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Vol. 88. Núm. 6.
Páginas 999-1002 (Novembro - Dezembro 2022)
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Relato de caso
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Um caso de hemangioma cavernoso da fossa infratemporal causando otite média serosa recorrente
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Edoardo Covellia, Valerio Margania, Guido Trasimenia, Chiara Filippia, Giorgio Bandieraa, Simonetta Moninia, Maurizio Barbaraa,b,
Autor para correspondência
maurizio.barbara@uniroma1.it

Autor para correspondência.
a Sant’Andrea Hospital, NESMOS Department, Medicine and Psychology, ENT Clinic, Roma, Itália
b Sant’Andrea University Hospital, NESMOS Department, Otolaryngology Clinic, Roma, Itália
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Introdução

A otite média serosa é definida como a presença de fluido no espaço da orelha média que causa plenitude auricular e perda auditiva secundária à obstrução da tuba auditiva ou resolução incompleta da otite média aguda.1 A maioria dos casos é autolimitada com recuperação em 2 ou 3 semanas, enquanto outros casos requerem tratamento médico. O diagnóstico inclui otoscopia e sintomas auditivos. A timpanometria é obrigatória para confirmar a presença de líquido na orelha média e avaliar a função da tuba auditiva. Em casos mais graves, audiometria, tomografia computadorizada de mastoides e ressonância magnética podem ser usadas para avaliar complicações associadas. Todo paciente com efusão unilateral de orelha média deve ser submetido à nasofaringoscopia para avaliar o espaço nasofaríngeo.2 Quando os resultados em ambos os exames são normais, muitos pacientes adultos são submetidos a tratamentos clínicos adicionais ou inserção de tubo de ventilação.3 Essa abordagem pode ser bem‐sucedida em pacientes com efusão recorrente típica e nasofaringoscopia normal; no entanto, o estreitamento da trompa de Eustáquio devido a lesões ocultas pode não ser detectado se uma investigação adicional não for feita. Lesões expansivas no nível da fossa pterigopalatina podem causar compressão da tuba auditiva com subsequente disfunção da tuba, com achados clínicos de otite média serosa unilateral recorrente. Neste artigo, relatamos um caso de hemangioma cavernoso da fossa infratemporal que causa otite média serosa recorrente.

Relato de caso

Um homem de 55 anos, saudável em outros aspectos, apresentou história de perda auditiva e plenitude na orelha esquerda. A otoscopia mostrou uma membrana timpânica hiperêmica com acúmulo de líquido atrás da membrana timpânica na orelha esquerda, enquanto a orelha direita estava normal. O exame dos nervos cranianos não revelou anormalidade, exceto por uma leve hipoestesia da área facial inervada pelo segundo ramo do trigêmeo. A audiometria mostrou perda auditiva neurossensorial leve à direita e perda auditiva mista moderada à esquerda. A timpanometria mostrou curvas do tipo “A” do lado direito e do tipo “B” do lado esquerdo. A nasofaringoscopia não evidenciou anormalidades na nasofaringe, hipofaringe e no nível da glote. Os achados clínicos foram, portanto, sugestivos de otite média serosa e foi instituído tratamento com corticoide sistêmico, antibiótico e spray nasal descongestionante. Em seguida, o paciente foi submetido à miringotomia com inserção de tubo de ventilação transtimpânico. Três meses depois, o paciente apresentou vertigem associada a náuseas e sintomas neurovegetativos, hipoacusia à esquerda não associada a alterações posturais. O exame vestibular revelou nistagmo espontâneo de batimento à esquerda (grau‐2) com teste de Romberg positivo à esquerda. O quadro clínico foi compatível com o diagnóstico de neurite vestibular e uma ressonância magnética do cérebro foi feita (figs. 1 e 2). A varredura mostrou a presença no lado esquerdo de uma lesão tumoral sólida de 3,7×3×2,5cm no espaço mastigatório infratemporal, aderiu ao forame oval e remodelou o assoalho da fossa craniana média, causou um leve contato no lobo temporal com erosão da asa maior do esfenoide. Medialmente, a massa fazia contato com a caverna de Meckel e o aspecto lateral do seio esfenoidal. Pós‐medialmente, ocupava a região anatômica da trompa de Eustáquio, em associação com sinais de acúmulo de líquido. Lateralmente, estava situada entre os músculos pterigoideo lateral e medial. Era hiperintensa nas imagens em T2w e hipointensa nas imagens em T1w. A varredura dinâmica mostrou um realce tardio com padrão centrífugo. A fossa pterigopalatina estava normal. A tomografia computadorizada (TC) mostrou uma lesão na linha média craniana que remodelava as estruturas ósseas circundantes, com obliteração do forame oval esquerdo. O tumor causava a remodelagem da face superior dos processos pterigoides homolaterais, estendia‐se para baixo no espaço mastigatório esquerdo. O paciente assinou o termo de consentimento livre e esclarecido para a feitura da cirurgia e o estudo foi conduzido de acordo com as normas da Declaração de Helsinque. O paciente foi submetido à ressecção endoscópica transnasal da lesão. Maxilectomia medial tipo B e ressecção etmoidal inferior foram efetuadas para revelar o espaço órbito‐maxilar. Esfenoidotomia foi então feita. A parede posterior do seio maxilar foi removida e os espaços infratemporal e pterigopalatino foram abertos. O recesso esfenoidal lateral foi exposto e o segundo ramo do trigêmeo foi identificado. A lesão causava protuberância no assoalho do recesso esfenoidal lateral esquerdo e parecia originar‐se do terceiro ramo do trigêmeo. O componente interno da lesão foi então retirado e a cápsula foi dissecada da raiz da mandíbula e das inserções pterigoides. Em seguida, a cápsula foi dissecada superiormente, a lesão entrou em contato com a dura‐máter da fossa craniana média. A lesão foi removida. O exame histopatológico revelou hemangioma CD31+do ramo trigêmeo II, com características benignas. A ressonância magnética (RM) cerebral feita após seis meses não mostrou qualquer evidência de recorrência da doença.

Figura 1.

(a) Imagem axial em T1(Ax T1) mostra sinal isointenso homogêneo da lesão ao músculo. (b) Logo após injeção de gadolínio (Gd), Imagem Ax T1 em 3D com supressão de gordura mostra realce incompleto (setas). (c) Poucos minutos após a injeção de Gd, imagem Ax T1 SE mostra realce completo, homogêneo. (d) Imagem em T2 turbo coronal mostra a lesão com alto sinal homogêneo. (e) Na imagem Ax T2 3D é claramente evidente o alto sinal de material de retenção no ouvido médio e na tuba (setas). (f) TC óssea, imagem mostra o osso remodelado pela expansão da lesão (setas) sem erosão, aspecto típico de lesão de longa data.

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Figura 2.

(a) Mesmo corte sequencial durante a injeção de Gd nas sequências FFE (fast‐field‐echo) mostra realce progressivo da lesão começando tarde durante a fase venosa (seta em d‐e‐f). (b) Seta mostra o realce da artéria carótida interna na fase arterial. (c) Seta mostra realce do seio sigmoide na fase venosa sem realce adicional da lesão.

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Discussão

A efusão unilateral da orelha média pode resultar de compressão ou invasão da trompa de Eustáquio, e não de disfunção fisiológica. Gacek identificou os quatro níveis de possível comprometimento da trompa de Eustáquio; o lúmen da da tuba auditiva, a nasofaringe, a fossa infratemporal e o ápice petroso.4 Quando a avaliação inicial e a nasofaringoscopia estão normais, a maioria dos otorrinolaringologistas institui tratamento clínico e, se não bem‐sucedido, a colocação de tubo de ventilação é geralmente recomendada.3 As principais doenças com origem nesse local são adenocarcinomas, carcinoma adenoidocístico, lipossarcoma, hemangioma, teratoma, linfoma, leiomiossarcoma e sarcoma indiferenciado.5 Hemangiomas são tumores vasculares benignos e os mais comuns da região da cabeça e pescoço.6 Os principais subtipos são os capilares, cavernosos e mistos. Na maioria dos casos, o tipo cavernoso está associado à parede lateral da cavidade nasal ou ao corneto inferior. Os hemangiomas cavernosos são malformações congênitas incomuns, podem se manifestar durante a idade adulta e não retroceder espontaneamente.7 O exame clínico e a nasofaringoscopia geralmente são normais; portanto, o diagnóstico é concluído com exames de imagem. Embora a tomografia computadorizada possa não identificar adequadamente uma lesão de massa subjacente,8 os hemangiomas apresentam um sinal isointenso ou hipointenso na ressonância magnética ponderada em T1 e um sinal hiperintenso na imagem ponderada em T2. Além disso, esses tumores mostram intensos realces de contraste.9 Hemangiomas são raramente encontrados na fossa infratemporal ou pterigopalatina. Uma revisão feita com 79 pacientes afetados por efusão de orelha média mostrou que 63,3% dos pacientes eram afetados por tumor maligno, 32,9% por tumor benigno e 3,8% por aneurisma de artéria carótida interna. Desses, a análise histopatológica nunca mostrou evidência de hemangioma.8 Em outro estudo semelhante ao nosso, Carlstrom et al. em 2017 relataram um caso de neurofibroma oculto de fossa infratemporal que causava zumbido unilateral e efusão na orelha média.10 Em 2019, Sahin et al. relataram o único caso de hemangioma cavernoso de fossa pterigopalatina em uma mulher de 65 anos. Nesse caso, o tumor causou cefaleia e plenitude, mas a audiometria e a nasofaringoscopia eram normais6 (tabela 1).

Tabela 1.

Características dos dois casos de hemangioma cavernoso da fossa pterigopalatina

Autor  Idade/Sexo  Tamanho da lesão  Sintomas  Tratamento 
Sahin B. et al., 2016  65/Feminino  3,7×3 cm  Dor de cabeça, plenitude facial  Ressecção endoscópica endonasal da lesão 
O presente estudo  55/Masculino  3,4×2,8 cm  Perda auditiva, plenitude na orelha esquerdo  Ressecção endoscópica endonasal da lesão 

Até onde sabemos, nosso caso parece ser o primeiro de otite média serosa recorrente causada por hemangioma do ramo trigêmeo II das fossas infratemporal e pterigopalatina.

Conclusão

Atualmente, o algoritmo diagnóstico de otite média serosa recorrente inclui, além da audiometria, a nasofaringoscopia como única ferramenta instrumental. Isso determina, em uma pequena quantidade de casos, a incapacidade de encontrar uma causa definitiva para essa condição clínica, o que leva o médico a abordar esse distúrbio como uma disfunção tubária mais genérica. Na verdade, mesmo que rara, a otite média serosa pode ser causada pela presença de tumores de base de crânio que determinam uma obstrução ab exstrinseco da trompa de Eustáquio. Em nossa opinião, portanto, é necessário adicionar um instrumento de imagem ao algoritmo diagnóstico, preferencialmente a RM, em todos os casos de otite média serosa com duração superior a três meses que apresentem avaliação nasofaringoscópica negativa.

Conflitos de interesse

Os autores declaram não haver conflitos de interesse.

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Como citar este artigo: Covelli E, Margani V, Trasimeni G, Filippi C, Bandiera G, Monini S, et al. A case of cavernous hemangioma of the infratemporal fossa causing recurrent secretory otitis media. Braz J Otorhinolaryngol. 2022;88:999–1002.

A revisão por pares é da responsabilidade da Associação Brasileira de Otorrinolaringologia e Cirurgia Cérvico‐Facial.

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