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Vol. 86. Núm. S1.
Páginas 3-5 (Dezembro 2020)
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Vol. 86. Núm. S1.
Páginas 3-5 (Dezembro 2020)
Relato de caso
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Uncommon oral manifestations of dengue viral infection
Manifestações orais incomuns de infecção viral por dengue
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Carla Isabelly Rodrigues Fernandes, Luciano Elias da Cruz Perez, Danyel Elias da Cruz Perez
Autor para correspondência
danyel.perez@ufpe.br

Autor para correspondência.
Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), Departamento de Clínica e Odontologia Preventiva, Recife, PE, Brasil
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Introdução

A dengue é uma das infecções virais trasmitidas por mosquito mais comuns em todo o mundo, o que representa um importante problema de saúde pública em mais de 100 países tropicais.1 A infecção pelo vírus da dengue pode resultar em um amplo espectro de apresentações clínicas, que variam de um quadro assintomático ou com febre baixa e inespecífica, à dengue clássica (DC), além de apresentações mais graves, como a dengue hemorrágica ou a síndrome do choque da dengue.2,3

A maioria das pessoas infectadas com o vírus da dengue comumente desenvolve a dengue clássica (DC), cujos sintomas incluem febre alta, mialgia, artralgia, dor de cabeça intensa, dor retro‐orbital e rash maculopapular. Às vezes, alguns pacientes desenvolvem sintomas inespecíficos, como náuseas, vômitos, tosse, tonturas e diarreia.4

Na DC, a imunossupressão é um achado laboratorial comum,5 que representa um dos fatores predisponentes para a candidíase pseudomembranosa oral. Essa infecção fúngica é caracterizada pela presença de placas brancas pseudomembranosas, as quais podem ser facilmente removidas, evidenciando áreas eritematosas.6 No entanto, outros achados orais, além de distúrbios hemorrágicos, raramente foram documentados em pacientes com DC.2 Este relato descreve algumas manifestações orais incomuns em uma paciente com dengue, candidíase pseudomembranosa bucal e papilite lingual transitória.

Relato de caso

Paciente do sexo feminino, 29 anos, foi encaminhada para avaliação de lesões orais com um histórico de um dia. Além disso, queixava‐se de dor severa ao mastigar. A paciente foi diagnosticada com dengue clássica e apresentava sinais e sintomas associados à doença, como febre alta, dor de cabeça, dores musculares e erupção cutânea. Os testes sorológicos revelaram a presença de imunoglobulinas M (IgM) e G (IgG) para antígenos do vírus da dengue. Sob prescrição médica, a paciente tomou acetaminofeno (750mg) quatro vezes por dia e foi orientada a manter. A contagem de células brancas revelou 2.400 células/mm3; dessas, 1.248 mm3 eram neutrófilos. Sua contagem de plaquetas era 89.000 mm3. O exame intraoral revelou várias placas brancas no palato mole (fig. 1). Essas placas apresentavam uma consistência macia e foram removidas por raspagem, revelando uma mucosa eritematosa subjacente. Nenhuma dor ou outras queixas foram relatadas. O diagnóstico clínico foi candidíase pseudomembranosa. Além disso, havia hiperplasia das papilas fungiformes, que apresentavam uma aparência edematosa e eritematosa, caracterizando um quadro de papilite lingual transitória (fig. 2). Para a candidíase oral, a paciente foi tratada com 5mL de suspensão oral de nistatina 100.000 IU quatro vezes por dia, durante uma semana. Após três dias do início do tratamento, as lesões orais apresentaram melhora significativa. Após uma semana, não havia sinais de placas orais. Ao mesmo tempo, as papilas fungiformes apresentaram‐se normais e a paciente já não se queixava de dor. Outros sinais sistêmicos e sintomas associados com a dengue regrediram completamente.

Figura 1.

Pseudoplacas brancas no palato mole.

(0,05MB).
Figura 2.

Hiperplasia das papilas fungiformes (setas), com aparência edematosa e eritematosa, caracteriza uma papilite lingual transitória.

(0,06MB).
Discussão

Os principais sintomas específicos e inespecíficos apresentados nos casos de dengue são bem conhecidos e têm sido extensivamente descritos na literatura. No entanto, os sinais relacionados à cavidade oral necessitam de investigação e/ou relatos adicionais. O envolvimento da mucosa oral ocorre em cerca de 10% dos casos e é mais comumente observado em pacientes com dengue hemorrágica do que com DC.4,7 As manifestações orais da dengue têm sido descritas como sangramento gengival e foram incluídas pela Organização Mundial de Saúde como um achado inespecífico da doença. Apesar dessa associação, um relato de caso brasileiro descreveu o aparecimento de um exuberante edema avermelhado que abrangia a gengiva anterior superior e lábios, bem como lesões maculopapulares no lábio inferior e na mucosa jugal esquerda, além de sangramento gengival espontâneo. Os achados laboratoriais, incluindo testes diagnósticos hematológicos e sorológicos, foram consistentes com a hipótese de infecção por dengue.2 A língua e o palato mole também podem ser afetados por distúrbios hemorrágicos, tais como eritema, petéquias e equimoses. Além disso, também foram relatados distúrbios nas glândulas salivares que resultaram em xerostomia.4,8,9

Em relação à candidíase oral, a literatura relata que o uso de antibióticos de largo espectro, a redução da capacidade imunológica do paciente e a xerostomia são os principais fatores de risco para o desenvolvimento dessa condição. A imunossupressão é geralmente associada com casos de leucemia e HIV.6 A associação entre DC e candidíase oral tem sido pouco descrita na literatura, mesmo como um sinal inespecífico. Um estudo do sul da Ásia investigou 104 crianças diagnosticadas com dengue, admitidas durante três meses, e os achados clínicos mostraram que a candidíase oral/orofaríngea tinha sido relatada em 19 pacientes (18,2%). Em 15 crianças, a infecção afetou apenas a faringe e em apenas quatro houve o envolvimento de toda a mucosa oral. Nenhuma delas apresentava quadro prévio de imunossupressão ou tomava esteroides.10

No presente caso, a presença de hiperplasia das papilas fungiformes foi outro achado peculiar na mucosa oral. Contudo, as razões para tal apresentação não foram totalmente conclusivas. O aumento no volume das papilas fungiformes pode ser descrito como uma condição inflamatória classificada como papilite lingual transitória (PLT), que tem um início abrupto, apresentando‐se como uma ou mais massas eritematosas, edematosas, medindo de 2 a 3mm, como ocorreu no presente caso. As papilas afetadas podem se tornar pustulosas, mesmo sem o aparecimento de pus. A PLT é acompanhada de dor moderada a intensa, bem como sensibilidade considerável ao calor,11,12 semelhantes ao nosso caso. A etiologia multifatorial da PLT inclui infecções locais não identificadas e irritação e estresse locais.11 Esses fatos sugerem que, no presente caso, a manifestação ocorreu devido à presença de uma infecção fúngica na cavidade oral, além de estresse emocional devido a uma infecção com sintomas sistêmicos, a qual poderia eventualmente progredir para um quadro clínico mais grave. Além disso, outros autores sugerem que infecções virais também podem ser incluídas como fator desencadeante da PLT.12,13 Neste caso, a paciente foi infectada primariamente com o vírus da dengue. No entanto, essas possíveis associações demandam uma investigação mais profunda, uma vez que a etiologia da PLT permanece incerta. De acordo com a literatura consultada para este caso, este é o primeiro relato de PLT em paciente com DC.

Conclusão

Dada a significância das manifestações orais no presente caso, a avaliação completa dos achados orais em casos de infecção por dengue é extremamente importante, devido aos raros relatos encontrados na literatura. Portanto, especialmente dentistas e otorrinolaringologistas devem estar cientes das diferentes manifestações orais da dengue, a fim de fornecer diagnóstico e tratamento adequados para uma eventual candidíase oral e/ou outras condições.

Conflitos de interesse

Os autores declaram não haver conflitos de interesse.

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Como citar este artigo: Fernandes CI, Perez LE, Perez DE. Uncommon oral manifestations of dengue viral infection. Braz J Otorhinolaryngol. 2020;86:S3–S5.

A revisão por pares é da responsabilidade da Associação Brasileira de Otorrinolaringologia e Cirurgia Cérvico‐Facial.

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