Gostaríamos de abordar o manuscrito intitulado “Miringoplastia endoscópica transcanal: série de casos em um serviço universitário”, de Garcia et al.1 O trabalho é excelente. No entanto, acreditamos que o uso adequado da tecnologia e as indicações cirúrgicas não estão inteiramente claros.
Os autores escrevem em Material e Métodos: “Todos os pacientes com idade maior do que 12 anos, com diagnóstico de sequela de OMC não supurativa, não colesteatomatosa, ou com perfuração traumática sem resolução espontânea por mais de três meses foram incluídos no estudo. O diagnóstico foi baseado em dados de anamnese, exame físico, audiometria e impedanciometria”.1 Esses critérios de inclusão são vagos. Estudos anteriores sugeriram que a maioria das perfurações traumáticas tende a cicatrizar espontaneamente em até três meses após a lesão.2 Certos tratamentos simples e não invasivos facilitam o fechamento das perfurações subagudas da membrana timpânica; esses incluem aplicação tópica de FGF‐23 e curativos com Gelfoam. Assim, a miringoplastia endoscópica com cartilagem simplesmente aumenta os custos médicos e as complicações, quando as perfurações traumáticas não sofrem resolução espontânea dentro de três meses. Além disso, os autores não deixam claro se foram incluídas perfurações com otite média associadas a tecido de granulação. A miringoplastia endoscópica isoladamente não é confiável nesses pacientes; a mastoidectomia também deve ser feita.
Os autores escrevem em Material e Métodos: “A técnica e o instrumental cirúrgico usados foram os mesmos das cirurgias de rotina feitas com microscópio, com exceção do não uso do microscópio e do espéculo otológico e do uso de endoscópios rígidos Storz de 4mm de diâmetro e 18cm de comprimento, na angulação de 0° (Karl Storz GmbH & Co. KG, Tuttlingen, Alemanha)”.1 Os autores não mencionam a condição do Meato Acústico Externo (MAE). Observamos que a miringoplastia endoscópica é particularmente difícil em pacientes com MAEs tortuosos ou extremamente estreitos e naqueles com qualquer tipo de obstáculo (como um osteoma pequeno), que reduz o campo de visão endoscópico. Isso ocorre porque a inserção simultânea do endoscópio e dos instrumentos cirúrgicos necessários imbrica‐se no campo cirúrgico. MAEs adultos com diâmetro < 4mm são considerados estreitos.4 O diâmetro do microinstrumento usado durante o procedimento otológico excede 1mm. O campo cirúrgico torna‐se muito pequeno se o MAE tiver<4mm de diâmetro, particularmente se for usado um endoscópio de 4mm de diâmetro. No entanto, em crianças, Ito et al.5 acreditavam que a miringoplastia endoscópica poderia ser viável quando a diferença entre o diâmetro do endoscópio e o menor diâmetro do MAE fosse>0,5mm. Seria imprudente usar um endoscópio de 2,7mm de diâmetro durante a miringoplastia pediátrica quando o diâmetro do MAE fosse<3,2mm. Assim, a miringoplastia endoscópica transcanal pode ser difícil em crianças entre 12 e 16 anos se for usado um endoscópio de 4mm de diâmetro. Além disso, na maioria dos casos, apenas uma das mãos fica livre para fazer a miringoplastia endoscópica, porque a outra deve segurar o endoscópio. Um hematoma (com sangramento subsequente) pode se desenvolver se o endoscópio entrar em contato com o MAE ou as margens recentemente perfuradas de pacientes pediátricos com inflamação crônica do MAE, um tímpano remanescente ou otite externa por fungos. Um sangramento maciço pode obstruir o campo de visão endoscópica, dificultar assim a cirurgia. Embora a aplicação de uma esponja embebida em adrenalina (diluição de 1: 100.000) durante alguns minutos possa permitir hemostasia adequada, a cirurgia feita com apenas uma das mãos, com uma técnica endoscópica, prolonga a operação. No entanto, o cirurgião pode usar uma das mãos para aspirar sangue e a outra para reavivar as margens da perfuração se a abordagem microscópica bimanual for empregada. Além disso, os autores escrevem na seção Resultados: “Quanto ao resultado cirúrgico, na otoscopia pós‐operatória foi observado fechamento completo da perfuração em 86,4% (n=19) dos pacientes após três meses da intervenção”.1 O tempo de seguimento foi curto e, portanto, a taxa de sucesso relatada não é completamente confiável. A maioria dos autores sugere que é necessário um acompanhamento de pelo menos um ano, pois uma recorrência da perfuração após miringoplastia é possível durante esse período.6
Em resumo, a abordagem endoscópica transcanal é excelente para fazer a miringoplastia com cartilagem, reduz tanto o tempo cirúrgico quanto as complicações. Contudo, tanto as indicações cirúrgicas como a avaliação cuidadosa do diâmetro exterior do endoscópio são muito importantes, é necessário um acompanhamento em longo prazo.
Conflitos de interesseOs autores declaram não haver conflitos de interesse.
Como citar este artigo: Lou Z. The outer diameter of the endoscope is important when performing endoscopic transcanal myringoplasty. Braz J Otorhinolaryngol. 2017;83:730–1.