mm de diâmetro anterior à primeira ou segunda vértebra cervical. Esses achados radiológicos desaparecem à medida que os sintomas são resolvidos em 2 semanas.14

Essas calcificações nem sempre são visíveis em radiografias simples, como visto em nossa amostra. Além disso, outros processos podem imitar as calcificações de ALT em radiografias simples.11 Por exemplo, um ossículo acessório inferior do arco C1 anterior, a porção inferior do arco C1, as massas laterais de C2 em uma projeção com rotação e um ligamento estilo‐hioideo calcificado podem ser confundidos com uma calcificação intratendínea.11

A ressonância magnética (RM) cervical detecta a inflamação e afetando o músculo longus colli, ao demonstrar alta intensidade de sinal em imagens ponderadas em T2 no espaço retrofaríngeo. O exame por RM também permite excluir a presença de espondilite e abscessos epidurais ou tumor. No entanto, a RM não tem sensibilidade para demonstrar a presença de calcificação.13,34

A resolução de contraste mais alta da tomografia computadorizada (TC) torna‐a uma técnica mais sensível do que a radiografia simples ou a RM para a detecção de tal calcificação.20,34 A TC também é mais acessível e menos cara do que a RM, o que a torna a modalidade de imagem de primeira linha preferida.20

A frequência geral de ALT na TC do pescoço é 1,1:1.000 exames. A frequência aumenta significativamente para 11,4:1.000 em pacientes sem história de trauma recente, suspeita de complicação pós‐operatória, sinais clínicos de infecção cervical profunda, presença conhecida de tumor na região cervical ou suspeita de disseminação metastática de outros locais.36

É essencial observar cinco elementos‐chave durante a interpretação da TC:34,37 1) o derrame expande suavemente o espaço retrofaríngeo em todas as direções; 2) ausência de realce da parede; 3) ausência de linfonodos supurativos no espaço retrofaríngeo; 4) demonstração das calcificações patognomônicas nas fibras oblíquas superiores do músculo longus colli; 5) ausência de alterações ósseas destrutivas nas vértebras adjacentes da coluna cervical. A falha em demonstrar esses cinco achados radiológicos principais deve levar à suspeita e avaliação de um diagnóstico opcional.

Avaliação e manejo

O diagnóstico diferencial se concentra em excluir outras doenças mais graves antes de fazer o diagnóstico de ALT. A abordagem ao paciente é ditada pela história dele, exame físico e estudos de imagem. Quando características típicas de dor ou espasmo nucal são acompanhadas de sinais ou sintomas neurológicos, o diagnóstico de meningite deve ser suspeitado. As infecções cervicais profundas, principalmente o abscesso retrofaríngeo, devem ser sempre consideradas no diagnóstico diferencial devido à grande semelhança do quadro clínico e algumas semelhanças nos exames de imagem. As radiografias podem mostrar espessamento dos tecidos moles pré‐vertebrais, mas não a densidade amorfa calcificada. Quando a calcificação típica não é demonstrada na radiografia simples, a TC oferece maior sensibilidade. A TC pode mostrar derrame tanto na presença de ALT quanto no abscesso retrofaríngeo. Entretanto, as características da ALT incluem uma expansão mais uniforme do derrame em todas as direções, ausência de realce da parede, ausência de linfonodos supurativos no espaço retrofaríngeo e calcificações patognomônicas nas fibras oblíquas superiores do músculo longus colli.33 A idade do paciente também deve ser levada em consideração, uma vez que a ALT é descrita apenas na população adulta. Portanto, uma apresentação clínica similar em um paciente pediátrico deve levantar a suspeita de infecções do espaço cervical profundo, como abscessos retrofaríngeos ou parafaríngeos. Se houve trauma, edema do tecido mole cervical, hematoma, fraturas e hérnia de disco são possíveis. No entanto, a presença de trauma pode separar esses pacientes.

Além disso, se houver uma história coincidente de trauma recente, a TC pode descartar a possibilidade de fratura por avulsão, pois um fragmento ósseo pode ser facilmente diferenciado da calcificação amorfa associada à ALT. A espondilite e a espondilodiscite são diferenciadas da ALT pela presença de erosão ou destruição ósseas dos corpos vertebrais, estreitamento do espaço intervertebral e ausência de calcificações pré‐vertebrais nos quadros agudos. Além disso, a linfadenopatia associada pode contribuir para a diferenciação. As metástases ósseas não devem representar problema diagnóstico e uma lesão óssea lítica ou fratura seria claramente visível na TC. Corpos estranhos no trato aerodigestivo superior geralmente se apresentam com uma história característica e, radiograficamente, são menos prováveis de se apresentar tão superiores quanto C1 a C2 no tecido mole pré‐vertebral. Edema no espaço retrofaríngeo também pode ocorrer como um efeito colateral esperado da radiação terapêutica para a área, ou como uma sequela de ressecção de veia jugular em cirurgia anterior.

Tratamento

A inflamação é autolimitada e a resolução completa dos sintomas geralmente é alcançada após uma a 2 semanas.26,38,39 O tratamento sintomático geralmente consiste em medicamentos anti‐inflamatórios não esteroides, com corticosteroides e analgésicos opioides reservados para casos mais graves.2,20,26,29 A analgesia adicional por outros medicamentos pode ser adicionada, com ou sem opioides. Relaxantes musculares e bloqueadores H2 foram usados por alguns autores. No entanto, ensaios clínicos randomizados são necessários para determinar a eficácia do tratamento clínico. Um colar cervical macio pode ser usado, embora não haja evidências para apoiar sua aplicação. A duração do tratamento varia consideravelmente entre os estudos, de menos de um dia a 5 semanas.

Antibióticos, terapia analgésica local, terapia por ondas de choque extracorpórea e tratamentos cirúrgicos não são indicados.29 Embora o desaparecimento das calcificações possa ser demonstrado através de radiografia simples,16,38 imagens de seguimento não são rotineiramente recomendadas.40 A recorrência local ainda não foi relatada.29

Conclusão

A tendinite aguda do músculo longus colli é uma causa benigna infrequente e pouco reconhecida de dor cervical atraumática causada pela inflamação do músculo longus colli. Embora as manifestações clínicas possam ser difíceis de distinguir de outras doenças mais graves, o diagnóstico pode ser estabelecido através de seus achados de imagem patognomônicos. O manejo é conservador com resolução precoce dos sintomas. O reconhecimento dessa condição autolimitada pelos otorrinolaringologistas pode evitar a terapia clínica mal direcionada e procedimentos invasivos desnecessários.

Conflitos de interesse

Os autores declaram não haver conflitos de interesse.

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Como citar este artigo: Siag K, Mazzawi S, Paker M, Biener R, Ghanayim R, Lumelsky D. Acute longus colli tendinitis and otolaryngology. Braz J Otorhinolaryngol. 2022;88:351–7.

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