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Vol. 84. Núm. 5.
Páginas 669-672 (Setembro - Outubro 2018)
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Páginas 669-672 (Setembro - Outubro 2018)
Relato de caso
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Stafne bone cavity containing ectopic parotid gland
Cavidade óssea de Stafne contendo glândula parótida ectópica
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Mesut Kaya
Autor para correspondência
mesutkaya78@yahoo.com

Autor para correspondência.
, Kadriye Serife Ugur, Elif Dagli, Hanifi Kurtaran, Mehmet Gunduz
Turgut Ozal University, Faculty of Medicine, Department of Otolaryngology Head & Neck Surgery, Ankara, Turquia
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Introdução

Em 1942, Stafne descreveu, em 35 casos assintomáticos, uma depressão cortical no lado lingual da mandíbula como uma série de cavidades radiolucentes unilaterais localizadas na região posterior da mandíbula, entre o terceiro molar e o ângulo mandibular, abaixo do canal mandibular inferior e acima da base mandibular. Esse autor descreveu os casos como “cavidades ósseas situadas nas proximidades do ângulo da mandíbula”.1 Essas lesões são definidas como pseudocistos desprovidos de revestimento epitelial. Embora, na maioria dos casos, esses cistos sejam observados no ângulo da mandíbula abaixo do nervo mandibular, também são diagnosticados em outros locais, como, por exemplo, no aspecto anterior da mandíbula. Graças às explicações controversas da patogênese, essa lesão tem sido denominada de várias formas, entre elas cavidade ou defeito ósseo estático, cavidade óssea latente ou idiopática, glândula submandibular ou sublingual ectópica na mandíbula, defeito ou depressão mandibular cortical lingual, defeito ósseo evolutivo da mandíbula e cisto, defeito ou cavidade de Stafne.

Considerando a maioria dos casos, a cavidade de Stafne é diagnosticada acidentalmente nos exames radiológicos de rotina em pacientes assintomáticos. Nas radiografias panorâmicas, esse defeito surge como uma densa radiolucência circunscrita no ângulo mandibular, abaixo do canal mandibular, é principalmente unifocal. Os cistos de Stafne são considerados alterações estruturais estáveis da mandíbula e dispensam intervenção cirúrgica. Mas, na literatura, foram descritos pacientes operados para essa entidade, observou‐se que a cavidade continha tecido glandular submandibular, músculos, tecido conjuntivo fibroso, vasos sanguíneos, gordura ou tecido linfoide.2 Neste artigo, apresentamos uma cavidade óssea de Stafne contendo glândula parótida ectópica.

Relato de caso

Homem, 60 anos, com queixa de dor no lado direito do assoalho da boca, foi encaminhado à nossa clínica otorrinolaringológica em um centro acadêmico terciário. Um estudo de ressonância magnética demonstrou tumor sólido em região submandibular direita, com divergência das estruturas circunjacentes, como a glândula submandibular e os músculos, que apresentava bordas regulares. O tumor lobulado exibia retenção difusa de contraste e densidade intermediária nas secções ponderadas em T1A, hiperdensidade nas imagens ponderadas em T2 e sem supressão nas séries com supressão de gordura. Esse tumor também preenchia o espaço situado anteriormente ao ângulo mandibular direito, formava uma depressão cortical com margens bem delimitadas e com a linha mandibular inferior intacta (fig. 1).

Figura 1.

Imagens de ressonância magnética de massa lobulada na região submandibular direita (setas pretas) em secções ponderadas em T1A (A) e em secções ponderadas em T2 com supressão de gordura (B e C).

(0,12MB).

O paciente referia dor nos últimos três meses; foi medicado com antibióticos e agentes anti‐inflamatórios, mas sem alívio. Em vista disso, obtivemos uma radiografia panorâmica que demonstrou lesão cística de forma oval e bem delimitada entre o segundo molar e o ângulo mandibular, ligeiramente acima da linha mandibular inferior. O terceiro molar tinha sido extraído havia muitos anos e o cisto não tinha envolvimento com as raízes do segundo molar. As margens circunjacentes do cisto exibiam maior densidade (fig. 2). O exame da cabeça e do pescoço não revelou qualquer achado patológico e o paciente não referiu dor com a palpação do pescoço.

Figura 2.

Radiografia panorâmica. Lesão cística de forma oval, bem delimitada (seta branca) entre o segundo molar e o ângulo mandibular, ligeiramente acima da linha mandibular inferior.

(0,08MB).

Foi obtido consentimento informado; em seguida, fizemos uma incisão intraoral na mucosa bucal, nas proximidades da linha gengivobucal. O periósteo da mandíbula foi elevado até a linha mandibular inferior; e a seguir, com o auxílio de uma broca, uma janela foi aberta desde o lado bucal da mandíbula. Foi possível observar o tumor situado imediatamente atrás da delgada placa externa cortical. O tumor não exibia qualquer tipo de revestimento epitelial. Tratava‐se de uma massa sólida não capsulada e frágil, que pôde ser facilmente separada da glândula submandibular e dos músculos, mas estava firmemente aderida inferiormente ao nervo lingual (fig. 3). A lesão foi removida sem maiores complicações.

Figura 3.

Foto intraoperatória de massa lobulada (seta branca) visualizada por meio de janela aberta na parede mandibular do cisto de Stafne.

(0,1MB).

Macroscopicamente, a lesão apresentava características que lembravam tecido glandular (fig. 4). Os achados histopatológicos revelaram a presença exclusiva de tecido glandular seroso e glândula parótida ectópica (fig. 5). As células acinares continham grânulos de zimogênio e o sistema ductal estava intacto. Em seguida, examinamos novamente as imagens de IRM para verificar as duas glândulas parótidas e conferir se ambas estavam presentes nos seus locais habituais.

Figura 4.

Imagem macroscópica de tecido parotídeo ectópico.

(0,12MB).
Figura 5.

A, Na coloração de hematoxilina‐eosina, a massa consistia exclusivamente de tecido glandular seroso (100×); B, As células acinares continham grânulos de zimogênio e o sistema ductal estava intacto (200×).

(0,46MB).
Discussão

A glândula parótida acessória é composta de tecido glandular que ocorre no músculo masseter, situa‐se junto ou craniolateralmente ao ducto de Stensen, mas separadamente da borda anterior da glândula parótida. A glândula parótida acessória tem um sistema ductal específico, que drena para o ducto de Stensen.3 A presença de tecido de glândula parótida fora de seu local natural, ou localização acessória, é conhecida por atopia, pode ser observada na ausência ou presença da parótida em sua localização normal. No embrião, entre a sexta e sétima semanas as glândulas salivares principais começam a se desenvolver: com a formação de invaginações ectodérmicas no assoalho da parte branquial da boca primitiva para a glândula parótida e com a formação de invaginações endodérmicas para as glândulas submandibular e sublingual. Essas células migram até o mesênquima subjacente, dão início à abertura do futuro ducto excretório. Durante a embriogênese, todas as glândulas salivares demonstram íntima interação com o tecido linfático adjacente, o que explica o motivo de o tecido de glândula salivar ectópica se localizar mais frequentemente nos linfonodos cervicais.4 Na literatura, foram relatados locais muito raros para as glândulas salivares ectópicas, como, por exemplo, glândula pineal, ducto tireoglosso, glândula tireoide, glândula paratireoide, tonsila faríngea, tonsila lingual, reto, estômago e vulva. Embora a heterotopia de glândula salivar possa ser observada em diversos órgãos, a ocorrência de tecido glandular salivar bem organizado, e mais ainda, uma glândula parótida ectópica estruturada são achados muito raros.5 Anormalidades evolutivas do aparelho branquial terminam com malformações na forma de seios, fístulas ou cistos. Youngs e Schofield sugeriram que a ectopia da glândula salivar seria resultante da persistência habitual e da diferenciação dos remanescentes endodérmicos do seio pré‐cervical de His.6

Na maioria dos casos, as glândulas salivares ectópicas surgem do triângulo anterior existente ao longo da borda medial do músculo esternocleidomastoideo e sua localização mais comum é a base do pescoço.7 Normalmente, as glândulas salivares ectópicas se apresentam na forma de seios abertos para o exterior e que secretam um líquido transparente, semelhante à saliva, especialmente durante a ingestão de alimentos. É rara uma apresentação bilateral de glândula salivar ectópica

Barbuscia et al. descreveram a presença de glândula parótida ectópica na parte média do pescoço, estruturada como parênquima parotídeo normal e com aspecto multilobular.8 O exame histológico (bastante parecido com o nosso caso) revelou glândulas acinares compostas por uma secreção serosa que continha quantidade abundante de grânulos de zimogênio e que, aparentemente, estavam completamente preservadas.

Em nosso caso, a glândula parótida ectópica estava localizada na cavidade de Stafne. Quando Stafne introduziu essa entidade, defendeu a teoria evolutiva, informou que existe deficiência na área ocupada pela cartilagem de Meckel.1 No entanto, isso parece improvável, pois não há apresentação dessa entidade em indivíduos com menos de 11 anos e o pico de incidência gira em torno da quinta e sexta décadas de vida. Uma teoria com ampla aceitação é que o defeito mandibular se deve à atrofia por pressão causada pela glândula submandibular. Nossos achados pós‐operatórios confirmaram a presença de glândula salivar submandibular na cavidade.9 Ariji et al., Quesada‐Gomez et al., Shimizu et al. e Philipsen et al. alertam para a hipertrofia compensatória e fibrose causadas pela infiltração linfocítica e diminuição da secreção que aumenta com a idade ou que, com o passar do tempo, a glândula aumenta de tamanho. Kay propôs que a cavidade seria resultante de pressão vascular anormal da artéria facial, devido ao seu curso tortuoso sobre a borda inferior da mandíbula. Esse autor considerou que há semelhança com a reabsorção de costelas causada por aneurisma aórtico. Lelo e Makek defenderam a posição de que o defeito era resultante de isquemia óssea causada pela tortuosa artéria facial e pela degeneração arterial ligada ao envelhecimento. Minowa et al. demonstraram uma vasculatura anormal na cavidade, tanto nas imagens radiológicas como na histopatologia, sem a presença de glândula salivar; por isso, sugeriram que uma lesão vascular pode ser outra explicação para o cisto de Stafne. Foi também proposto que a recanalização de uma trombose, oclusão de ramos da artéria facial e tortuosidade desse vaso podem ser decorrentes de arteriosclerose e hipertensão, que aumentam com a idade – o que é consistente com a incidência. Embora a glândula submandibular possa enfraquecer os pulsos arteriais, a mandíbula está sujeita a pressões em decorrência de tais pulsos. Acredita‐se que a pressão na mandíbula seja a causa da cavidade óssea.

Em geral, o conteúdo do pseudocisto é um tecido inflamatório de glândula salivar – o achado mais comum em indivíduos operados ou em estudos imaginológicos da cavidade de Stafne. Em uma minoria de casos, foi observada a presença de músculo, tecido fibroso, gordura, tecido linfoide ou estruturas vasculares ou mesmo ausência de tecido.9 Tendo em vista a mobilidade do assoalho da boca e do pescoço, pode ocorrer deslocamento não intencional de tecidos adjacentes durante a manipulação cirúrgica ou reposicionamento intermitente da glândula. Nosso caso fala a favor da teoria da pressão glandular, com uma glândula parótida ectópica.

O diagnóstico de um cisto de Stafne clássico, a variante lingual posterior, é feito de forma relativamente fácil com uma radiografia panorâmica. O diagnóstico diferencial do cisto de Stafne deve consistir em lesões císticas odontogênicas ou não odontogênicas, displasia fibrosa, fibroma não ossificante, tumor castanho do hiperparatireoidismo, defeito de medula óssea com osteoporose, ameloblastoma, tumor de células gigantes, tumores benignos de glândula salivar, hemangioma, mixoma, mieloma múltiplo, granuloma eosinofílico e doença metastásica.9 Por outro lado, levando em conta o tumor que preenche a cavidade, devemos ter em mente as possibilidades de linfadenopatia benigna ou maligna, linfoma, higroma cístico, hemangioma, tumores neurogênicos e tumores glandulares benignos ou malignos.10 Com o recurso da tomografia computadorizada (TC), da CT‐sialografia e de imagens por ressonância magnética (IRM), é possível estabelecer o diagnóstico diferencial.

Todos os autores concordam que o cisto ósseo de Stafne não precisa ser tratado por cirurgia e que os pacientes devem ser acompanhados com estudos radiológicos para o tratamento da depressão óssea, porque essa é uma condição anatômica, e não uma entidade patológica. O cirurgião apenas deverá pensar em uma biópsia ou na exploração cirúrgica se o diagnóstico for incerto ou se houver suspeita de uma moléstia excepcionalmente incomum. No presente caso, optamos pela exploração cirúrgica devido aos achados de IRM, com a deficiência anatômica. O resultado da histopatologia revelou uma doença evolutiva (ectopia de glândula parótida) que, até onde vai nosso conhecimento, é o primeiro caso descrito na literatura em língua inglesa.

Conclusão

O cisto ósseo de Stafne é uma entidade anatômica benigna rara, observada sobretudo como uma depressão lingual posterior da mandíbula. Em nosso caso, o cisto estava associado a tecido glandular parotídeo aberrante mas bem organizado, originário do deslocamento das bolsas faríngeas. Com respeito a esse caso e a casos precedentes, devem ser obtidos estudos de imagem para que seja eliminada a possibilidade de outras doenças potencialmente perigosas.

Conflitos de interesse

Os autores declaram não haver conflitos de interesse.

Referências
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Como citar este artigo: Kaya M, Ugur KS, Dagli E, Kurtaran H, Gunduz M. Stafne bone cavity containing ectopic parotid gland. Braz J Otorhinolaryngol. 2018;84:669–72.

A revisão por pares é da responsabilidade da Associação Brasileira de Otorrinolaringologia e Cirurgia Cérvico‐Facial.

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