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Vol. 82. Núm. 2.
Páginas 223-231 (Março 2016)
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Revisão sistemática: influência da obstrução nasal na apneia do sono
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Debora Petrungaro Migueisa, Luiz Claudio Santos Thulerb, Lucas Neves de Andrade Lemesc, Chirlene Santos Souza Moreiraa, Lucia Joffilyd, Maria Helena de Araujo-Meloe
a Programa de Pós-graduação de Neurologia, Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO), Rio de Janeiro, RJ, Brasil
b Programa de Pós-graduação de Neurologia, Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO), Rio de Janeiro, RJ, Brasil. Divisão de Investigação Clínica, Instituto Nacional de Câncer (INCA), Rio de Janeiro, RJ, Brasil
c Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), Rio de Janeiro, RJ, Brasil
d Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO), Rio de Janeiro, RJ, Br
e Programa de Pós-graduação de Neurologia, Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO), Rio de Janeiro, RJ, Brasil. Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO), Rio de Janeiro, RJ, Brasil
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Tabela 1. Total de estudos com intervenção clínica e cirúrgica
Tabela 2. Modificações com o tratamento clínico
Tabela 3. Alterações com tratamento cirúrgico
Tabela 3. (cont.)
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Introdução: A síndrome da apneia obstrutiva do sono (SAOS) é um distúrbio muito prevalente que pode ocasionar morbi-mortalidade cardiovascular, além de consequências metabólicas, neurológicas e comportamentais. Atualmente, acredita-se que a obstrução nasal comprometa a qualidade do sono, devido a distúrbios respiratórios e fragmentação do sono. Entretanto, até o momento estudos recentes não conseguem relacionar objetivamente qualidade do sono e obstrução nasal.

Objetivo: O objetivo principal desta revisão sistemática é avaliar a influência da obstrução nasal na SAOS e em índices polissonográficos associados a eventos respiratórios.

Método: Foram selecionados um total de 11 artigos originais de 2003 a 2013 com tratamentos cirúrgicos e não cirúrgicos da obstrução nasal, realizando a polissonografia do tipo 1 antes e após a intervenção.

Resultados/conclusões: Na maioria dos ensaios, a obstrução nasal não se relacionou ao índice de apneia-hipopneia, indicando ausência de melhora da SAOS com a redução da resistência nasal. Entretanto, poucos pesquisadores avaliaram índices polissonográficos como o índice de despertares e o percentual do sono REM (movimento rápido dos olhos) que poderiam vir alterados, uma vez que a obstrução nasal possivelmente não obstrui completamente a via aérea superior, mas aumenta a pressão negativa intratorácica, levando à fragmentação do sono.

Palavras-chave:
Obstrução nasal
Apnéia obstrutiva do sono
Fragmentação do sono
Polissonografia
Resultado do tratamento

Introduction: Obstructive sleep apnea syndrome (OSAS) is a common disorder that can lead to-cardiovascular morbidity and mortality, as well as to metabolic, neurological, and behavioral consequences. It is currently believed that nasal obstruction compromises the quality of sleep when it results in breathing disorders and fragmentation of sleep. However, recent studies have failed to objectively associate sleep quality and nasal obstruction.

Objective: The aim of this systematic review is to evaluate the influence of nasal obstruction on OSAS and polysomnographic indices associated with respiratory events.

Methods: Eleven original articles published from 2003 to 2013 were selected, which addressed surgical and non-surgical treatment for nasal obstruction, performing polysomnography type 1 before and after the intervention.

Results/conclusions: In most trials, nasal obstruction was not related to the apnea-hypopnea index (AHI), indicating no improvement in OSAS with reduction in nasal resistance. However, few researchers evaluated other polysomnography indices, such as the arousal index and rapid eye movement (REM) sleep percentage. These could change with nasal obstruction, since itis possible that the nasal obstruction does not completely block the upper airways, but can increase negative intrathoracic pressure, leading to sleep fragmentation.

Keywords:
Nasal obstruction
Obstructive sleep apnea
Sleep fragmentation
Polysomnography
Treatment outcome
Texto Completo

Introdução

A síndrome da apneia obstrutiva do sono (SAOS) é um distúrbio muito prevalente, podendo ocasionar morbi-mortalidade cardiovascular, além de consequências metabólicas, neurológicas e comportamentais. Na população brasileira, essa síndrome constitui um problema de saúde pública, afetando 32,8% das pessoas.1 A SAOS é uma anormalidade anatômica e funcional, resultante do colapso neuromuscular parcial ou total das vias aéreas superiores (VAS) durante o sono, principalmente com pressões negativas na inspiração. Essa obstrução ocasiona fragmentação do sono e hipóxia intermitente. As principais áreas obstrutivas são nariz, palato e língua, podendo ser multifatorial.2 Atualmente, acredita-se que a obstrução nasal comprometa a qualidade do sono, em tese, devido a distúrbios respiratórios, além de afetar a adaptação e a adesão da pressão positiva contínua de vias aéreas (CPAP), padrão ouro para tratamento da SAOS.3 Entretanto, estudos recentes não conseguiram relacionar objetivamente qualidade do sono e obstrução nasal.4

Segundo o European Position Paper on Rhinosinusitis and Nasal Polyps (EPOS 2012), a obstrução nasal pode ser causada por diversos tipos de rinossinusites crônicas (RSC) ou agudas.5 Alguns estudos sugeriram que queixas de sono em pacientes com RSC eram comuns, podendo, inclusive, afetar a qualidade de vida, mas há pouca informação sobre essa associação.6 A última revisão sobre o tema, realizada em 2013 por Meen EK et al., evidenciou que intervenções nasais medicamentosas e cirúrgicas não melhoraram o índice de apneia e hipopneia, nem a SAOS, porém, melhoraram sintomas subjetivos da doença, como a sonolência excessiva diurna e a qualidade de vida.4 Essa e outras revisões sistemáticas mais recentes, contudo, não avaliam o índice de despertares, RERA (esforço respiratório relacionado ao despertar) e índice de distúrbios respiratórios.

O objetivo principal desta revisão sistemática foi avaliar a influência da obstrução nasal na SAOS e em outros índices polissonográficos associados a eventos respiratórios, na última década.

Método

A seleção dos artigos usou como critério estudos prospectivos do tipo ensaio clínico controlado e coorte, cujos pacientes foram submetidos a polissonografia tipo 1 (supervisionada pelo técnico em laboratório de sono) de noite inteira, antes e após intervenções conservadoras ou cirúrgicas, para melhorar a respiração nasal durante o sono. Dois observadores selecionaram a literatura relevante de 2003 a 2013 no MEDLINE (Bireme e PubMed), em inglês ou português, sobre a associação entre obstrução nasal e SAOS. Artigos relacionados e referências foram também incluídos a partir desta revisão. Foram selecionados apenas estudos originais com tratamentos cirúrgicos e não cirúrgicos da obstrução nasal, realizando a polissonografia do tipo 1 antes e após a intervenção. Foram excluídos: cartas ao editor, série de casos (com menos de dez pacientes), artigos de revisão, pesquisa básica, estudos sem intervenção ou sem polissonografia do tipo 1 de noite inteira. Também foram eliminados estudos com neuropatas, cardiopatas, idade inferior a 18 anos e cirurgias multinível ou outras intervenções cirúrgicas não nasais em um mesmo momento.

As intervenções avaliadas foram: uso de medicações (descongestionantes nasais e corticoides tópicos), dilatadores e cirurgias nasais (rinosseptoplastia, septoplastia com ou sem turbinectomia, cirurgia sinusal endoscópica funcional). Nesta revisão sistemática, o sucesso do tratamento foi avaliado de acordo com a melhora subjetiva da obstrução e/ou a melhora da resistência nasal. Além disso, os índices polissonográficos relacionados a eventos respiratórios e eletroencefalográficos pré e pós-intervenção foram comparados, para avaliar a influência da obstrução nasal na SAOS.

A busca no PubMed foi realizada em agosto de 2014, com os termos “Nasal Obstruction”[Mesh] AND “Sleep Apnea, Obstructive”[Mesh], obtendo 140 artigos. Na biblioteca virtual de saúde, utilizando os termos: “nasal obstruction and Obstructive Sleep Apnea”, foram selecionados 613 artigos. Após avaliar títulos e resumos, a primeira observadora obteve 21 artigos no PubMed e 33 na Bireme. Excluindo artigos que se repetiam em ambas as fontes, restaram 52 estudos. Pelos títulos e resumos, a segunda revisora selecionou 21 artigos no PubMed e 42 na Bireme. Após eliminar os comuns, obteve 46 artigos.

Entre os artigos selecionados por ambas, 25 eram repetidos e, ao avaliar em conjunto os títulos e resumos, restaram 73 artigos para serem lidos na íntegra e realizar a seleção final. Além destes, foram incluídos, também, outros artigos por busca manual nas referências avaliadas (fig. 1).

Figura 1 Como foi realizada a revisão de literatura. Pelas palavras-chave, na BIREME e no PubMed, foram obtidos os artigos. Cada revisor avaliou inicialmente 753 artigos. Após a exclusão dos repetidos entre as fontes, foram avaliados em conjunto títulos e resumos, restando 73 artigos vistos na íntegra. Houve 25 artigos em comum e 13 foram avaliados segundo os critérios do STROBE. Além destes, sete foram incluídos por busca manual nas referências avaliadas.

O nível de significância foi fixado em 5% (α = 0,05) para a rejeição da hipótese de nulidade. Os valores são apresentados com o respectivo intervalo de confiança a 95% (IC 95%), que expressa com 95% de certeza a faixa de valores dentro da qual o verdadeiro valor se encontra na população.7 Foi calculada a mediana de idade e IMC, como medida de tendência central. Além disso, todos os artigos selecionados atendiam aos critérios estabelecidos pelo STROBE (Strengthening the Reporting of Observational Studies in Epidemiology) e aplicado para estudos de coorte.8

Resultados

Após selecionar os artigos completos e avaliar a metodologia, p valor, intervalo de confiança, ausência de viés e presença de todos os critérios determinados pelo checklist do STROBE, 11 artigos foram selecionados para esta revisão sistemática. Os pacientes com obstrução nasal foram submetidos a intervenções clínicas e cirúrgicas para melhora da respiração nasal, comparando índices polissonográficos pré e pós- operatórios. Avaliou-se a sonolência excessiva diurna através da Escala de Sonolência de Epworth (ESE)9 e da melhora clínica.

Os parâmetros polissonográficos avaliados foram: índice de apneia e hipopneia (IAH), índice de distúrbios respiratórios (IDR), presença de dessaturação e roncos, índice de despertares, arquitetura do sono, sono REM (Rapid Eye Movement) e sono de ondas lentas (antiga fase do sono N3+N4), segundo os critérios do Manual da AAMS.10

Um total de 297 pacientes foi avaliado, sendo a mediana das idades de 46 anos e o IMC médio, 27,9 kg/m2.

Dos três ensaios com tratamento medicamentoso (tabela 1), todos obtiveram redução da resistência nasal e melhora da qualidade subjetiva do sono, sem modificar os roncos. Após o tratamento conservador, o índice apneia hipopneia (IAH) e o índice de dessaturação sofreram redução significativa apenas no estudo de Kiely et al.11 Dois ensaios com uso de descongestionantes12,13 não evidenciaram melhora da sonolência excessiva diurna, pela escala de sonolência de Epworth (ESE). Em dois estudos com intervenções clínicas,11,12 houve um aumento relevante no sono de ondas lentas, e apenas Lean et al.12 evidenciaram menor índice de despertares, maior eficiência do sono e aumento do percentual do sono REM e do sono de ondas lentas (tabela 2).

Entre os oito estudos com intervenção cirúrgica14-21 (tabela 1), todos alcançaram redução significante da resistência nasal. Apenas um ensaio com intervenção cirúrgica15 não obteve mudança significante na ESE, enquanto os demais evidenciaram redução da sonolência excessiva diurna. Entretanto, após a intervenção, apenas dois que utilizavam CPAP (Bican I.19 e Sufioğlu I.21) evidenciaram redução relevante do IAH e da pressão do CPAP. Após as cirurgias e uso de CPAP, em Nakata et al.14 houve redução da pressão do CPAP, sem diminuir o IAH.

Em quatro estudos,17,18,20,21 houve redução dos roncos, sendo que Sufioğlu et al.21 relataram que essa melhora foi subjetiva. Somente dois estudos14,19 evidenciaram aumento da saturação mínima de oxigênio noturno no pós-operatório. Além disso, Bican et al.19 e Choi et al.20 apresentaram aumento no tempo total de sono e do percentual do sono REM. Apenas um estudo21 apresentou aumento do sono N3+N4 (sono de ondas lentas). Nenhum estudo com intervenção cirúrgica avaliou ou apresentou modificação no índice de despertares (tabela 3).

Discussão

Os distúrbios respiratórios do sono (DRS), segundo a terceira Classificação Internacional de Desordens do Sono (International Classification of Sleep Disorders – ICSD-3),22 são caracterizados por anormalidades na ventilação durante o sono e, às vezes, podem estar presentes na vigília, sendo divididos em diferentes categorias, como por exemplo: síndrome da apneia obstrutiva do sono (SAOS), síndrome da apneia central do sono, hipoventilação/hipoxemia relacionada ao sono e síndrome de resistência das vias aéreas superiores (SRVAS), sendo possível apresentar mais de um DRS. Esta revisão mostra uma série de 297 casos, nos quais pacientes com diversas causas de obstrução nasal foram submetidos a intervenções clínicas e cirúrgicas, sendo avaliados em relação a índices polissonográficos e melhora clínica.

A SAOS foi o distúrbio mais bem estudado e aceito na comunidade médica. Caracteriza-se por obstrução parcial ou total das vias aéreas superiores, denominadas hipopneias e apneias, com quedas episódicas na saturação de oxi-hemoglobina e despertares recorrentes.10 Além desses eventos, pode ocorrer despertar precedido por aumento do esforço respiratório, sem apneia ou hipopneia, mantendo o nível de oxi-hemoglobina estável durante o sono. Esses despertares têm como repercussão a fragmentação do sono e a sonolência excessiva diurna, estando relacionados a outro distúrbio respiratório do sono, denominado síndrome de resistência das vias aéreas superiores (SRVAS).23,24 Apenas Sufioğlu et al.21 avaliaram a fragmentação do sono, evidenciando repercussões na arquitetura do sono, além de falta de estudos sobre esse aspecto.

Medicações nasais não melhoraram o ronco. Dois estudos12,13 utilizaram vasoconstritores por um período curto, mas ambos apenas reduziram a resistência nasal e melhoraram aspectos subjetivos do sono. Possivelmente, seu uso crônico poderia não ter o mesmo efeito, já que, possivelmente,ocasionaria rinite medicamentosa.

Todos os estudos com intervenção cirúrgica14-21 diminuíram a resistência nasal, havendo, em sua maioria, redução dos roncos e da sonolência excessiva diurna, apesar de não diminuir o IAH. Dois estudos19,21 evidenciaram redução relevante do IAH. Sufioğlu I.21 evidenciaram aumento do percentual do sono de ondas lentas. Dois ensaios19,20 apresentaram aumento no tempo total de sono e do percentual do sono REM. Em alguns estudos, a arquitetura do sono não foi informada, indicando a necessidade de mais estudos sobre esse aspecto de importante repercussão comportamental e neurológica. Nenhuma intervenção cirúrgica avaliou ou não apresentou alteração no índice de despertares. A elevação deste índice sugere limitação do fluxo aéreo, que provoca microdespertares e consequente fragmentação do sono, e, às vezes, hipóxia intermitente. Isso ocasionaria não só distúrbios metabólicos, mas também irritabilidade, ansiedade, dificuldade na consolidação memória e redução da concentração e da atenção, podendo comprometer a produtividade do indivíduo.23,24

Em três estudos que utilizavam CPAP,14,19,21 após a intervenção, foi possível reduzir a pressão utilizada, o que melhorou a adesão ao tratamento. Somente Nakata et al.14 e Bican et al.19 evidenciaram aumento da saturação mínima de oxigênio no pós-operatório, o que pode trazer benefício metabólico e neurológico ao indivíduo.

Nesta revisão, observou-se que muitos autores valorizaram o IAH, sem avaliar o índice de despertares e a arquitetura do sono. Isso pode subdiagnosticar a SRVAS, prejudicando a compreensão da sonolência excessiva associada a ela, o que privaria o paciente de um tratamento que poderia lhe trazer benefícios.

Apenas dois estudos, realizados em 2011 e 2012, utilizaram o Manual da Academia Americana de Sono de 2007, denotando que os outros não contabilizaram RERA e o índice de distúrbios respiratórios (IDR), somatório do número de apneias, hipopneias e RERA divididos pelo tempo total de sono. Na última força-tarefa para elaboração do Manual da Academia Americana de Sono (AAMS-2012), tornou-se obrigatória a marcação do RERA, uma limitação do fluxo de ar com formação de um plateau na cânula nasal, com duração de 10 segundos, associada ao despertar. No AAMS-2007, estabelecer o número de RERA era opcional, apesar da relevância da SRVAS e do IDR.

Recentemente, os despertares têm sido mais estudados. Terzano et al.25 descreveram despertares com um padrão alternante cíclico (CAP) durante o sono não REM (NREM) em pacientes com IAH normal, mas com elevado índice de distúrbios respiratórios. Eles tinham SRVAS com fadiga e sonolência diurna, apesar de IAH normal, reforçando a relação entre o número de CAP, indicativo da fragmentação do sono NREM, com a escala de sonolência de Epworth. Entretanto, o CAP ainda não foi estabelecido como critério no AMMS-2012, indicando a necessidade de mais estudos que reforcem sua relevância clínica. Afinal, a inclusão de CAP alteraria alguns paradigmas. O despertar, hoje, é definido como frequências maiores que 16 Hz (não fusos), precedidas por 10 segundos de sono, com duração superior a 3 segundos; enquanto o CAP tem duração superior a 2 segundos. A inclusão, por exemplo, do CAP no AAMS poderia aumentar a sensibilidade da polissonografia, possibilitando diagnóstico, tratamento e acompanhamento de distúrbios até então negligenciados. O padrão do laudo polissonográfico da maioria estudos nesta revisão não permite quantificar aspectos com repercussões clínicas significativas.

Os artigos de Choi et al.20 e Sufioğlu et al.,21 respectivamente de 2011 e 2012, utilizaram o manual da AMMS-2007, comentando a fragmentação do sono e índice de despertares.

Alguns autores, como Friedman et al.,26 evidenciaram que pacientes com SAOS moderada a severa submetidos a reconstrução nasal apresentaram, no pós-operatório, piora objetiva no estudo do sono. Possivelmente, isso pode ser decorrente de uma alteração neuromuscular já estabelecida na via aérea superior e não corrigida com uma intervenção exclusiva ao nível nasal. Afinal, pacientes com menos fragmentação do sono podem ter mais sono REM, cursando com mais apneia e hipopneia durante o relaxamento muscular. Entretanto, esse evento paradoxal da cirurgia nasal sobre o índice de distúrbios respiratórios necessita de mais estudos.

Um fator que dificulta a definição do sucesso terapêutico é a falta de parâmetro para melhora da SAOS. Um dos critérios mais utilizados para o sucesso da intervenção é considerar a melhora do IDR ≤ 50% do valor pré-operatório, sendo o valor pré-operatório inferior a 20 eventos por hora.27 Entretanto, há críticas a respeito de sua aplicação para SAOS severa ou em pacientes com valores de IDR pré-intervenção próximos a 20 eventos por hora. Foram criados outros critérios de sucesso, como redução do IDR para menos de cinco eventos por hora, melhora da saturação para níveis acima de 90% e redução significativa dos eventos,28 mas estes não avaliam bem a melhora de pacientes com SAOS severa, por exemplo. Assim, é necessário um consenso em relação a essa definição.

Outro aspecto observado durante a seleção de artigos foi o crescente número de estudos realizados com polissonografia portátil sem a presença de um técnico (polissonografia tipo 2). Esses artigos foram excluídos desta seleção. O manual da AMMS-201210 e a ICSD-322 consideram a polissonografia portátil um instrumento útil na clínica, mas a possível perda da qualidade do exame por falta de supervisão de um técnico deve ser melhor estabelecida para a pesquisa.

Conclusão

É possível observar, nos últimos dez anos, a grande frequência de ensaios clínicos que utilizaram desvio septal e rinite alérgica como fator obstrutivo nasal. Apenas um estudo considerou polipose nasossinusal como causa de obstrução. A rinite alérgica persistente é um fator importante de obstrução nasal, porém, sua intensidade pode variar. A polipose nasal possui ferramentas mais objetivas de avaliação da gravidade dessa obstrução.

Apenas quatro estudos registraram melhora significativa nos roncos; três evidenciaram redução na pressão no CPAP; e sete relataram melhora subjetiva do sono. Dessa forma, ainda se encontra impreciso o papel nasal sobre a fisiopatologia da SAOS. Foi notada redução da sonolência excessiva diurna em alguns estudos, por meio da escala de sonolência de Epworth.

Na maioria dos ensaios, a obstrução nasal não se relacionou com o IAH, indicando ausência de melhora da SAOS, com a redução da resistência nasal. Em contrapartida, poucos pesquisadores avaliaram índices polissonográficos, como índice de despertares e percentual do sono REM, que poderiam vir alterados, uma vez que a obstrução nasal possivelmente não provoca uma obstrução completa da VAS, mas aumenta a pressão negativa intratorácica, levando à fragmentação do sono. Assim sendo, são necessários mais estudos sobre a influência da obstrução nasal na polissonografia.

Conflitos de interesse

Os autores declaram não haver conflitos de interesse.


Recebido em 8 de maio de 2015;

aceito em 18 de maio de 2015

DOI se refere ao artigo: http://dx.doi.org/10.1016/j.bjorl.2015.05.018

Como citar este artigo: Migueis DP, Thuler LCS, de Andrade Lemes LN, Moreira CSS, Joffily L, de Araujo-Melo MH. Systematic review: the influence of nasal obstruction on sleep apnea. Braz J Otorhinolaryngol. 2016;82:223-31.

* Autor para correspondência.

E-mail:mestneuro@gmail.com, debpetrungaro@gmail.com (M.H. de Araujo-Melo).

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