A fono‐oncologia, ou fonoaudiologia na reabilitação oncológica, é uma abordagem ainda não reconhecida como especialidade, mas uma realidade na prática de diversos hospitais oncológicos e na pesquisa científica há mais de 20 anos. Fonoaudiólogos com formação específica e experiência em reabilitação oncológica atuam nessa área. Em ambientes hospitalares ou clínicos, esses profissionais trabalham com uma equipe multidisciplinar composta por cirurgiões, enfermeiros, cirurgiões maxilofaciais, fisioterapeutas, psicólogos e nutricionistas que, juntos, conduzem de forma assertiva a reabilitação dos pacientes, garantem a máxima autonomia, reintegração social e qualidade de vida. O fonoaudiólogo é o instrumento que proporciona o restabelecimento da comunicação e alimentação do paciente com segurança, reinsere‐o na sociedade como comunicador e adapta as funções da alimentação para proporcionar bem‐estar físico, emocional e social e melhorar significativamente a qualidade de vida.1,2
Os distúrbios da fala ocorrem por tumores de cabeça e pescoço que afetam as regiões de nariz, lábios, língua, mandíbula, maxila, palato duro e mole, nasofaringe, orofaringe, hipofaringe, laringe, tireoide, glândulas salivares e cavidade oral. Devido à localização desses tumores, qualquer que seja o tratamento proposto, como cirurgia, quimiorradioterapia ou uma combinação deles, resultará em distúrbios da fala temporários ou permanentes. O fonoaudiólogo oncológico é responsável por atuar no cuidado integral com a equipe multiprofissional, tanto na atenção básica (prevenção, promoção, apoio, cuidados paliativos) quanto na atenção especializada, desde a fase do diagnóstico, antes, durante e após o tratamento clínico ou cirúrgico.1
As opções de tratamento para o câncer de cabeça e pescoço são a cirurgia, a radioterapia e a quimiorradioterapia. É comum implantar protocolos combinados. A radioterapia, o tratamento mais comum em cirurgia de cabeça e pescoço, restringe o potencial reprodutivo das células cancerosas e, apesar da vantagem sobre a cirurgia em termos de preservação de órgãos, causa inúmeros eventos adversos locais e generalizados, temporários ou permanentes. O fonoaudiólogo deve identificar e intervir em todas as etapas do processo radioterápico para minimizar as sequelas relacionadas à deglutição e fonação, que podem impactar gravemente a qualidade de vida durante o tratamento. Infelizmente, todas as opções de tratamento causam sequelas com impacto significativo nas funções essenciais do sistema estomatognático (sucção, respiração, deglutição, fala e mastigação). Complicações decorrentes do câncer e seu tratamento podem levar a mutilações e alterações fisiológicas, como disfagia, aspiração, dificuldades de mastigação, alterações na fala e alterações estéticas que comprometem os aspectos físicos e psicossociais desses pacientes.3,4
O momento ideal de intervenção do fonoaudiólogo começa com o diagnóstico do câncer antes do tratamento. É fundamental fornecer orientações e esclarecimentos à família do paciente sobre as possíveis sequelas que podem surgir independentemente do tratamento a ser feito e criar um relacionamento profissional que proporcione inúmeros benefícios e maior adesão ao tratamento.1
Porém, em geral, a atuação do fonoaudiólogo, na maioria das vezes, restringe‐se à fase de cicatrização. São muito poucos os casos em que o fonoaudiólogo atua desde a fase de pré‐tratamento em equipe multiprofissional e na decisão terapêutica. O mais comum é a atuação após o tratamento cirúrgico e ou quimiorradioterapia. Nos casos cirúrgicos, a fonoterapia costuma ser iniciada 15 dias após a cirurgia, se não houver complicações. Esse período varia de acordo com cada hospital e depende da indicação da equipe médica. Quando o início das atividades é permitido, o fonoaudiólogo faz uma avaliação clínica e instrumental de todas as demais estruturas e funções.
Na avaliação, observam‐se motricidade oral, voz, deglutição, padrão de articulação, presença de sonda alimentar, traqueostomia provisória ou definitiva e condições respiratórias. A depender do caso, testes adicionais podem ser solicitados. A avaliação, feita por meio de raciocínio clínico, tem como objetivo identificar as mudanças que ocorreram e o motivo dessas mudanças para definir o diagnóstico, o prognóstico e a abordagem terapêutica apropriada.4
Na fase inicial do tratamento, o principal objetivo da fonoaudiologia no câncer de cabeça e pescoço é a reabilitação da deglutição. Na maioria das vezes, o paciente submetido à cirurgia recebe uma sonda de alimentação, gastrostomia ou jejunostomia para se alimentar. Quando o paciente consegue engolir com segurança, sem aspiração e com tempo de trânsito oral adequado, a via opcional de alimentação pode ser removida. Durante o treinamento para reintrodução da via oral, o fonoaudiólogo define a consistência mais adequada do alimento e passa a fazer estimulação sensorial, manobras para proteção das vias aéreas e posturas, exercícios de fortalecimento seguidos pela função. Um conjunto de ações para facilitar a deglutição é indicado para cada caso.
Em relação à reabilitação vocal, um grupo de pacientes que se destaca em particular são aqueles submetidos a laringectomia total. A voz, principal instrumento da identidade, é diretamente afetada nesse tipo de cirurgia. Com a remoção do arcabouço laríngeo, o paciente perde a capacidade de comunicação vocal, torna‐se um deficiente vocal. Para o restabelecimento da comunicação, autoestima e reinserção social, o fonoaudiólogo deve atuar no momento pré‐cirúrgico, acolher, orientar e apresentar os métodos disponíveis para reabilitação vocal, como cuidados com o estoma após a cirurgia, com o uso dos materiais adequados para tal objetivo.
O acompanhamento fonoaudiológico contribui para ampliar o potencial de comunicação, respeita as expectativas e os limites da doença. A reabilitação busca amenizar as alterações anatômicas detectadas no paciente, levar à melhoria da qualidade de vida e ressocialização. Esse acompanhamento é de curto, médio ou longo prazo, depende da gravidade das sequelas.5
Porém, o processo nem sempre ocorre dessa forma. Em um estudo descritivo retrospectivo feito em Olinda /PE em 2016, com abordagem quantitativa, o cânceres de língua e orofaringe foram os principais sítios tumorais primários encontrados entre os indivíduos que morreram. Além disso, nessa amostra, apenas alguns receberam indicação para terapia fonoaudiológica durante a doença.5
A fono‐oncologia lida com as consequências das doenças e, apesar de ser uma subespecialidade desconhecida na área da fonoaudiologia, relaciona‐se especificamente a um processo de reabilitação em pacientes com câncer, com grande pesquisa científica na literatura.
Conflitos de interesseOs autores declaram não haver conflitos de interesse.
Como citar este artigo: Rossi VC, Moraes JL, Molento CF. Speech therapy in head and neck cancer. Braz J Otorhinolaryngol. 2021;87:495–6.