Introdução
Os abscessos cervicais profundos são afecções graves e de múltiplas origens, sendo as mais frequentes a odontogênica e a peritonsilar. com o advento dos antibióticos, a parotidite supurativa com formação de abscesso cervical tornou-se uma infecção bastante incomum.1 a progressão da coleção para outros espaços cervicais ou torácicos pode levar a um quadro dramático de elevada mortalidade, especialmente pelo risco de mediastinite e suas complicações.
Relatamos um raro caso de abscesso parotídeo com dissecção para o mediastino, uma complicação rara de infecção de glândulas salivares.
Apresentação do caso
Paciente do sexo feminino, 38 anos, procurou o pronto-socorro com queixa de febre e dor na topografia da parótida esquerda há uma semana. Nos últimos três dias, evoluíra com dispneia, odinofagia e queda do estado geral. Não havia história de trauma, tratamento dentário ou patologias cervicofaciais prévias.
Ao exame físico, apresentava sinais clínicos de sepse e abaulamento endurecido na topografia da parótida esquerda e níveis cervicais IB, IIa e III ipsilateral. À oroscopia, apresentava trismo moderado, porém, sem alterações na orofaringe.
A tomografia computadorizada (fig.1) no corte axial evidenciou coleção compatível com abscesso acometendo os lobos superficiais e profundos da parótida, estendendo-se para os espaços mastigador e parafaríngeo esquerdos. Nos cortes coronal e sagital, foi visualizada volumosa coleção cervical com extensão inferior para o mediastino, através do espaço vascular-visceral. O corte axial do tórax mostrou coleção envolvendo o mediastino anterior e derrame pleural bilateral. A paciente foi admitida na UtI e submetida à cervicotomia lateral esquerda, mediastinoscopia e toracotomia posterior para drenagem das coleções purulentas. Após o procedimento, instituiu-se antibioticoterapia (ampicilina + sulbactam) e corticoterapia endovenosa. A cultura do abscesso foi positiva para Streptococcus constelattus. Paciente permaneceu internada por 26 dias, apresentando boa evolução.
Figura 1 Tomografia computadorizada mostrando volumoso abscesso acometendo múltiplos espaços cervicais e com extensão para o mediastino anterior.
Discussão
Embora a parotidite seja a mais comum das infecções de glândulas salivares, o abscesso de parótida é uma complicação rara.1 Caso não seja controlada, a infecção pode organizar-se e disseminar pelos espaços profundos cervicais, elevando sua morbimortalidade. Em geral acomete pessoas debilitadas, como portadores de doenças sistêmicas e imunossuprimidos. O principal fator de risco é a desidratação, devido à diminuição da salivação e ao aumento do crescimento bacteriano.
O Staphylococcus aureus é o agente mais comum nas infecções supurativas da parótida, chegando a quase 80% dos casos.2 A infecção por múltiplos micro-organismos também é frequente e potencializa a infecção.3 A bactéria do caso apresentado foi o Streptococcus constellatus, estreptococo presente na flora da cavidade oral.
A invasão infecciosa dos espaços cervicais profundos pode se disseminar através das fáscias cervicais e originar abscessos com potencial de extensão para o mediastino. A mediastinite necrotizante descendente é rara, sendo uma das formas mais letais da doença. Clinicamente, caracteriza-se pelo aparecimento de manifestações toxêmicas e sintomas torácicos, como dispneia ou dor torácica, em paciente com infecção cervical, sendo sua mortalidade estimada em 40%.3,4
A mediastinite secundária a abscesso parotídeo é um evento raro. Na revisão da literatura científica realizada (MedlINe e lIlacs), foi encontrado apenas um relato de caso de mediastinite necrotizante secundário à parotidite supurativa aguda, em um hospital geral de toronto, no canadá.5
No presente caso clínico, o acometimento infeccioso do lobo profundo da parótida provavelmente estendeu-se através do túnel estilomandibular até o espaço parafaríngeo. A partir deste espaço, que é confluente a diversos outros espaços cervicais, atingiu a bainha carotídea e propagou-se caudalmente ao mediastino superior.
O tratamento clássico da mediastinite necrotizante descendente é baseado na drenagem cirúrgica ampla associada à anti-bioticoterapia de largo espectro.
Comentários finais
Embora o abscesso de parótida seja incomum, a possibilidade de propagação dessa infecção para o mediastino reforça a necessidade do diagnóstico e tratamento precoces.
Conflitos de interesse
Os autores declaram não haver conflitos de interesse.
Recebido em 24 de novembro de 2012;
aceito em 29 de março de 2013
DOI se refere ao artigo: http://dx.doi.org/10.1016/j.bjorl.2013.03.001
☆ Como citar este artigo: Brito TP, Guimarães AC, Oshima MM, Chone CT. Mediastinitis: parotid abscess complication. Braz J Otorhinolaryngol. 2014;80:268-9
* Autor para correspondência.
E-mail: e-mail: thpbrito@gmail.com (T.P. Brito).