A actinomicose da cavidade nasal é muito rara.
ObjetivoInvestigar as características clínicas, os métodos de tratamento e os resultados do tratamento da actinomicose da cavidade nasal em nosso hospital.
MétodoForam incluídos retrospectivamente 11 pacientes com actinomicose da cavidade nasal identificada histopatologicamente de janeiro de 2010 a maio de 2020.
ResultadosEste estudo incluiu cinco homens e seis mulheres. O sintoma mais comum foi secreção nasal purulenta (36,4%). A actinomicose nasal ocorreu no seio maxilar em 5 (45,5%) pacientes, no seio etmoidal em dois, no palato duro em dois, no seio frontal em um e no septo nasal em um. Após a cirurgia, a administração intravenosa de antibióticos foi feita por uma média de 7,4 dias e antibióticos orais foram prescritos por cerca de 120,5 dias para esses pacientes. As características clínicas dos pacientes com actinomicose nasal e a duração do uso de antibióticos não foram significantemente diferentes. A presença de trauma foi significantemente associada a infecções repetidas por actinomicose nasal (p<0,05).
ConclusãoA actinomicose da cavidade nasal deve ser suspeitada quando um paciente com sinusite crônica não responde a tratamento clínico e tem história de tratamento odontológico, cirurgia ou radioterapia. A actinomicose nasal pode ser adequadamente tratada com antibióticos e cirurgia endoscópica.
A actinomicose é uma doença rara em humanos, geralmente causada por Actinomyces israelii.1–4 A actinomicose é classificada pelo seu envolvimento cérvico‐facial, torácico, abdomino‐pélvico e do sistema nervoso central.1–4 Embora mais da metade de todos os casos relatados de actinomicose atinja a região cervico‐facial, o envolvimento da cavidade nasal é extremamente raro e apenas poucos casos foram relatados.1–10 Portanto, as características clínicas e os protocolos de tratamento para actinomicose nasal ainda não foram estabelecidos. O objetivo deste estudo foi investigar as características clínicas, os métodos de tratamento e resultados do tratamento da actinomicose da cavidade nasal em nosso hospital.
MétodoEste estudo foi feito após aprovação do comitê de ética em pesquisa do CNUHH (CNUHH‐2020‐141). Foram incluídos retrospectivamente 11 pacientes com actinomicose da cavidade nasal identificada histopatologicamente, de janeiro de 2010 a maio de 2020. Os dados clínicos dos pacientes foram revisados para idade, sexo, doenças subjacentes, tratamento odontológico, trauma, infecções repetidas, sintomas, duração de sintomas, localização, biópsia pré‐operatória, achados da tomografia computadorizada dos seios paranasais (TC dos SPN), diagnóstico pré‐operatório, método cirúrgico, resultados da cultura microbiológica, tratamento pós‐operatório, complicações e recorrência.
Todos os pacientes foram submetidos à TC dos SPN antes da cirurgia para avaliar a extensão das lesões e auxiliar o planejamento do tratamento. Os achados da TC dos SPN foram analisados para verificar opacidade, calcificação e destruição óssea. A opacidade dos achados da TC dos SPN foi dividida em opacidade parcial e total. Todos os pacientes foram submetidos à cirurgia endoscópica e os exames histopatológicos confirmaram a presença de actinomicose.
ResultadosOs dados clínicos de 11 pacientes com actinomicose nasal estão resumidos na tabela 1. O presente estudo incluiu cinco homens (45,5%) e seis mulheres (54,5%). A idade dos pacientes variou de 36 a 83 anos, com média de 63,9±14,5 anos. Como doenças subjacentes, quatro pacientes tinham hipertensão arterial sistêmica, quatro tinham diabetes mellitus, dois tinham neoplasias nasais (linfoma de células NK/T e carcinoma de transição maxilar) e um tinha cirrose hepática. Dois pacientes tinham recebido tratamento odontológico no local. Três pacientes tinham sido submetidos à cirurgia (aneurisma cerebral [n=1] e cirurgia endoscópica dos seios da face [n=2]) no local da lesão e destruição óssea foi encontrada na TC dos SPN. Dois pacientes com neoplasias nasais tinham sido tratados com 4000 cGy (linfoma de células NK/T) e 6480 cGy (carcinoma de transição maxilar) e radioterapia (RT). Três pacientes tiveram infecções de repetição na mesma área.
Dados clínicos de 11 pacientes com actinomicose da cavidade nasal
Idade (A/ Sexo) | Doença subjacente | Tratamento odontológico | Trauma | Infecção de repetição | Sintoma (duração, M) | Sítio | Localização | Opacidade | Dest. óssea | Diag. Preop. | Antib. IV (Duração, D) | Antib. Oral (Duração, D) | Seg. | Recor. |
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65/F | HTN, DM | SNP (1) | D | Maxilar | T | Sinusite fúngica | Penicilina (3) | Penicilina (14) | 121 | |||||
59/F | SNP (0,5) | E | Etmoide | P | Sinusite crônica | Penicilina (10) | Penicilina (51) | 96 | ||||||
36/M | Anosmia (4) | E | Septo | T | Mucocele | Cefa (4) | Penicilina (126) | 22 | ||||||
60/M | DM | Cefaleia (1) | E | Etmoide | P | Sinusite fúngica | Cefa (3) | Penicilina (35) | 5 | |||||
82/F | Cirurgia | O | Cefaleia (1) | D | Frontal | P | Sinusite fúngica | Cefa (4) | Penicilina (41) | 16 | ||||
66/M | Linfoma | RT | O | Odor fétido (10) | B | Palato duro | P | O | Actinomicose | Cefa (11) | Penicilina (221) | 53 | ||
54/M | Ca maxilar | Cirurgia, RT | O | Sangramento (0,5) | D | Maxilar | P | O | Actinomicose | Penicilina (8) | Penicilina (397) | 83 | O | |
83/F | HTN, DM | O | SNP (5) | E | Maxilar | T | O | FO | Cefa (18) | Penicilina (42) | 27 | |||
83/F | HTN, DM | Dor (4) | E | Palato duro | T | O | Actinomicose | Cefa (15) | Penicilina (191) | 25 | ||||
53/F | O | SNP (3) | D | Maxilar | P | Sinusite fúngica | Cefa (2) | Cefa (50) | 14 | |||||
62/M | HTN, CH | Cirurgia | Dor (2) | E | Maxilar | T | Mucocele | Cefa (3) | Penicilina (157) | 13 |
A, Anos; M, Meses; Dest, Destruição; Diag. Preop., Diagnóstico pré‐operatório; Antib. IV, Antibióticos intravenosos; D, dias; Antib. orais, Antibióticos orais; Seg., Seguimento; F, Sexo feminino; M, Sexo masculino; HTN, Hipertensão; DM, Diabetes mellitus; Ca, Carcinoma; CH, cirrose hepática; RT, Radioterapia; SNP, Secreção nasal purulenta; D, Direito; E, Esquerdo; B, bilateral; T, Opacidade total; P, Opacidade parcial; FO, Fístula oroantral; Cefa, Cefalosporina; Recor., Recorrência.
Os sintomas mais comuns foram secreção nasal purulenta (n=4, 36,4%), seguida por cefaleia (n=2), dor (n=2), anosmia (n=1), odor fétido (n=1) e sangramento nasal (n=1). A duração dos sintomas foi de 2,9±2,8 meses (variação, 0,5 a 10 meses). A actinomicose nasal ocorreu no seio maxilar em 5 (45,5%, fig. 1) pacientes, no seio etmoidal em dois, no palato duro em dois, no seio frontal em um e no septo nasal em um. Entre as 11 lesões, 4 (36,4%) eram na fossa nasal direita e 6 (54,5%) na esquerda. Um caso (9,1%) de actinomicose de palato duro ocorreu em ambos os lados.
Paciente do sexo feminino, 53 anos, com actinomicose do seio maxilar direito. A TC axial (A) e coronal (B) mostra opacidade parcial e material fúngico semelhante a esfera (seta vermelha) no seio maxilar direito. (C) Os achados histopatológicos mostram grânulos de enxofre característicos com inflamação crônica (coloração de metenamina de prata, 100×).
Na TC do SPN, seis pacientes apresentaram opacidade parcial e cinco apresentaram opacidade total. Nenhum paciente apresentou calcificação nas lesões. Destruição óssea foi observada em quatro pacientes, exceto por dois que haviam apresentado destruição óssea anteriormente com a cirurgia. A biópsia pré‐operatória foi feita em dois pacientes com diagnóstico de actinomicose e granulação, respectivamente. O diagnóstico pré‐operatório foi de sinusite fúngica em quatro pacientes, actinomicose em três, mucocele em dois, fístula oroantral em um e sinusite crônica em um.
Todos os pacientes foram submetidos à cirurgia endoscópica. O teste de cultura microbiológica foi feito em cinco pacientes, mas nenhum deles apresentou resultado positivo de Actinomyces na cultura. Após a cirurgia, cefalosporina foi o principal antibiótico administrado por via intravenosa por uma média de 7,4±5,5 dias (variação de 3 a 18). Posteriormente, penicilina oral foi prescrita por uma média de 120,5±115,7 dias (variação de 14 a 397). A duração ou dose do tratamento com antibióticos foi determinada de acordo com a gravidade da doença, os sintomas dos pacientes e os resultados da endoscopia e dos exames de imagem e, finalmente, por consulta ao departamento de doenças infecciosas.
O seguimento médio após a cirurgia foi de 43,2±39,4 meses, variação de 5 a 121. Um paciente apresentou recidiva quatro anos após a primeira cirurgia e melhorou com a reoperação e tratamento com antibióticos. Desde então, não houve casos de recidiva.
DiscussãoPrimeiramente, tentamos determinar a relação entre as características clínicas da actinomicose nasal e a duração do uso de antibióticos. Analisamos a significância estatística de idade, sexo, doenças subjacentes, tratamento odontológico, trauma, infecções de repetição, sintomas, duração dos sintomas, localização, achados da TC dos SPN e duração do uso de antibióticos. Entretanto, as características clínicas da actinomicose nasal e a duração de uso de antibióticos não mostraram diferenças estatisticamente significantes (p >0,05).
Em segundo lugar, investigamos a relação entre as características clínicas da actinomicose nasal e infecções de repetição. Apenas trauma, como cirurgia ou RT prévias, foi significantemente associado a infecções de repetição por actinomicose nasal (p<0,05). Portanto, é necessário considerar a possibilidade de actinomicose nasal se uma infecção de repetição ocorrer em uma área cirúrgica ou de RT prévia.
Os sintomas clínicos da actinomicose nasal foram consistentes com sinusite crônica por outros organismos, como bactérias ou fungos.1,4,7 Neste estudo, foi difícil diagnosticar a actinomicose antes da cirurgia porque os pacientes apresentavam como queixa principal sintomas nasais inespecíficos, como secreção nasal purulenta. Nos três pacientes nos quais o diagnóstico de actinomicose foi considerado antes da cirurgia, a actinomicose foi cogitada, primeiro porque uma região necrótica e destruição óssea foram observadas no exame físico e na TC dos SPN. Além disso, esses pacientes queixaram‐se de sintomas únicos, como odor fétido ou hemorragia nasal.
A actinomicose da cavidade nasal ocorre principalmente no seio maxilar.1,5 Estudos relataram que as imagens de TC dos SPN da actinomicose nasal mostraram opacidades nos seios paranasais, lesões focais calcificadas ou áreas focais de destruição óssea.1–9 Entretanto, não há características uniformes que possam determinar de maneira absoluta o diagnóstico de actinomicose nasal em exames radiológicos.6 O diagnóstico definitivo de actinomicose da cavidade nasal é feito através de achados microbiológicos ou histopatológicos.1–10 No entanto, a cultura de Actinomyces é difícil devido à natureza anaeróbia do microorganismo.2–4,6–8 O teste de cultura microbiológica foi feita em cinco pacientes, mas nenhum deles apresentou resultado positivo para Actinomyces. Grânulos de enxofre nas amostras obtidas podem ajudar a diagnosticar a actinomicose.2–4,7,8 Entretanto, a taxa diagnóstica de grânulos de enxofre é de cerca de 30% e pode ser encontrada em outras doenças, como nocardiose.3,4,6 Portanto, o diagnóstico de actinomicose da cavidade nasal deve ser baseado no exame clínico, nos achados microbiológicos ou histopatológicos e pela presença de grânulos de enxofre.4
Uma combinação de tratamento clínico e cirúrgico é recomendada para actinomicose nasal.1–10 A actinomicose se desenvolve mais facilmente em ambiente anaeróbio; portanto, a remoção cirúrgica dos tecidos envolvidos e o estabelecimento endoscópico de um óstio sinusal natural patente podem ser essenciais para o tratamento bem‐sucedido de actinomicose nasal.1,4,9,10 O antibiótico padrão continua a ser a penicilina, mas a doxiciclina, eritromicina e cefalosporina podem ser usadas.1–10 Usamos penicilina e cefalosporina após consulta com o departamento de doenças infecciosas. No entanto, os regimes de tratamento recomendados variam de duas semanas a vários meses.1,4,7,9,10 Recentemente, a duração ou a dose da terapia com antibióticos foi determinada de acordo com a gravidade da doença e a resposta ao tratamento.4,5,7,9,10 Muitos estudos relataram que o tratamento com antibióticos de curto prazo é suficiente para tratar a actinomicose não invasiva da cavidade nasal.7,9,10
O prognóstico da actinomicose nasal é muito bom,1–10 e, neste estudo, os sintomas melhoraram em todos os pacientes. Entretanto, o seguimento de longo prazo é necessário, porque a infecção pode apresentar recorrência mesmo após vários anos.
ConclusãoA actinomicose da cavidade nasal é muito rara e difícil de diferenciar da sinusite crônica causada por outros organismos com base em características clínicas ou exames radiológicos. A actinomicose da cavidade nasal deve ser suspeitada quando um paciente com sinusite crônica não responde a tratamento clínico e tem uma história de tratamento odontológico, cirurgia ou RT. A actinomicose nasal pode ser adequadamente tratada com antibióticos e cirurgia endoscópica.
Conflitos de interesseOs autores declaram não haver conflitos de interesse.
Como citar este artigo: Park KS, Lee DH, Lim SC. Actinomycosis of the nasal cavity. Braz J Otorhinolaryngol. 2022;88:128–132.
A revisão por pares é da responsabilidade da Associação Brasileira de Otorrinolaringologia e Cirurgia Cérvico‐Facial.