Introdução: Zumbido é uma condição multifatorial cuja prevalência vem aumentando nas últimas décadas. Em todo o mundo, o aumento progressivo do uso de telefones celulares tem exposto as orelhas a uma maior carga de radiação eletromagnética de radiofrequência (REM-RF). Alguns pacientes com zumbido referem que o uso excessivo do telefone celular, especialmente quando sempre na mesma orelha, é um fator de piora do zumbido ipsilateral.
Objetivo: O objetivo deste trabalho foi avaliar as evidências disponíveis sobre a possível associação causal entre zumbido e exposição a ondas eletromagnéticas.
Método: Foi realizada uma revisão de literatura com palavras-chave como: tinnitus, electro-magnectic field, cellular phone, radiofrequency, electromagnectic hypersensitivity. Foram selecionados 165 artigos com maior relevância clínica em pelo menos um dos assuntos.
Resultados: As REM-RF podem penetrar tecidos expostos e existem níveis seguros de exposição. Apresentam efeitos termogênicos comprovados e potenciais efeitos biológicos e genotóxicos. Alguns indivíduos são mais sensíveis à exposição eletromagnética (eletrossensibilidade) e, portanto, adquirem sintomas precocemente. A fisiopatologia da eletrossensibilidade pode ser semelhante à do zumbido.
Conclusão: Consideramos que há evidências suficientes que sugerem maior cautela para o uso desses aparelhos e assim prevenir lesões na via auditiva e o aparecimento/agravamento do zumbido.
Introduction: Tinnitus is a multifactorial condition and its prevalence has increased on the past decades. The worldwide progressive increase of the use of cell phones has exposed the peripheral auditory pathways to a higher dose of electromagnetic radiofrequency radiation (EMRFR). Some tinnitus patients report that the abusive use of mobiles, especially when repeated in the same ear, might worsen ipsilateral tinnitus.
Objective: The aim of this study was to evaluate the available evidence about the possible causal association between tinnitus and exposure to electromagnetic waves.
Methods: A literature review was performed searching for the following keywords: tinnitus, electromagnetic field, mobile phones, radio frequency, and electromagnetic hypersensitivity. We selected 165 articles that were considered clinically relevant in at least one of the subjects.
Results: EMRFR can penetrate exposed tissues and safety exposure levels have been established. These waves provoke proved thermogenic effects and potential biological and genotoxic effects. Some individuals are more sensitive to electromagnetic exposure (electrosensitivity), and thus, present earlier symptoms. There may be a common pathophysiology between this electrosensitivity and tinnitus.
Conclusion: There are already reasonable evidences to suggest caution for using mobile phones to prevent auditory damage and the onset or worsening of tinnitus.
Introdução
Zumbido consiste na percepção do som na ausência de uma fonte externa.1 Sua prevalência vem aumentando consideravelmente em estudos epidemiológicos, de tal forma que diversos eventos científicos e publicações internacionais têm se dedicado à exploração desse tópico. Entre adultos norte-americanos, Shargorodsky2 encontrou uma prevalência de 25,3% de zumbido, que se contrapõe aos dados de 15% de envolvimento da mesma população, 15 anos antes (National Institutes of Deafness and Other Communication Disorders, 1995).3 Em um estudo envolvendo 506 crianças com idades entre 5 e 12 anos, 31% delas referiram zumbido, de acordo com critérios rigorosos, e 19% se mostraram incomodadas com o sintoma.4
Embora muitas pessoas com zumbido não sofram limitação em sua qualidade de vida, médicos, fonoaudiólogos e psicólogos comumente recebem pacientes que responsabilizam o zumbido por seus transtornos do sono,5,6 falta de concentração e comprometimento de suas vidas em sociedade e equilíbrio emocional.5,7
Esses achados justificam a procura por explicações para o gradual aumento do zumbido em diferentes faixas etárias. São possibilidades plausíveis a maior longevidade8 e a exposição precoce e aumentada a ruídos intensos (no ambiente, ou com o uso de fones de ouvido8-10; níveis mais altos de estresse ocupacional, causando ansiedade e depressão9,11,12; maior uso de álcool, tabaco e drogas ilícitas; estilo de vida sedentário, doenças cardiovasculares ou metabólicas; etc.).8
Por outro lado, outro fator que vem sendo fortemente considerado como causador de aumento no surgimento do zumbido é a exposição à radiação eletromagnética (REM).13 Com efeito, na prática clínica, alguns pacientes mencionaram espontaneamente sintomas auditivos durante ou logo após o uso de telefones celulares, como calor ou pressão na orelha em contato com o aparelho, além de zumbido, diminuição da compreensão ou distorção na frequência das palavras. Existe também um grupo menor de pacientes que referem surgimento ou agravamento do zumbido pelo fato de viverem ou trabalharem cercados de antenas de telefone celular, rádio e TV.
A radiação eletromagnética de radiofrequência (REM-RF) não ionizante é rotineiramente utilizada na telecomunicação (rádio, TV, WiFi, telefones celulares e sem fio, radar). Considerando o aumento progressivo da exposição a esse tipo de radiação14 em todo o mundo, vem aumentando o interesse em seus possíveis efeitos nocivos sobre a saúde.15 Indivíduos mais sensíveis tem referido um amplo espectro de sintomas gerais e inespecíficos, como cefaleia, tontura, fadiga, dificuldades com a memória, transtornos do sono, ansiedade, mialgia, artralgia, lacrimejamento, déficit auditivo e zumbido.16 O problema em apresentar sintomas inespecíficos é que raramente a correta associação causal será confirmada.
Embora várias hipóteses apontem para um possível envolvimento da REM-RF no surgimento ou agravamento do zumbido, essa relação ainda não ficou devidamente estabelecida, e o mecanismo pelo qual tal problema pode ocorrer permanece obscuro.17
O objetivo deste estudo foi realizar uma revisão sistemática do atual conhecimento sobre zumbido e exposição à REM-RF, com uma análise das evidências sobre essa possível relação.
Método
Tivemos como meta realizar o estudo com a maior semelhança possível a uma revisão sistemática, embora considerando que nosso objetivo (a avaliação de evidências para possíveis associações causais entre zumbido e exposição à radiação eletromagnética de radiofrequência) difira do objetivo habitual das revisões sistemáticas (a avaliação de evidências extraídas de estudos clínicos randomizados indicando que determinada intervenção é efetiva).
Realizamos uma cuidadosa revisão da literatura no banco de dados Pubmed entre maio e junho de 2014, com busca pelos seguintes descritores: tinnitus AND electromagnetic field (144 resultados), tinnitus AND cell phones (11 resultados), tinnitus AND radiofrequency (8 resultados), tinnitus AND electromagnetic hypersensitivity (2 resultados). No total, 165 estudos foram encontrados e lidos. Em seguida, selecionamos 45 estudos que demonstraram significado clínico em pelo menos um dos fatores (zumbido e radiação eletromagnética) ou no possível estabelecimento de uma interligação entre tais fatores.
Também foram analisadas as normas regulatórias para exposição à REM-RF postuladas pela ANATEL (Agência Nacional de Telecomunicações do Brasil) para níveis ocupacionais e usuários.18
Finalmente, foi incluído um manuscrito impresso, utilizado para argumentar com sucesso contra a implantação de antenas de telefonia celular em edifícios residenciais. Apesar de não ter sido publicado, esse manuscrito contém referências científicas que concordam com os dados encontrados em Pubmed, e também com as normas de segurança para exposição à REM-RF.
Resultados
Com finalidades didáticas, os resultados desta revisão serão apresentados na forma de tópicos.
Exposição à radiação eletromagnética
A radiação eletromagnética (REM) pode ser ionizante ou não ionizante. Esse segundo tipo não gera ionização das moléculas, mas pode causar lesões celulares elétricas, químicas e termodinâmicas.19 São exemplos desse grupo as radiações infravermelha, ultravioleta, de laser, de radiofrequência e as micro-ondas.
As radiações eletromagnéticas de radiofrequência (REM -RF) são ondas eletromagnéticas com frequências entre 3 kHz e 300 GHz20; assim, uma parte dessas radiações pode impressionar o sistema auditivo. Essas radiações são geradas por fontes naturais ou sintéticas e podem penetrar tecidos expostos. A taxa de absorção dessa energia depende da potência da REM-RF e das características do tecido. A parte absorvida é convertida em calor.21 Para medir o efeito térmico da radiação eletromagnética no corpo humano, usa-se a Taxa de Absorção Específica (SAR − Specific Absorption Rate), que é uma medida da densidade de potência por unidade de massa. SAR quantifica a energia absorvida pelo tecido e é diretamente proporcional ao aumento local da temperatura.19
Organizações internacionais estabeleceram limites para a exposição a fontes gerais de REM-RF. Os valores para SAR estabelecidos pela ICNIRP (International Commission on Non -Ionizing Radiation Protection, uma organização científica independente com base na Alemanha e formalmente reconhecida pela organização Mundial da Saúde) e adotados pela ANATEL são18,22:
• Limite ocupacional: 0,4 W/kg;
• Limite público em geral: 0,08 W/kg.
Especificamente no caso de telefones celulares, devido ao seu uso perto da cabeça ou do corpo, ICNRP determinou que a SAR local não deve exceder o limite médio de 2 W/kg em 10 g de tecido.23 Esses limites objetivam prevenir efeitos na saúde humana e refletem o atual estado de conhecimento. Assim, os limites para SAR atualmente adotados foram estabelecidos principalmente com vistas a evitar efeitos térmicos relacionados à elevação da temperatura corpórea.23
Embora os telefones celulares tenham potencial termogênico muito mais baixo em relação aos limites máximos, o aquecimento da pele da orelha (2,3-4,5 °C) é queixa comum, e também o comprovado aumento da temperatura na membrana timpânica (0,02 °C). Tal aquecimento varia de acordo com a frequência do aparelho e a duração de uso; quanto mais prolongada for a duração do contato entre o telefone celular e a orelha, maior será o aquecimento esperado. Mas os dados sobre aumento da temperatura cerebral ainda são insuficientes.15
Além dos efeitos térmicos, também foram discutidos os efeitos biológicos.24 Uma preocupação específica é a possível genotoxicidade celular causada pela REM-RF, que foi estudada em linfócitos humanos em seis centros independentes.25 Foi feita uma avaliação da presença de alterações cromossômicas e micronucleares, mas até agora ainda não foi possível estabelecer uma relação entre REM-RF e genotoxicidade.25
As atuais funções dos telefones celulares, com o advento dos smartphones, ultrapassam as chamadas telefônicas comuns. O uso disseminado das funções 3G wireless e Bluetooth implica uma maior preocupação com relação ao sistema auditivo. No entanto, estudos recentes não conseguiram indicar efeitos adversos do Bluetooth no sistema auditivo.26,27
Embora sejam poucos os dados comprovados até a presente data, o estudo dos efeitos da REM-RF nos diferentes órgãos e sistemas continua sendo da máxima importância para a saúde pública. Qualquer efeito prejudicial comprovado pode assumir amplas proporções, em decorrência da exposição universal à REM-RF.28 Ademais, as novas pesquisas deverão sempre monitorar a presença de possíveis prejuízos no médio e longo prazos.
Por outro lado, um artigo teve ampla divulgação em 1992 (Is radiation all bad? The search for adaptation [A radiação é de todo ruim? Em busca da adaptação], Sheldon Wolff, 1992).29 Esse estudo revelou evidências substanciais de que, quando pré-expostas a baixas doses de fatores lesivos ao DNA, como radiação ionizante, ultravioleta, agentes alquilantes e oxidantes, as células podem desenvolver uma resposta adaptativa, com consequente maior resistência a doses mais altas dos agentes agressores. O mecanismo de tal ocorrência ainda não foi completamente elucidado, mas demonstrou o papel do mecanismo de reparo do DNA,30 no qual a proteína p53 participa ativamente.31 Do ponto de vista clínico, essa possibilidade adaptativa poderia ser uma das razões pelas quais alguns pacientes são mais sensíveis a determinado grau de exposição a agentes agressores, enquanto outros são mais resistentes nas mesmas condições.
Zumbido e radiação eletromagnética de radiofrequência: a questão da hipersensibilidade eletromagnética
Diversos sintomas envolvendo um ou mais órgãos no mesmo indivíduo já foram relacionados à exposição a campos eletromagnéticos.32 Aproximadamente 3-5% da população associam subjetivamente a presença de sintomas inespecíficos à exposição aguda ou subaguda à REM-RF, mesmo em níveis inferiores ao limite de segurança para exposição.33,34
Esses sintomas foram geralmente designados como hipersensibilidade eletromagnética (HEM) ou eletrossensibilidade.35 A denominação HEM pode ser empregada em dois contextos:
• Como a capacidade que alguns indivíduos têm de perceber ou reagir à presença da REM em níveis significativamente menores do que a maioria da população.
• Como um problema clínico, com base na interpretação dos pacientes em relação à sua condição, independentemente de qualquer relação causal estabelecida.
HEM já foi mais adequadamente detalhada em países europeus e escandinavos, e está amplamente presente na mídia.36 Já foi aceito que HEM causa grande impacto na qualidade de vida, aumento no uso dos serviços de saúde e diminuição da saúde psicológica,37 além de reduzir a capacidade de trabalho, aumentar o desemprego e promover a aposentadoria prematura em países escandinavos.38 Portanto, alguns indivíduos já assumiram a atitude de evitar o máximo possível a exposição à REM.35 Em nossa opinião, como em muitos outros tópicos relacionados à saúde, países em desenvolvimento como o Brasil seriam beneficiados em seguir os passos dos países desenvolvidos.
Apesar de a HEM ter sido relacionada a características individuais e não a uma variável obrigatória de exposição à REM-RF, já contamos com evidências da influência da REM-RF no funcionamento cognitivo e no processamento neural no córtex central auditivo.39 Há também a suspeita de que HEM pode se manifestar por disfunção cognitiva, com diminuição da discriminação pelo sistema sensório e aumento da ativação cortical no giro cingulado anterior e na ínsula.40 Se essa informação for correta, há base lógica para envolvimento auditivo.
O zumbido foi descrito como um dos sintomas em pacientes com HEM.37 Em um estudo de caso-controle que envolveu 89 pacientes com HEM e 107 controles equiparados por gênero, idade e exposição a fontes comuns de REM-RF, a prevalência de zumbido foi significativamente mais alta em pacientes com HEM (50,72% vs. 17,5 %).17
Com tal base, tentou-se determinar fatores que corroborassem a relação entre zumbido e HEM. Um fator repetidamente observado em pacientes com HEM foi a redução na capacidade de discriminar pulsos magnéticos, que já tinha sido identificada como preditor de zumbido.41 Ademais, aparentemente zumbido e HEM compartilham semelhanças na fisiopatologia relacionada à discriminação sensória.
Outro ponto comum é a vulnerabilidade de pacientes com HEM a agentes causadores de angústia afetando o sistema nervoso autônomo (SNA).42 O estado de hiperexcitabilidade do SNA pode ser mediado por mudanças nos receptores glutamatérgicos corticais, que podem ser responsáveis pela diminuição da capacidade adaptativa nesses indivíduos.43 Além disso, é sobejamente conhecida a hiperexcitabilidade do SNA no início e no agravamento do zumbido.44
Contudo, embora a ocorrência de zumbido tenha sido significativamente mais frequente em pacientes com HEM, Landgrebe et al.17 (2009) não encontraram associação entre zumbido e exposição individual à REM-RF, o que sugere que essa exposição não parece causar diretamente o zumbido. Mas esse achado pode ser refutado por outras evidências. Foi demonstrado que o uso intensivo do telefone celular e por períodos prolongados (≥ 4 anos) estão associados à ocorrência de zumbido,45 sugerindo que esse aparelho deve ser estudado na qualidade de fator de risco potencial. Além disso, considerando o aumento mundial da prevalência do zumbido,2 também deve ser levada em conta a importância dos fatores ambientais no zumbido.
Discussão
A ciência atual vem se desenvolvendo cada vez mais rapidamente. A motivação universal para a realização de pesquisas em centros acadêmicos e a crescente disponibilidade de periódicos científicos têm contribuído para a globalização das experiências. No entanto, considera-se que apenas pequena parte dos artigos científicos publicados consegue atingir um nível de evidências suficiente para convencimento da maioria dos pesquisadores.
No presente estudo, embora tenhamos encontrado poucas evidências estatisticamente significativas da influência da REM-RF no zumbido, também não conseguimos levantar dados que negligenciassem a associação entre essas condições.
A tabela 1 compara os principais estudos que avaliaram o zumbido, a exposição à REM-RF e a presença de HEM.
Ainda assim, o avanço intrínseco da própria ciência tem demonstrado que opiniões bem sedimentadas mudam com o passar do tempo, à medida que novos dados vão sendo incorporados à pesquisa. É fato amplamente aceito que a medicina baseada em evidências deve inspirar e orientar os raciocínios e as condutas profissionais. No entanto, o contrário também é verdadeiro: casos anedóticos presenciados na rotina cotidiana também devem inspirar o aprofundamento do conhecimento científico e confirmar a existência ou reprodutibilidade dos fatos, considerando a necessidade da publicação de muitas pesquisas para a formação de opiniões críticas. Publicações de relatos de casos, por exemplo, são pouco valorizadas pela comunidade científica, mas ainda assim desempenham um papel importante, como alertas em relação a fatos que poderão ter ampla aceitação no futuro.
Com isso em mente, durante anos temos observado pacientes com zumbido considerado idiopático, mesmo depois de ter investigado inúmeras etiologias listadas em nosso protocolo médico e audiológico. Valorizando a suspeita levantada pelo próprio paciente, incluímos na rotina diagnóstica as seguintes perguntas sobre exposição à radiação eletromagnética de radiofrequência não ionizante:
1. Morar ou trabalhar nas vizinhanças de torres, antenas e linhas de transmissão.
2. Uso do telefone celular para chamadas:
• Tempo de uso diário aproximado;
• Tipo de uso preferencial: contato direto com a orelha, fones de ouvido ou Bluetooth;
• Uso preferencial em uma das orelhas.
Com a adoção dessas informações extras, ficou mais fácil suspeitar da influência de REM-RF no zumbido pelo uso frequente do telefone celular, especialmente em casos de uso prolongado, em que a orelha preferida coincide com a presença de zumbido unilateral (ou mais intenso). Estes são os pacientes que podem estar mais vulneráveis ao acometimento de hipersensibilidade eletromagnética (HEM) ou de eletrossensibilidade.
A via auditiva periférica tem a propriedade de capturar as ondas sonoras do ambiente e de transmiti-las ativamente até o córtex. Tendo em vista que as ondas eletromagnéticas também apresentam variadas frequências (começando em 3 kHz) e amplitudes, de maneira parecida com o que ocorre com as ondas sonoras, é plausível aceitar que certas frequências e amplitudes de REM-RF podem ser capturadas pelo sistema auditivo periférico. Uma comparação igualmente válida é feita com relação à pele, outro de nossos órgãos do sentido, responsável pela captura de sensações térmicas, tácteis e dolorosas, que podem ser intensamente afetadas pela radiação infravermelha.
Embora os fabricantes de telefones celulares garantam que o uso desses aparelhos é seguro, a Organização Mundial da Saúde classificou a radiação eletromagnética de radiofrequência como carcinógeno potencial (classe 2B) − a mesma classificação atribuída às emissões de chumbo, clorofórmio e gases provenientes dos automóveis. Esse alerta foi fruto de uma análise de estudos realizados por 30 pesquisadores de 14 países, sugerindo aumento no risco de ocorrência de gliomas e neuromas em usuários de telefones celulares e de outros dispositivos móveis.46
Nossa revisão da literatura focalizou propositadamente o zumbido, tendo encontrado argumentos interessantes acerca de uma possível relação entre esse sintoma e REM-RF. Entretanto, devido aos inúmeros mecanismos neuronais envolvidos na patogênese de cada evento, ainda discutimos se existe uma associação causal entre HEM e zumbido, ou se HEM é fator predisponente para o agravamento do zumbido, ou ainda se ambos compartilham uma fisiopatologia similar.17 Estudos de coorte prospectivos definirão com maior precisão se o risco de ocorrência de zumbido é maior em usuários de telefones celulares e/ou de outras fontes de exposição à radiofrequência.
Na história da ciência, frequentemente é necessário um longo período para que seja reunido um número suficiente de estudos conclusivos em apoio a opiniões sobre o fator de exposição e o risco de doença, como atualmente aceita é aceito para o tabagismo em vários órgãos do corpo humano. Tendo em vista que o telefone celular significa um enorme avanço nas comunicações nas sociedades modernas, e assim deve permanecer, recomendamos uma conduta de bom senso em relação ao seu uso. Algumas sugestões práticas foram publicadas pelo Cancer Center em Pittsburgh47 (tabela 2).
Conclusão
Nosso estudo coletou evidências para a associação entre exposição à radiação eletromagnética de radiofrequência e zumbido em alguns pacientes, particularmente aqueles portadores de hipersensibilidade eletromagnética. Embora não esteja ainda completamente confirmado, consideramos apropriada uma atitude de maior atenção ao uso do telefone celular na investigação diagnóstica de pacientes com transtornos auditivos, especialmente zumbido.
Conflitos de interesse
Os autores declaram não haver conflitos de interesse.
Agradecimentos
Os autores agradecem o bibliotecário Adilson Montefusco e, em particular, Soter Marcello Correa da Silveira, pelo vasto material oferecido.
Recebido em 20 de dezembro de 2014;
aceito em 17 de abril de 2015
* Autor para correspondência.
E-mail:tanitsanchez@gmail.com (T.G. Sanchez).
DOI se refere ao artigo: http://dx.doi.org/10.1016/j.bjorl.2015.04.013
☆ Como citar este artigo: Medeiros LN, Sanchez TG. Tinnitus and cell phones: the role of electromagnetic radiofrequency radiation. Braz J Otorhinolaryngol. 2016;82:105-12.