Rinite alérgica (RA), por definição, corresponde a uma inflamação da mucosa nasal, mediada por IgE, com a presença de sintomas como obstrução nasal, prurido local, espirros e coriza.1
Existem dois grandes estudos avaliando a prevalência da RA no Brasil. O primeiro, através de questionários aplicados à crianças e adolescentes, aponta que sintomas nasais e oculares, no último ano sem estar resfriado, estão presentes em cerca de 12 a 15% delas. O segundo, também utilizando questionários, contudo avaliando todas faixas etárias com diagnóstico médico de RA, encontrou uma prevalência de 9%.2,3
É interessante observar que estes trabalhos inferem que o quadro nasal seja alérgico, uma vez que não foi comprovada a presença de IgE específica, pressuposto básico para determinar a etiologia alérgica (ver definição).
Em 1859 Charles Harrison Blackley aplicou polens em sua mucosa nasal e com isto desencadeou os sintomas da rinite. Assim surgiu a provocação nasal para o diagnóstico da rinite alérgica.4 Outros métodos também são utilizados para pesquisa desta classe de anticorpos como os testes cutâneos por punctura e dosagem sérica específica (métodos imunoenzimáticos e imunofluorométricos).2
Um dos primeiros estudos a demostrar a produção de IgE específica apenas na secreção nasal foi publicado em 1975. Quatorze pacientes com sintomas clínicos sugestivos de RA por ácaros, contudo com RAST negativo, foram submetidos à provocação nasal com este antígeno. Todos apresentaram sintomas nasais, o mesmo não ocorrendo com os do grupo controle.5
Tal fato demostra haver dois fenótipos da RA. De um lado temos pacientes “clássicos” com quadro clínico característico, pesquisa de IgE específica sistêmica (testes cutâneos e séricos) positiva, associado à antecedentes pessoais e familiares de atopia. De outro, observamos indivíduos que apresentam sintomas quando em contato com alérgenos, mas sem antecedentes familiares atópicos e apenas teste de provocação nasal positivo para o antígeno. Estes indivíduos são portadores do que se denomina Rinite Alérgica Local (RAL).6
Não se conhece a prevalência da RAL. Alguns estudos demonstram que mais de 47% dos casos de rinites não alérgicas não infecciosas podem ser consequência da produção de IgE específica apenas na mucosa nasal.7 Ou seja, por ser um fenótipo desconhecido é subdiagnosticado, e potencialmente podemos supor que a prevalência da etiologia alérgica nos sintomas nasais é bem maior que a atualmente comprovada.
A disponibilidade de uma literatura médica mais profunda sobre o tema ainda é pequena, contudo questiona-se se a RAL corresponderia ao inicio da RA. Um acompanhamento de pacientes por 5 anos não demostrou diferença no aparecimento de atopia em adultos e adolescentes com RAL (6,25%) quando comparado aos controles (5,2%).8
Os pacientes com RAL apresentam os mesmos sintomas clássicos daqueles com RA, como espirros, prurido, obstrução nasal e coriza.8 Um estudo comparando indivíduos com RA e RAL também mostrou que ambos compartilham um fenótipo clínico demográfico semelhante. Ocorrem preferencialmente em pacientes não tabagistas, do sexo feminino, com quadro persistente grave, frequentemente com sintomas conjuntivais e asma, sendo o Dermatophagoides pteronyssinus o principal agente associado.9
Além dos ácaros, outros antígenos estão relacionados à RAL como polens e fungos, sendo que quadro ocorre tanto em crianças quanto em adultos.10,11
Do ponto de vista fisiopatológico a RAL é semelhante a RA. Nela observa-se um infiltrado inflamatório padrão Th2 (quadros mediados por IgE), uma fase imediata caracterizada pela ativação e liberação de medicadores de basófilos, e uma fase tardia com atração e ativação dos eosinófilos.10
Em relação à terapêutica, tais pacientes respondem bem aos medicamentos disponíveis, tanto orais quanto tópicos. Além disto, também apresentam melhora com imunoterapia subcutânea alérgeno específica, tal qual aqueles com RA. Um estudo piloto com 20 pacientes com RAL sensíveis a gramíneas foi submetido a imunoterapia alérgeno específica subcutânea. Ao fim do estudo, os autores observaram uma maior tolerância ao alérgeno e redução dos sintomas, assim como da utilização de medicação de resgate.12 Atualmente, estudos duplo-cego controlados com placebo estão sendo realizados com antígenos de gramíneas e ácaros da poeira domiciliar.7
O diagnóstico da RAL é baseado na demonstração da presença de IgE específica nasal pelo teste de provocação nasal com alérgenos ou pela síntese local de IgE, sem a presença de atopia sistêmica.7 O lavado da secreção nasal é muito útil para avaliação da celularidade, presença de mediadores inflamatórios e da IgE específica.7 A provocação nasal, com alérgenos, reproduz a reação alérgica “natural, demostrando a fase imediata, tardia, a sensibilização ao alérgeno e sua importância no desencadeamento dos sintomas.7 Na pratica clínica é considerada como o padrão ouro para o diagnóstico tanto da RA quanto da RAL, contudo não é um teste de rotina, sendo que necessita pessoal bem treinado e consome muito tempo.7 Portanto, é importante o rápido desenvolvimento de um método barato de dosagem da IgE específica na secreção nasal, para assim podermos conhecer a real prevalência deste fenótipo e fazer seu diagnóstico e tratamento de forma correta e adequada aos nossos pacientes.
Conflitos de interesse
Os autores declaram não haver conflitos de interesse.
E-mails: jmellojr@gmail.com, mellojr@uol.com.br
☆ Como citar este artigo: Mello Junior JF. Local allergic rhinitis. Braz J Otorhinolaryngol. 2016;82:621-2.
DOI se refere ao artigo: http://dx.doi.org/10.1016/j.bjorl.2016.09.001